domingo, 19 de outubro de 2014

Proseando sobre... Annabelle

Quando escrevi sobre Invocação do Mal, havia colocado em um dos parágrafos a seguinte frase: “…subvertendo formas, o filme se desenrola com clareza surpreendente, já que não larga muita coisa em suspensão, resolvendo-se em suas limitações”. Essa mesma frase se aplica nesse Annabelle (Annabelle, 2014), filme que tem uma boneca possuída e que foi brevemente apresentada pelo diretor James Wan no mesmo Invocação do Mal. Com a oportunidade de estender o sucesso daquele bom filme, fizeram esse spin-off para colher os louros do êxito aterrador a partir de um aterrorizante objeto possuído nos moldes de Chucky, o brinquedo assassino. Uma tal de Annabelle Higgins, mulher envolvida com ocultismo, amaldiçoa a boneca de uma maneira próxima a que Charles Lee Ray fez, se é que alguém lembra desse personagem que reúne sobrenomes de assassinos da história.
Jovens casais geralmente tem sido no cinema os alvos prediletos das mais diferentes assombrações. Aqui não é diferente, já que acompanhamos John (Ward Horton) e Mia Gordon (Annabelle Wallis). Eles estão aguardando o nascimento do primeiro filho. Mia coleciona bonecas e fica encantada quando ganha Annabelle. Tudo ia divinamente bem até uma tragédia envolvendo os vizinhos atingi-los brutalmente e envolver diretamente a assustadora boneca. Daí os mais estranhos eventos começam a acontecer e uma espiral de sustos, sons diegéticos e sombras criam todo o climão de um autêntico filme de horror. No mar de clichês sobressaem algumas boas cenas, inclusive uma que pode ser inserida como uma das mais criativas e verdadeiramente apavorantes do gênero: a cena em que uma criança atravessa o corredor.
Sem maiores pretensões a não ser reaproveitar um objeto de cena de um eficiente filme de horror, este trabalho se aproxima de Invocação do Mal graças ao clima sinistro causado. James Wan não o dirige. O cargo ficou com John R. Leonetti, diretor de fotografia e parceiro de Wan. O cara tem um passado pouco admirável, esteve à frente de Mortal Kombat – A Aniquilação(Mortal Kombat: Annihilation, 1997) e de Efeito Borboleta 2 (The Butterfly Effect 2, 2006). Sua habilidade com a fotografia ao menos garante um bom uso dos espaços físicos e da elaboração da atmosfera ambiente. Leonetti não tem um grande roteiro em mãos, mas tem personalidade em assumir o ofício da câmera e transitar com ela nos pequenos espaços, evocando os objetos, tratando transições e investindo em sombras. Os sustos são consequências e acontecem com certa frequência, ainda que na maioria das vezes de maneira previsível. Um trovão aleatório, por exemplo, é uma investida para tal triunfo.
Annabelle é uma boa personagem. É naturalmente assustadora. Sua expressão implica na dúvida sobre o desejo de alguém de tê-la em casa, especialmente como ornamento principal de uma coleção especial num quarto infantil. A presença de crianças também garante o favorecimento da tensão da história, já que é sobre elas, aparentemente, que as maldições se debruçam. Num senso coletivo elas são fragilizadas e, desta forma, conquistam maior solidariedade por parte do público. É a questão do cuidado instintivo. A cena dos desenhos na escada é ótima do ponto de vista do clima – há uma óbvia manifestação de um potencial psicológico projetivo que acentua seu significado. No entanto, do ponto de vista do roteiro, está deslocado. Aos fãs de horror, taí um bom divertimento, especialmente quando não se é cético, ou se domina a habilidade de se permitir crer no que se vê dentro da sala escura. Ahhh, e como ingrediente extra, há referências ao clássico absoluto do terror, O Bebê de Rosemary(Rosemary’s Baby, 1968).



quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Proseando sobre... Hércules

Uma das coisas mais estimulantes quando se pensa no conceito de expectativa é a possibilidade de se surpreender, ainda mais quando essa origina-se de uma expectativa negativa sobre algo. Muitos filmes decepcionam quando esperamos demasiado por eles. Outros melhoram. Filmes que, por uma simples espreitada no trailer já são considerados potenciais fiascos. Quando vistos percebemos que não são bem assim. É o que aconteceu com esse Hércules, nova adaptação dirigida por Brett Ratner e estrelada pelo sempre carismático Dwayne Johnson. Diante a possibilidade de assistirmos uma verdadeira catástrofe cinematográfica tempos após termos visto seu trailer fanfarrão, eis a surpresa em perceber que a obra não é essa atrocidade toda. Hércules (2014) é apenas irrelevante. E durante sua existência passageira nas telonas, consegue divertir muito sem comprometer a história original. Aqui Hércules é outro, é baseado em uma história alternativa. É um legítimo mercenário. 

