quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Proseando sobre... Elysium



Após ter lançado o ótimo Distrito 9 (District 9, 2009), o cineasta Neill Blomkamp apareceu como um nome em potencial para o gênero da ficção científica, inovando a partir do conceito tradicional de elaborar o futuro com pessimismo, costumeiramente mostrando a Terra destruída, propensa a miséria, juntamente ao fracasso da humanidade. Em seu novo longa, Elysium, a coisa não muda tanto. A Terra está igualmente arruinada, até pior do que aquela vista no longa anterior. A salvação se dá numa estação espacial chamada Elysium, um lugar arborizado e feliz, habitado por uma minoria rica poderosa hierarquicamente. É uma retratação inteligente baseada no mito dos campos Elíseos, elaboração crítica de papéis sociais, ideologicamente desastroso do ponto de vista dos direitos humanos, algo aparentemente extinto no século XXII retratado.   

Temos acesso a dois períodos diferentes com os mesmos personagens, Max e Frey quando crianças e adultos. Na versão mais velha são vividos por Matt Damon e Alice Braga. Ambos vivem no planeta Terra morto sem verde desejando um dia chegar até Elysium, promessa feita pelo menino a menina. Um dia ele a levaria até lá. Circunstâncias os separam com cada um indo para um canto até um encontro súbito no futuro. Daí a coisa se desenrola e o filme acontece devido ao almejo dos grandes desejos do homem: a beleza conservada e ausência de qualquer doença. A tecnologia de Elysium permite ambas, mas esta é limitada a poucas pessoas, negligenciando os milhares de doentes que agonizam no planeta condenado.

O início promissor da fita é empolgante. Os flashbacks bem distribuídos – no início, ao contrário do que se segue no final – remontam histórias de injustiças e promessas feitas em nome da inocência. Temos todas as informações do que se tornou o planeta Terra e de como é a vida de seus habitantes, especialmente numa Los Angeles assolada e empoeirada, onde boa parte das pessoas falam espanhol, resultado da alta imigração. Ali Max passa os dias com um emprego ordinário, tendo problemas com a lei e arriscando a vida em troca de migalhas. Julio (Diego Luna), fiel amigo de Max, e Spider (Wagner Moura), um hacker que busca todo o tempo ingressar na estação espacial levando alguns imigrantes terrestres, são dois personagens que terão histórias relativamente desenvolvidas. Wagner Moura, é preciso mencionar, está excelente!

O bom ritmo da trama circunda um universo de possibilidades do roteiro que acaba não se atendo a nenhum. A segunda metade é dedicada a ação. Essa é bem filmada e empolgante, especialmente com um vilão que complica as investidas heróicas do início ao fim da projeção. Sharlto Copley, ator sul africano protagonista de Distrito 9, é o antagonista da trama. Ainda há Jodie Foster implícita numa vilã velada. O heroísmo fica a cargo do razoável Matt Damon que converte-se  num humanóide para tentar salvar a si mesmo. Suas motivações se transformam a medida que o longa avança. 

As mazelas do mundo estão implícitas na história: poluição, desigualdade social, fome, crise financeira. Assistimos um futuro esperado de modo certamente pessimista, mas não absurdo. A tecnologia separando extremos é um ponto relevante, embora possa levantar críticas ao opor ricos e pobres, responsabilizando o abismo que os separa. Blomkamp não parece preocupar-se em discutir política ou filosofia, mas incitar questões relativas a ela, sem tomar partido. Parece vago numa primeira espiada, mas há muita coisa lançada sem o objetivo de ser cuidadosamente discutida. É um Sci-Fi consciente, envolvente, com doses de emotividade e ação sem moralismo, a não ser o olhar sobre nosso planeta e o que temos feito contra ele. Uma corrente guarda uma imagem histórica como memória num pingente e alguém pede para um personagem não se esquecer de onde veio. O belo planeta Terra manteve a beleza numa fotografia.


terça-feira, 17 de setembro de 2013

Proseando sobre... Invocação do Mal



Gênero difícil de trabalhar esse de terror, especialmente quando relacionado a possessões demoníacas, já que muito já fora feito e relativos sucessos conquistados, ainda com a sombra comparativa ao clássico imortalizado, O Exorcista (Exorcist, The, 1973). Se há muito pouco o que se inovar, então que seus clichês sejam tratados com alguma astúcia e que a história os tenha a seu favor narrativamente, e não como o típico mais do mesmo esgotado que funciona com os desacostumados. O anúncio de que se baseia numa história real vem como o prenúncio da possível existência do fato. Nunca fora comprovado. Ainda assim é o bastante para atrair olhares e motivar alguns curiosos a irem ao cinema conferir um dos mais custosos trabalhos dos famosos demonologistas (?) Ed e Lorraine Warren. De quebra ainda há a lembrança de um dos casos mais discutidos da dupla, o da apavorante boneca Anabelle.

