sábado, 22 de janeiro de 2011

Proseando sobre... Entre os Muros da Escola


“Quando os mestres se revelam aos alunos, também estes se revelam a seus mestres”
Miguel Arroyo

Existe uma grande diferença entre ser um professor e ser educador. Ser os dois, não parece ser uma tarefa fácil. Para que serve os conhecimentos que adquirimos ou fingimos adquirir nas escolas? O que estamos, na realidade, fazendo dentro dessa instituição? “Entre os muros da escola”, longa francês dirigido por Laurent Cantet, abre margens para discussões ao relatar o dia a dia de uma escola de periferia parisiense a qual o professor François está preparando o calendário letivo pretendendo, sobretudo, levar aos seus alunos toda uma visão ideal, já imposta pelo governo francês, discutindo relações de poder, alfabetizando e ensinando o idioma oficial do país. Tal meta é um adorno que convém a proposta de uma tradicional escola, mas o potencial se encontra no diferencial de ir além do aluno, chegar no seu humano. E é justamente esse o ponto central do longa que irá percorrer suas mais de duas horas de projeção. 

Dentro do objetivo de explicitar o cotidiano escolar, o filme encontra grandes desafios que vão além dos geralmente difíceis comportamentos dos alunos, se arrastando até bem mais longe, além dos muros da escola como sugestiona o título, com uma política que lida com a segregação racial limitando seus povos imigrantes, na maioria Argelianos. Nesse abalo de culturas distintas, nos é sutilmente apresentado vários embates que ocorreram na região com o preconceito pela desigualdade acontecendo alarmantemente. 

Sem querer provocar somente uma análise acerca da imigração que assola alguns países Europeus (neste caso a França), o filme levanta questões sobre o social num panorama educativo, sem o pessimismo do caminho para onde aparentemente o método educacional o qual conhecemos está se endereçando. Cantet juntamente a François Bégaudeau, autor do romance o qual “Entre os muros da escola” foi baseado, referem-se à proposta de expressar a sala de aula numa profunda reflexão de particularidades estando à diferença étnica, econômica e racial demasiada escancarada. 

 É visto, no interior da sala de aula, as típicas tribos, que nunca soam indiferentes diante o convívio imposto pela escola. Os adolescentes nas salas de aula parecem não ter voz, e quando tomam alguma atitude se rebelam. Sem generalizações, e concentrando na obra cinematográfica, fica claro esse apuro, ao expressarem suas opiniões, ocupando um lugar defensivo, funcionando como vítimas da sociedade. Entre os muros que menciona o título, várias são as questões exploradas que rondam a desigualdade exprimindo o retardamento dessa ideologia escolar tradicional, com fileiras, carteiras e posições hierárquicas, onde outrora visava à educação. No longa a escola deixa de ser um espaço de conhecimento para se tornar um abrigo das carências que permeiam os personagens da narrativa. O costume regrado escolar perde então sua identidade.

Sobre tal contexto, François surge como um modelo de educador, ao tentar, mais do que expor e transmitir conhecimentos, se aproximar de seus alunos conhecendo as perspectivas de cada um visando à realização de sua profissão, cada vez mais gasta e questionada. Para isso, faz-se necessário um novo olhar, uma outra perspectiva, cumprindo um papel ideologicamente imprescindível. “Entre os muros da escola” não explora a fundo seus personagens, no entanto, baseia sua estrutura evolutiva no coletivo, desenvolvendo o grupo de estudantes sem todo aquele vigor romântico encontrado constantemente em longas do gênero.

O aluno passa a ser visto não somente como um alguém que está ali para seguir regras, aprendendo leis e normas sociais, tornando-se o que a sociedade quer que ele se torne. É nesse embate que se acentua o fracasso para com a pessoa aluno, ao deixarmos de prestarmos à atenção no que esses são e o que podem trazer, simplesmente pela vaidade da imposição. Como um guia acolhedor, o professor leva seus alunos a reflexões, mesmo com os reveses pela insistência, hierarquizando seu papel e levantando soluções. Tudo isso parece bonito e empolgante, na ficção realmente é e estamos cheios de filmes que movimentam essa temática encontrando em seu final o ‘feliz para sempre’. O diferencial de “Entre os muros da escola” é a tentativa de buscar humanizar seus personagens, com o mocinho não sendo perfeito, obrigado a lidar com suas ansiedades e próprios preconceitos. A história exerce essa função de questionar o que está acontecendo, exibindo a escola como um campo de concentração. Não é a toa algumas tomadas das grades e do pátio remeterem de imediato à impressão daquilo tudo ser, na realidade, um presídio.  Não há aqui uma busca de soluções, a história está mais para o relato das causas do que para seus efeitos.

Nessas várias temáticas, o filme de Laurent Cantet permanece firme na sua proposta de incomodar e provocar o espectador, abrindo muitas vezes espaços para compreensões mais filosóficas, direcionando a interdisciplinaridade, graças ao seu protagonista professor. No entanto, o assunto gera uma série de contestações. O filosofo educador Fernando José de Almeida já lançou uma dura crítica a respeito desse altruísmo pedagógico: “muitos dos olhares que se têm dirigido às questões da educação em nome da interdisciplinaridade não passam de um emaranhado de boas intenções misturadas a falsos problemas, ausência de profundidade, falta de rigor, perda de identidade epistemológica das ciências envolvidas.”

François Bégaudeau assume, além do roteiro inspirado em seu próprio romance, o papel central do filme. E veja só: impressiona com uma atuação suficientemente convincente. Quanto à história, esta parece abrir um leque de arquétipos, analisando com minuciosidade o que está sendo feito nas escolas, produzindo cidadãos que atendam o que a sociedade com suas leis exigem e nada mais. O nada mais aqui deve ser entendido como somente um processo educacional convencional proposto pela própria sociedade. Não é um longa detentor de soluções, não irá mudar a maneira a qual conhecemos e concebemos o ensino hoje, mas exigirá um pouquinho mais de reflexão sobre seu assunto. Sua originalidade é acertiva no que propõe, e não poderia ir além disso. Trata-se de um estudo de caso obrigatório que deve ser visto.




3 comentários:

  1. eu adorei esse filme! você é muito bom com isso, rapaz! continue escrevendo sobre cinema

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  2. Cara... o que eu já li de elogios desse filme, não sei como ainda não tirei tempo para assisti-lo...

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  3. Marcelo, adorei seu texto!
    você tem tanta razão..esse é realmente um filme necessário. embora não possua fórmula alguma pra solucionar certos problemas, ele consegue nos fazer olhar para eles.

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