O filho de Zeus, detentor de uma força imensurável, ganhou novamente as telonas. É natural que um personagem tão importante apareça mais frequentemente em épocas de tantas adaptações. Em seu início conhecemos aspectos de sua história. Os seus 12 trabalhos nos são apresentados brevemente através de uma narração que exprime a maior virtude do roteiro: questionar fatos e papeis. Os deuses parecem vencidos nessa obra, existindo como citações enquanto a epopeia de Hércules transcorre no cenário bem desenhado com tonalidades amareladas. Redescobrir seu valor enquanto um semideus desconsiderando intervenções divinas parece ser seu desafio. Vem corroborar a máxima: duas mãos trabalhando fazem mais que milhares rezando! 

É bem por aí. E olha só, Hércules não trabalha sozinho. Vem auxiliado por uma série de seguidores, alguns poucos soldados que ele colheu durante seus feitos. Insere-se aí estereótipos e uma arqueira feérica. Com o time, o semideus passa a servir o rei da Trácia (John Hurt) que prometeu como recompensa seu peso em ouro. O roteiro se agarra a esse serviço, levantando seus fundamentos a partir de uma liderança questionável, sem nunca revelar verdadeiramente ao espectador quais as intenções por trás de cada um daqueles rostos cansados de guerra e em constante busca por riqueza. Há uma série de flashbacks – por vezes insuportáveis – que deixam no ar uma dúvida sobre o passado do filho de Zeus. A ação retratada vem quase sempre acompanhada por muito humor, o que condensa a trama tornando-a um entretenimento divertido, um pipocão carente de substância suficiente para honrar dignamente a representação do mito de seu herói. 

Alan Moore fez campanha para o filme ser boicotado, pois lembrou de seu amigo ignorado, Steve Moore, morto em março desse ano, autor da HQ Hercules: The Thracian Wars, a qual este filme foi baseado. O cara mal foi consultado e antes de morrer demonstrou todo seu descontentamento com o que sua obra estava se transformando. É fácil entender tal queixa através do viés da narrativa filmada calorosamente por Brett Ratner. O diretor tem experiência em equilibrar ação e humor, vide a franquia A Hora do Rush. Formulaica tal como a maioria absoluta das grandes produções, Hércules é enérgico, engraçado, descerebrado e tem um grande nome envolvido como isca. O personagem está definitivamente mais humanizado, ainda que se eleve enquanto um ser sobre-humano beneficiando o deleite de seus fieis apreciadores. É para se ver, se divertir e naturalmente esquecer. Ahhh, Dwayne Johnson, que já foi o Escorpião Rei, funciona bem como Hércules apesar de suas expressões afetadas. 

Esse ano ainda foi lançado um outro filme baseado no personagem, Hércules (Legend of Hercules, The, 2014), dirigido por Renny Harlin e estrelado por Kellan Lutz. Não vi. Ninguém que conheço gostou. 


Proseando sobre... Os Mercenários 3

Com Os Mercenários, Stallone propôs reunir vários astros dos filmes de ação, a maioria oriunda da década de 80 e 90, e criar uma franquia que os eternizasse, trazendo ainda alguns nomes da nova geração. No segundo, a brincadeira residia na decorrência do tempo que resultou dificuldades físicas aos heróis, ainda que não impedisse atos heróicos de caras que não aceitaram o natural envelhecimento. Aqui nesse terceiro parece encontrar um equilíbrio entre gerações, considerando-as igualmente importantes, o que fundamenta a perspectiva do futuro dos velhos e novos mercenários. Têm-se o filme menos badalado da trilogia, o menos empolgante, no entanto ainda atrativo simplesmente pelas grandes personalidades em cena que dificilmente se encontrarão dentro das telonas novamente. 

Vemos muita energia acumulada, a virilidade enternece a trama modelando a ação com a viral comédia. O filme revela-se afetado por tanto humor. Formulaico, tem uma cena inicial colossal como um cartão de visitas do que virá em sequência. E essa ação convulsiva consegue despertar um comportamento comum entre os espectadores: bocejos. Este cinema definitivamente perdeu a graça. A trama que poderia inflar o nosso interesse desgastado não convence, se arrasta dentro do clichê mais odiável: o maniqueísmo tradicional proposto unicamente como válvula de escape de um roteiro ineficaz. 

Há uma cena de reunião, de diversão, celebração de um fim. Ela faz todo o sentido, pois abriga os semelhantes deste contexto maluco elaborado e que funcionou brilhantemente pela sensação de nostalgia proporcionada. Essa cena, realizada num bar, acaba sendo a melhor de todo o filme, já que ampara o valor da fita: a memória do pretérito de pessoas que tiveram absoluta relevância para a constituição de um gênero. 

Barney Ross (Sylvester Stallone) tem um novo e poderoso adversário, Conrad Stonebanks (Mel Gibson). Para poupar possíveis danos a sua velha equipe devido a uma falha ressentida durante uma missão infeliz, decide convocar uma legião de jovens para enfrentar o oponente. Inevitavelmente isso causa chateação nos velhos parceiros. Um transtorno visível nos olhares tristonhos daqueles homens cujo talento em expressar emoções se equipara a de manequins. Aí vira um filme de médias e discussões a respeito de valores, coragem e parceiragem. Por conveniência, Os Mercenários 3, filme dirigido pelo desconhecido Patrick Hughes, traz toda a truculência e as piruetas enérgicas esperadas de um filme desse gênero, especialmente envolvendo tantos astros. Termina divertido. Termina sem querer terminar.