Lembrado geralmente por iniciar a febre Jogos Mortais (Saw, 2004), o diretor malaio James Wan entra na onda do sobrenatural pela segunda vez em poucos anos. Ele já tinha proporcionado uma experiência diferenciada em seu longa anterior, o competente e assustador Sobrenatural (Insidious, 2010) – que ganhará uma sequência ainda este ano –,   demonstrando o quanto poderia ser promissor em filmes de horror. Com esse Invocação do Mal, provou que é uma boa aposta para um estilo desgastado. Ele dirige um filme de gênero definido e investe em nuances sombrias aterrorizantes, sem o uso exaustivo da trilha ou das sombras que oferecem espantos repentinos os quais praticamente prevemos antecipadamente. Seu trabalho de câmera, ora subjetivo, ora objetivo, é bem sucedido. Ele passeia pelos corredores e encontra guinadas em alguns planos específicos sem cortes. É visualmente atraentíssimo!

A dupla central que encarna o casal Warren é vivida por estrelas hollywoodianas. Patrick Wilson – trabalhando novamente com Wan após Sobrenatural – assume o papel de Ed, demonologista não-padre reconhecido pelo vaticano que dá palestras explicando seu trabalho como se pudesse demonstrar cientificamente o que diz dominar. Já Vera Farmiga, sempre tão talentosa, dá uma dubiedade notável a Lorraine que sofre com o ofício, pois é mais do que uma caçadora de demônios, é uma sensitiva que revive situações e enxerga além das manifestações daqueles que busca salvar. Com a dupla de prestígio, Wan não se preocupa tanto em dirigir atores, já que notoriamente dá liberdade a experiência dos mesmos. Ele se concentra claramente nas 6 crianças em volta que seguem padrões ritmados cena após cena. Uma delas é  Mackenzie Foy que viveu a filha de Edward e Bella em A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 2 (Twilight Saga: Breaking Dawn - Part 2, The, 2012). Ao menos dessa vez ela participou de um filme cujo sobrenatural pode ser levado a sério.  

A favor da obra está a ambientação setentista. Faz um eco com Amityville - A Cidade do Horror (Amityville Horror, The, 1979). O cunho artístico nos transporta aos filmes da época. A ausência de tecnologia surge como um empecilho para os personagens e um trunfo aos realizadores. O figurino e estilização também contribuem para acessarmos 40 anos atrás. Com isso emergem alternativas de horror, tal como o distanciamento do homem da cidade cuja dificuldade de comunicação compromete sua segurança; ou os métodos de trabalho dos Warren, limitados, com câmeras e microfones precários; e as brincadeiras das crianças que divertem-se com um simples esconde esconde, promovendo boas cenas salientando a ameaça presente, porém invisível.   

O roteiro baseado no evento dito verídico se concentra em tentar dar um embasamento teórico as manifestações através de aulas, palestras e diálogos entre os personagens, pondo em dúvida o que é verdadeiramente real. Os roteiristas, Chad Hayes e Carey Hayes, especialistas em filmes de terror, se encarregam de passar informações importantes para compreendermos o que está acontecendo e o que poderá vir a acontecer. É um acerto narrativo que oferece com didática várias possibilidades de sucessões, sem preocupar-se em cumprir cada uma. Pesquisas e constatações religiosas surgem com ênfase à idéia de tratar-se de possessões demoníacas, há até uma breve retratação histórica a respeito da ação do catolicismo a respeito desses casos. 

Dirigido com crueza e sem inventividades, mas com competência, adentramos numa atmosfera distinta, sombria e ameaçadora. Nos importamos com seus envolvidos diretos: a família atormentada num antigo casarão que compraram num leilão e o casal caçador com suas razões pelas quais escolheram trabalhar com isso. Percebemos temores nas minúcias, nos detalhes bem dispostos, como em uma cena onde uma das meninas está desesperada afirmando ver alguém atrás da porta de seu quarto. Não vemos o que ela enxerga, tampouco questionamos sua sanidade, somos levados a crença devido ao que já fora proposto logo nos minutos iniciais da fita. Farmiga também expressa detalhes em sua atuação sucinta, são vários os atos em que observa alguns locais subitamente fazendo expressões temerosas reparando o que nós e os outros personagens não tem condições de perceber. Quando a câmera converte-se em seu olhar, aí sim vislumbramos o que lhe terrifica. 