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Proseando sobre... Guardiões da Galáxia

Há uma queixa bastante corriqueira sobre a quantidade de produções baseadas em heróis que vem sendo lançadas ano após ano. Para se ter uma ideia, há datas reservadas para filmes que serão lançados somente daqui 5 anos. Nunca se produziu tanto e a onda, ao que parece, tende a aumentar. O problema não diz respeito às produções em si, aos temas abordados, costumeiramente repetidos e pouco inventivos; a crítica reside na qualidade da obra, na qualidade de seu argumento que afugenta o ideal artístico cinematográfico para tornar-se, quase que unicamente, um produto, um produto facilmente vendido que faça parte de uma moda que não tem hora ou tempo para acabar. A Marvel encontrou essa mina e vem investindo pesado ao passo que outros estúdios acompanham devagar. Consolidada, até se dá ao luxo de arriscar, conforme esse seu novo filme, Guardiões da Galáxia, obra que para alguns já é a melhor de todas suas apostas.

Parte de uma linhagem rentável, este filme com personagens pouco conhecidos comparado aos outros, – Capitão América, Thor, Hulk e Homem de Ferro – se mostrou uma surpresa graciosa pela temática independente ao projeto Vingadores que tantos frutos lhe rendeu. Ela funciona a parte, uma realidade paralela estilizada na forma e estrutura de um universo distante que flerta, até mesmo, com Star Trek. Intencional ou não, pouco importa. Os heróis retratados são muitos, 5 novas figuras que seguramente ganharão a atenção do público, tornando-se uma franquia autônoma com potencial econômico e fãs espalhados que consumirão copos, bonecos, camisetas e qualquer outra coisa que diz respeito aos heróis mais anti-heróis desse universo composto pela Marvel Studios. 

Os protagonistas são outros, eles fogem a regra dos bons moços, do altruísmo. Modelam-se sobre uma metalinguagem a respeito de seus interesses e isso dá dinâmica ao roteiro absolutamente descompromissado, sem qualquer megalomaníaca pretensão narrativa. Não se levam a sério. Isso faz bem ao filme, refutando tentativas análogas vistas em Thor: O Mundo Sombrio (Thor: The Dark World, 2013) ou em Homem de Ferro 3 (Iron Man 3, 2013). Os Guardiões da Galáxia já nasceram erroneamente, nasceram no beco, são renegados, são ordinários. Tais características os faz dar certo juntos com suas diferenças. Nós rimos de suas presunções heroicas, de seus equívocos e interesses por vezes ambíguos. É quase um filme de comédia com ação. O humor não é regrado, existe por excelência, sem vergonha, descarado, tolo, imbecil e delicioso. É a proposta da obra. E ela funciona. 

A trama gira em torno de 5 renegados que precisam se juntar devido uma série de circunstâncias para sobreviver e evitar que uma criatura se fortaleça e tome as rédeas da galáxia. Algumas boas surpresas ainda virão, essas sim com ligação direta a proposta de Os Vingadores e a concepção do todo acaba sendo magnânimo, uma investida satisfatória, apesar da história pitoresca e banal. Melhor ainda é a trilha, embalando um soft rock dos anos 80 que liga passado e futuro de uma maneira notoriamente nostálgica. De simples desconhecidos, os 5 heróis foram a glória numa obra simplória e muito bem realizada, dirigida por James Gunn, um cara que flerta bem com a característica do bizarro até o filme b. Guardiões da Galáxia é um enlatadão, sem sombra de dúvidas, mas um enlatado que traz um sabor diferente. Muito embora não signifique nada ao espectador ao final, ao menos dessa vez a recreação objetivada tem função narrativa com seus divertidos anti-heróis à frente fazendo estardalhaços dos erros sem qualquer compromisso em ser impreterivelmente sério. Conveniente e convencional, agrada especialmente por ser honesto. 

Gostaria ainda de ressaltar a habilidade da atriz Zoe Saldana com sua Gamora, seus trejeitos e traços estilizados se equivalem em alguns instantes ao que fez com sua Neytiri em Avatar (Avatar, 2009).


quinta-feira, 31 de julho de 2014

Proseando sobre... Planeta dos Macacos: O Confronto

Em 2011 o diretor Rupert Wyatt ressuscitou a  franquia Planeta dos Macacos. Este veio com o subítulo: A Origem. Através dele conhecemos um grande personagem, um dos mais importantes da ficção científica que lhe garantiu status de ícone do gênero: inteligente, centrado, justo e forte, um exemplo convincente de liderança. Foi um grande filme que trouxe à tona uma versão absolutamente atual sobre os experimentos com símios e os resultados que praticamente condenaram a vida humana na Terra. Já esse Planeta dos Macacos: O Confronto dá continuidade trazendo os humanos em extinção. Anos se passaram e as cidades vazias são vistas cobertas por poeira e vegetação. Os poucos humanos resistentes possuem tolerância ao vírus que dizimou os continentes. Seguimos novamente o chimpanzé Caesar, protagonista do primeiro, agora líder de uma grande tribo que pouco a pouco desenvolve-se em sociedade num terreno com regras e política.

Chama atenção o quanto a trama dessa franquia é bem construída. O roteiro se atém plenamente nas motivações dos vários personagens, busca nos apresentar a evolução do grupo de macacos super inteligentes com o dialeto, a caça, a pesca, a elaboração de ferramentas, o desenvolvimento político. Todas essas são conquistas que a tribo alcançou em um pouco mais de 10 anos após os eventos na ponte de São Francisco. Os mesmos personagens estão ali, propensos ao crescimento de sua população sem intervenções ou ameaças, até que alguns humanos aparecem atrás de energia numa barragem abandonada, local próximo onde os macacos estão instalados. Negociações se somam nessa narrativa bem conduzida, retratando as relações entre homens e macacos, suas proximidades e seus interesses que novamente irá opô-los.   

A ira de alguns desses macacos referente ao passado tenebroso que tiveram divide grupos. As motivações são distintas, em nome da guerra alguns se exaltam. Em benefício da paz, outros clamam e se propõem a tudo. Dentro do mesmo grupo, a discordância se eleva enquanto os humanos, fortemente armados, mas em quantidade populacional inferior, assistem e sofrem. É um retrato histórico da própria humanidade após a evolução. Tudo em O Confronto são referências óbvias ao que as pessoas fizeram ao longo de sua caminhada até os dias atuais, sacrificando-se em nome de poder. Com o roteiro bem amarrado ao filme anterior e que ainda deixa brechas para a conclusão da trilogia, esse prequel da franquia maximiza ainda mais a simbologia da arte de O Planeta dos Macacos, com tantos efeitos fabulosos e com um elenco brilhante, comandado pelo genial Andy Serkis. O longa ainda conta com o célebre antagonismo de Gary Oldman.


Valorizado pelo interesse em demonstrar uma nova civilização se formando, este novo trabalho dirigido por Matt Reeves, o cara responsável pela boa refilmagem Deixe-me Entrar, investe na ruptura da possível coexistência entre humanos e macacos. Se pensávamos crentes nessa possibilidade, então o texto nos surpreende com a gana odiosa de um dos líderes, favorecendo batalhas proeminentes que acentuam o mecanismo de conservadorismo ideológico, sobrepondo admirações em nome da aniquilação total de uma raça, agora, considerada inferior. A violência toma conta delineando diretamente a ótica de seu primeiro filme, O Planeta dos Macacos de 1968. Tudo, ao que parece, se repetirá nessa nova proposta evolutiva. Diante tantas discussões efervescentes sobre as escolhas dos homens e onde elas os levaram, a obra acaba por ser um retrato congruente da desumanização da espécie. Nesse âmbito, em meio a suntuosos efeitos e abarcado por uma história engenhosa, o filme se equivale e trabalha sua reflexão com notável propriedade. 


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Proseando sobre... Transformers: A Era da Extinção

Não há muito o que acrescentar sobre o novo filme da franquia Transformers que já não tenha sido discutido anteriormente em foruns, críticas ou rodas de conversa durante o lançamento dos três primeiros. É o maniqueísmo barato que poderia ter sido resolvido pelo lado mal em um dos atos iniciais. Não há nada de novo, a não ser os protagonistas humanos. E ter esses novos protagonistas não significa que a história tomará um novo rumo. Pelo contrário, segue numa mesma direção com o talento único de Michael Bay em conceber asneiras cinematográficas atulhadas de pomposos efeitos que representam nada mais que uma limitação criativa, algo que seja engolido com maior facilidade por um público sedento de ação. É injusto chamar o filme de descerebrado ou qualquer coisa do tipo, pois tem dois ou três bons momentos. Além disso, os efeitos visuais e sonoros são esplêndidos, porém insuficientes, perdendo força logo em seus primeiros 90 minutos com sua dinâmica masturbatória. No fim, são apenas grandes robôs – há quem se ofenda com esse termo – brigando.

Este quarto filme baseado nos famosos brinquedos da Hasbro reafirma a maior intenção da franquia: divertir. Faz isso bem. Seria melhor se fosse num tempo menor, pois quase 3h de ação ininterrupta esgota o público, apesar das várias gags e momentos cômicos. Surpreende notar a forma como o roteiro se livra de um alívio cômico que mais soou como um interjetivo aborrecido. A verdade é que falta em Transformers uma boa história que amarre sua ambição, mas com Michael Bay isso parece ser inviável. Não há desculpas, há blockbusters interessantíssimos que não abrem mão de uma boa história. A leviandade das conclusões desse Transformers: A Era da Extinção (Transformers: Age of Extinction, 2014) corrobora a perspectiva de que o entretenimento do cinema Hollywoodiano está em declínio.