Subvertendo formas, o filme se desenrola com clareza surpreendente, já que não larga muita coisa em suspensão, resolvendo-se em suas limitações. James Wan é criativo, varia cenas de profunda tensão com outras de terna leveza, cumprindo conjuntamente a fotografia e direção de arte um universo ermo. Finalizado, comparamos inevitavelmente a obras semelhantes e notamos o quão melhor Invocação do Mal é justamente por ser serenamente objetivo e rústico, pensado cuidadosamente. Precisamos acreditar no que vemos por 120 minutos para o filme funcionar. O ceticismo amarga as experiências que filmes de horror proporcionam e deve ser ignorado em benefício do cinema e de sua arte.  


quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Proseando sobre... Os Escolhidos



Se o horror provindo do cinema hollywoodiano vem desapontando muito no cinema, salvo por uma produção ou outra esquecida em semanas, então pode-se dizer que esse “Os Escolhidos” é um sopro de fé sobre o gênero. Encontrando limitações narrativas e afetado por uma fotografia tradicional que não garante um clima obscuro diferenciado uma vez que soa como extensão de longas semelhantes, o filme se encaminha graças a condução de seu diretor que o leva a um patamar superior do suspense de expectativa, abrigado por boas atuações, clímax corajoso e pela montagem que oferece bons momentos de arrepio, ainda que curtos e certamente triviais.

Scott Stewart é quem escreveu o roteiro e quem dirige a fita. É dele o grotesco Padre (Priest, 2011), o que me fez automaticamente esperar desesperançoso seu novo projeto. E se expectativas em demasia costumam frustrar, o contrário também acontece. Filmes do estilo requer a crença de seu público para ter algum valor de gênero, o terror em forma e ação. Dependemos da fé cênica dos atores. Podemos nos permitir fazer parte do universo projetado, compartilhar da ficção e entrar na onda do absurdo, seja com demônios, espíritos, demais figuras folclóricas e extraterrestres. Esse último é o que se apresenta.

A história não traz lá nenhuma grande novidade. Uma tradicional família de um subúrbio vem notando coisas verdadeiramente estranhas acontecer em casa, especialmente com o filho mais novo que anda relatando ter contato com figuras inexistentes. Especula-se Sandman – o João Pestana, para os brasileiros – e seu mito, mas tudo vai além. O cume se dá quando bandos distintos de pássaros se choca contra a casa onde moram. Um especialista em ufologia aparece – o ótimo veterano J.K. Simmons numa interpretação bizarra – alertando o quanto esses eventos são comuns com algumas famílias e que o final nunca acaba bem. Registros de desaparecimentos em vários cantos do globo são colecionados pelo excêntrico velho. A família busca reverter o aviso.

Keri Russell e Josh Hamilton se mostram empenhados a não se aterem a vícios de interpretação, cumprem bem o papel de viver os pais preocupados com os dois filhos expostos a magia tenebrosa local. O enlouquecimento retratado é coletivo, acompanhamos a progressão e o quanto isso afeta os nervos conjuntos numa família que convive com dificuldades e incertezas sobre o futuro, algo trabalhado como forma de empatia, aproximando o espectador dos personagens. A lógica da produção se equivale a horrores semelhantes tais como Sobrenatural (Insidious, 2010) e Possessão (Possession, The, 2012) por hipóteses explicativas implicadas na descrença, o que permite embates tanto dentro do filme quanto fora dele. 

Comparado a outras obras, essa não visa o susto a qualquer custo, fazendo uso exacerbado de trilha sonora potente ou manjados recursos que implicam em previsíveis sobressaltos. O roteiro também não é um dos mais inovadores dentro da proposta, encontrando saídas óbvias para o que cria. A montagem por sua vez favorece as pretensões narrativas, explicitando tudo com competência didática. É uma boa história que abre margens interpretativas, conciliando real e imaginário com a sanidade dos envolvidos posta a prova. Algumas questões propostas pelo roteiro ficam a deriva – o desemprego/emprego do personagem de Hamilton veio para quê mesmo? – e a escuridão com suas abstratas possibilidades presenciais parecem ser mesmo o melhor mecanismo de tensão. E como irrita quando os realizadores demonstram não acreditar na inteligência de seu público e enfiam flashbacks buscando explicar o que por si só fora inteligível ao longo da narração. São escolhas óbvias e importunas que compromete o resultado da obra que se arrasta pra conseguir ser levada a sério.