Sem Megan Fox e Shia LaBeouf (ator cuja credibilidade foi minada), restou a Bay garantir a presença de um veterano para incendiar um novo plot. Mark Wahlberg foi escalado para protagonizar a fita. Ele está inserido num núcleo familiar que garante um drama de cerca de 5 minutos, algo que nem pastelões adolescentes têm coragem de colocar no roteiro. O que dizer da máxima “sua mãe ficaria orgulhosa”? Ele é um pai protetor que, em nome da honra de sua mulher falecida, quer que a filha só assuma um compromisso após se formar. Há piadas referentes a leis em alguns estados do país sobre relacionamentos com menores, especialmente vinculadas ao Texas. Seu personagem engessado também é um inventor sem sucesso. O roteiro constrange com essa decisão de fazer dele um inventor. O pôster de Einstein colado na parede só acresce o embaraçamento. Sua fé em criar algo que pague as contas da família o mantém na ativa até o dia que compra a sucata de um Transformer e sua vida muda.

Descompromissadamente a obra garante recreação. Só não era esperado uma cena cuja metalinguagem surgisse como ironia à própria produção: a cena em que a sucata de um caminhão é encontrada acontece num cinema antigo. Lá, um personagem saudosista reflete sobre a baixa qualidade dos filmes atuais. Também há uma brincadeira de lógica quando um outro personagem, imediatamente após atravessar de um continente a outro, brinca com a falta de sensibilidade em relação ao fuso horário. É uma autêntica gozação. Se dispensarmos o senso crítico e encararmos Transformers: A Era da Extinção como um desenho animado ou vídeo game onde tudo é possível, dá pra aproveitar. Se isso é possível, é outra história.

Há algumas sequências que nos obrigam a notar mais do que deveríamos uma série de erros de continuidade e de lógica. Por exemplo, o colarinho impecavelmente branco de Joshua (Stanley Tucci, o John Turturro dessa versão) dá a impressão que o empresário teve tempo de trocar de camisa o filme inteiro, mas não teve qualquer condição de lavar o rosto coberto por sujeira. O mesmo se aplica aos outros personagens, em especial Tessa Yeager (Nicola Peltz) que se mantém imaculada como um próprio Transformer com silhueta libidinosa, sem feridas e maquiada, mesmo após sobreviver à queda de escombros colossais, explosões e tombos em rodovias. Está certo, isso não importa para o filme. Bom para os interessados apenas na graça feminina dessa jovem atriz cuja beleza é priorizada em quadros: a fotografia de uma cena capta caprichosamente suas coxas enquanto busca outros personagens à frente. Um regozijo.

Continuações virão com o provável mais do mesmo, sendo que ainda não tornou-se insuportável. Há um público cativo se deleitando propenso a algolagnia. Essa quarta parte chegou a um nível de mediocridade superior garantido pela censura, pois, diante tudo o que rola em cena, os Transformers agora surram humanos. Não dá pra ignorar o fato de milhares que certamente morreram devido as ambições estritamente humanas traduzidas por intrigas de Autobots e Decepticons. É pancadaria do início ao fim, ação enérgica, efeitos primorosos, tomadas em câmera lenta para vermos de fato a criação megalomaníaca de Bay e um som potente, embora ensurdecedor. Não é algo que contemple a coragem de seu realizador, um diretor limitado aparentemente incapaz de dirigir atores e cenas. Aqui ele investe doses a mais de vigor como alternativa para deslumbrar. Hollywood insiste em dizer que o planeta precisa de salvação. O personagem de Tucci é um CEO que visa uma revolução para salvar o mundo. Seu nome, Joshua, não parece ter sido escolhido aleatoriamente. É o grande filme das férias capaz de levar milhares ao cinema com o mesmo potencial de ser ignorado na manhã seguinte.



quarta-feira, 25 de junho de 2014

Proseando sobre... A Culpa é das Estrelas

Honestamente não penso que o filme faça de tudo para nos emocionarmos. Como se quisessem vender uma ocasião vislumbrando um sofrimento que escolhemos passar a partir do momento que lemos a sinopse e seguimos para a sessão. Longe disso. Não faltam exemplos na história do cinema com tal pretensão. Não é o caso de A Culpa é das Estrelas, filme inspirado no best seller do escritor John Green. Há elementos fundamentais que evocam o pranto e contribuem naturalmente para o despertar da emotividade em diferentes níveis. Aos detratores, parecem motivados pela ira da provável mesmice que encontraram ou que julgaram que encontrariam antes mesmo de sentar na sala de cinema; aos que gostaram, que criticamente ou não avaliaram a obra como um romance sensível, permitiram-se vivenciar a emoção proposta, algo que funciona. Algo que naturalmente funciona.

Funciona por perspectivas reais. Todos tem ciência sobre o quão sério uma doença como o câncer pode ser. Ainda está no imaginário popular a periculosidade dela, como o anúncio de uma sentença de morte, uma condenação! O filme não se trata disso, obviamente, mas é o contexto. O filme trata de um possível romance de alguém cujo ideal de um futuro feliz fora estremecido quando descobriu que tinha uma doença terminal. O tempo tornou-se ouro. Para dimensionar a sensação, os protagonistas são demasiadamente jovens sofrendo juntos, se apegando ao que tem por mais um dia o qual o sol nasce lhes permitindo aproveitar o tempo que lhes restam. Isso já é motivo para emocionar uma vez que a empatia é instantânea. Nos projetamos!

E o câncer é um assunto inesgotável. Não faz muito tempo que rimos com o despudorado 50% (50/50, 2011) ou com o comovente A Guerra Está Declarada (La Guerre est declarée, 2011). Há tantos outros. O fato é que muitos acreditaram que topariam com uma bobagem do nível de Um Amor para Recordar (Walk to Remember, A, 2002) – esse que possui fãs muito mais pelas situações propostas na narração do que pelo filme. Talvez A Culpa é das Estrelas esteja mais próxima do ótimo Inquietos (Restless, 2011). Aqui dois jovens, Hazel e Augustus, se cruzam num grupo de apoio a pacientes com câncer. Interagem, brincam, se apaixonam como qualquer casal adolescente que cria expectativas no outro e se diverte. No caso, há algo a mais que compartilham, a possibilidade do futuro explode em suas cabeças bagunçando-os de incertezas, tão caoticamente como as estrelas no céu. Ainda assim, o conforto vem do afago de todos em sua volta, algo que a câmera do diretor Josh Boone consegue compreender burocraticamente. Há ainda uma busca por respostas vinculada a presença de um escritor na Holanda (esse é vivido por Willem Dafoe). Os motivos de uma repentina viagem acaba similar a conclusão escolhida tanto no livro quanto no filme. Um pequeno símbolo do vindouro oculto.

É definitivamente um filme muito pouco inventivo, não traz muito de novo. Mas traz o essencial romântico de uma boa história honesta e verdadeiramente cativante. É verdade que o mérito reside em Shailene Woodley, atriz que vive Hazel. A menina impressiona, nos mantém ligados e preocupados frente a sua condição. Seus gestos, sua leveza, sua dicção garantiu uma das interpretações mais singelas e críveis do ano até então. A situação da doença felizmente não é romantizada, é naturalizada. Um desafio conquistado com pouca densidade. Uma pena ver uma armadilha usual repetida que tira a força em seus minutos finais quando o uso de um flashback evocativo visa – dessa vez sim – um acréscimo de emoção. Essa deixa de ser natural pelo que o filme havia construído até ali. E percebam, a vida não é um lamento, mas uma celebração.  Simples, o longa emociona, é OK.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Proseando sobre... Malévola

Na onda de readaptações ou readequações de contos de fadas – essa tão explorada nova mania hollywoodiana –, Malévola surgiu para sanar a curiosidade do público que manteve até seu lançamento uma expectativa imensurável a cerca da história desta vilã tão aclamada. Nessa onda mencionada constam Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010), Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman, 2012), Oz: Mágico e Poderoso (Oz: The Great and Powerful, 2013), Jack - O Caçador de Gigantes (Jack the Giant Slayer, 2013) e o horrendo João e Maria: Caçadores de Bruxas (Hansel and Gretel: Witch Hunters, 2013). Há um universo belo e mágico com um teor sombrio usual investido nessa narrativa frágil. Juntamente a competentes efeitos e menções honrosas ao clássico, o filme contrasta a história original. E assusta o quanto se revela piegas e pouco inventivo diante um universo de possibilidades fantásticas. Felizmente resta ao filme o carisma de Angelina Jolie. Se não fosse por isso, pouca coisa sobraria.

O diretor estreante Robert Stromberg, um profundo conhecedor de efeitos visuais – são dele os efeitos de O Labirinto do Fauno (Laberinto del Fauno, El, 2006), Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (Pirates of the Caribbean: At World's End, 2007) e As Aventuras de Pi (Life of Pi, 2012) –, retoma um clássico e pressupõe uma releitura. O conto A Bela Adormecida ganha novos adornos, um viés mais rebuscado, sombrio e aventureiro a partir daquela que jogou a maldição do sono eterno sobre a bela princesa Aurora. O roteiro explora profundamente os motivos pelos quais Malévola tomou decisões que lhe fizeram, dentro do imaginário popular, uma vilã. Conhecemos aspectos de sua história, sua doçura, seu respeito com a natureza e a posição de cada um dentro dela, sua brandura e seu amor. Esse último converteu-se em seu tormento. O brilho bucólico dos campos e jardins ganharam sombras quando o símbolo de seu eu fora mutilado.

Tal interpretação implicou em mudanças consideráveis, o que não é nenhum problema. A arte do cinema dá margens para tais modificações. O próprio conto original alterou-se comparado a versão da Disney lá de 1959. Aqui são várias alterações, algumas de enorme relevância e outras triviais. Obviamente, a história se modela a partir de uma protagonista alternativa, vivida com entusiasmo por Angelina Jolie. É sobre ela que o roteiro se debruça, ignorando outras ações. É impossível não notar a desconsideração com outros personagens, o sabotamento das 3 fadas que cuidam de Aurora quando ela simplesmente desaparece passando muito tempo com quem lhe amaldiçoou; ou com relação ao sono profundo, o grande vilão dessa história, que não tem magnitude quando finalmente acontece. São aspectos simples ignorados que cortam as asas do filme impedindo-o de alçar vôos que acrescentariam ou engrandeceriam a obra.

É pura verdade que é um prazer assistir o filme. Seu visual plástico encanta e empolga, o som e a trilha seguem o mesmo ritmo fortalecendo a experiência de acompanhar a história e descobrir os motivos pelos quais Malévola abandonou aquele ímpeto jovial e sonhador do início. Essa é uma sacada que garante a afeição do público, juntamente outros recursos com personagens e gags que transformam aquele reinado abarrotado de tantas tensões em possível captador de singelos momentos de humor. Nada é gratuito, o investimento seguiu a fórmula mais carimbada do estúdio, o que costuma dar certo sem ousadias, até que chega seu ato final e uma novidade é alcançada com certo louvor. Mas quem não previu que pudesse ser como foi já no início da segunda metade do filme?

O que assistimos é, definitivamente, um estupor visual dos mais significativos sobre uma potencial história desperdiçada. Um ode aos papeis femininos os quais a Disney vem ressaltando com bastante força. Travestido de conto de fadas convencional, esse emerge das sombras criativas, mas não dá mais do que alguns suspiros. O ótimo Sharlto Copley vive um Rei Stefan caricatural, enquanto Elle Fanning sorri em demasia com sua cândida Aurora. Angelina Jolie tem alguns grandes momentos, muito mais pelo carisma do que por uma interpretação absolutamente marcante. Viver Malévola deve ter sido um deleite para a atriz. É interessante vê-la encarnar alguém que zelou dedicadamente pelo outro como uma mãe que não teve a oportunidade de conceber um filho, ao contrário de sua vida pessoal admirável. Fica até alguma lição sobre formas de amor, sem normas e sem máculas, inevitáveis e precisas diante condições essencialmente humanas que longe dos contos de fadas compartilhamos.

Texto originalmente publicado em http://cineplayers.com/critica/malevola/2862


sexta-feira, 30 de maio de 2014

Proseando sobre... X-Men: Dias de um Futuro Esquecido



A franquia X-Men é uma das mais bem sucedidas do cinema. Com essa sequência, Dias de um futuro esquecido, passado e presente se misturam como forma de alterar os rumos da história e garantir um futuro melhor para os mutantes. Os sentinelas estão dizimando todos os mutantes devido a um assassinato no passado. Para mudar isso, um dos mais saudosos personagens é enviado para a década de 70 a fim de alterar alguns rumos. As conseqüências são brutais, o filme ascende em questionamentos que ultrapassam a ficção das HQ’s e transcende oposições clássicas, unindo inimigos em benefício de um bem em comum. Mas as ideologias seguem como interferência. 

O passado e presente dos filmes aparecem em cena. Personagens da trilogia passada juntamente as suas versões mais jovens dividem a tela, empolgando seus mais fieis fãs. Após o fracasso do terceiro filme, X-Men: O Confronto Final (X-men: The Last Stand, 2006), a franquia levou um tempo para ser revisitada. No meio rolou o horrendo X-Men Origens: Wolverine (X-Men Origins: Wolverine, 2009) manchando a reputação do mais querido dos mutantes. Vale ressaltar que, felizmente, Hugh Jackman permaneceu inabalável. Aí veio X-Men: Primeira Classe (X-Men: First Class, 2011), esse sim um feliz sucesso, o mais plausível e convincente dos longas. Surgiu Wolverine - Imortal (Wolverine, The, 2013) e agora esse Dias de um Futuro Esquecido provando o quanto esse universo é promissor.

Sem deter a complexidade que se supunha a partir de sua difícil temática, essa obra do duvidoso diretor Bryan Singer vem buscar um novo norte, tentando amarrar as pontas soltas dos roteiros anteriores, influindo na cronologia. Toda a confusão então despenca, outros valores emergem e a trama se acentua sem óbvias conclusões. Ela é inteiramente carregada pelos ótimos personagens, não há outro interesse narrativo senão acompanhar a saga temporal dessa batalha contra o que é o maior adversário humano: o tempo. Aqui com o que se fez dele. 

A técnica compreende vários lances narrativos auxiliados pelos efeitos visuais e de som. É um filme limpo e equilibrado. As cenas de ação não são masturbatórias como a maioria dos filmes do gênero – da própria Marvel, aliás. Dá pra listar! Elas tem razão para ser, apesar da megalomania de algumas, como a cena do estádio onde Magneto causa um belo estrago. Os bons atores contribuem muito para o sucesso. Michael Fassbender, Ian McKellen e Jennifer Lawrence roubam a cena juntamente a Jackman que aqui assume o protagonismo. 


Como grande trunfo, esse quinto filme se reinventa e abre portas para novos caminhos. Se é fiel a obra original ou não já não importa, o que se fazer com as conquistas de até então é o grande desafio de seus realizadores já que o sexto filme provavelmente será a colheita de uma semente plantada há mais de uma década. E o melhor de tudo, conseguiram manter a essência mais significativa: tratar do preconceito, da relação com o diferente. Preconceito e intolerância, defeitos humanos imensuráveis. Quanto ao filme, chega-se a conclusão após tantas batalhas – tanto nesse universo do X-Men quanto em outros que buscaram de alguma forma mudar o passado visando um outro futuro – que viagens no tempo seguirá como um forte argumento durante muito tempo. Para os mutantes, ao que parece, o felizes para sempre não existe. Igualmente com os humanos.





terça-feira, 27 de maio de 2014

Proseando sobre... Godzilla

O lagartão mais famoso do cinema está de volta fazendo um estrondoso sucesso de público. Com os aparatos tecnológicos atuais, obviamente não demoraria muito para o Godzilla ganhar uma nova versão. Essa é fantástica comparada especialmente ao fiasco daquele longa desastroso dirigido por Roland Emmerich em 1998. Esse tem um bom elenco por trás, uma história mais amarrada, misturando o fundamento clássico de sua criação com outros aspectos ambientais relativos a evolução, seleção natural e cadeia alimentar. É um regozijo aos filmes catástrofes com destruições colossais compreendendo maremotos, terremotos, explosões e devastações de algumas cidades do globo. É o típico cinemão que perde o fôlego por escolhas que são bastante equivocadas.  

O longa se dá ao luxo de ter no elenco nomes como Bryan Cranston e Juliette Binoche, além da jovem talentosíssima Elizabeth Olsen, mas se concentra no personagem vivido por Aaron Taylor-Johnson que não dá conta de segurar o filme inteiro, sabotando até mesmo a presença do personagem título que vai aparecer após um longo tempo. Coadjuvante do próprio filme, Godzilla tem seu imenso potencial de aniquilação cinematográfico arruinado. A obra poderia ser muito melhor narrativamente do que bobagens como Transformers ou até mesmo o bom Círculo de Fogo (Pacific Rim, 2013) do Del Toro, no entanto ficou presa ao roteiro capenga e desnecessariamente emotivo. As razões das investidas emocionais da história é uma clara busca da atenção de um público que talvez não compraria a ideia de monstros descomunais destrutivos.

Além disso, a falta de senso espacial é um problemão. Não dá pra ignorar as condições físicas dos meros humanos que aparecem como super-homens, enfrentando situações extremas e atravessando quilômetros em minutos. O diretor Gareth Edwards parece perder o fio lógico com esse tropeço, garantindo unicamente uma experiência interessante com o cenário e os efeitos especiais, juntamente a elaboração de seus monstros magnânimos remetendo aos clássicos. Godzilla e os MUTOs (Massive Unidentified Terrestrial Organism) tem um desenho esplêndido. Assistimos uma homenagem bastante coerente e merecida a um dos monstros mais louváveis da história. Assisti-lo em 3D só melhora a experiência da situação cinema, embora não acrescente nada à narrativa.

Algo novo e desconhecido está surgindo. Algo se alimenta de energia nuclear. Pouco sólido, o roteiro visa a premissa do que nos é desconhecido, ocultando os monstrengos, dando indícios do que são e o que são capazes de fazer. Para isso salta no tempo, com um considerado acidente em uma usina e as conseqüências deste na vida de uma família americana residente no Japão. A obsessão por verdades e a gana pela ciência movimenta 40 minutos de discussões e constatações científicas, exprimindo a falta de diálogo de empresas com a população carente de verdades. É um retrato social condizente às distintas especulações e conspirações humanas. Com uma hora de filme, o que resta é o caos com a expectativa de sobrevivência reduzida a nada até que um herói se exalta e surpreende.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Proseando sobre... Noé


 Um dos mais populares mitos bíblicos ganhou uma versão para o cinema. O responsável pelo feito foi Darren Aronofsky, diretor de tantas grandes obras como Pi, Réquiem para um Sonho e Cisne Negro. Muitos questionaram a escolha do diretor, pensavam quais eram suas intenções por trás de tal adaptação potencialmente polêmica. Declaradamente ateu, Aronofsky transformou a história numa grande metáfora ambiental como razão pelas quais o Criador provocou um genocídio colossal impiedosamente. É bem filmado, realizado, detém uma estrutura linear objetiva e lança apontamentos do retrato narrativo com a contemporaneidade, encontrando similaridades caóticas com relação ao que o homem vem aprontando com a natureza.

É um épico bíblico megalômano, com toda a perfumaria e atrativos visuais de grandes produções recentes. Não está tão distante de alguns clássicos baseados em outros mitos bíblicos como Os Dez Mandamentos de Cecil B. DeMille, esse lá dos anos 50. O fato é que esse gênero, se é que possamos chamar assim, foi resgatado de uma maneira ousada, mas não surpreendente dado seus envolvidos. Também é fato que a história fora castrada, seria ainda mais ousada e certamente polêmica. Uma cena de sexo quase pintou em cena, infelizmente economizada, ou melhor, posta como sugestão para os não reprimidos. Mas está ali, velada, vivenciada pela surpreendente Emma Watson.

Quem vive Noé é o talentoso Russell Crowe que há algum tempo não emplaca uma grande atuação em um grande filme. Crowe imprime uma violência aterradora ao protagonista, munindo-o de ambição diante a ordem que recebera das alturas. Seu propósito se converte em obsessão. Obsessões são comuns na filmografia do diretor. Percebemos logo no início do filme a relação desse personagem com a natureza, com os animais e plantas, respeito herdado do pai assassinado. Essa preocupação do roteiro em explorar o âmbito ambiental é certeiro, mas está estranhamente disposto em cena: alguns atos são cafonas e pedantes, sacrificados pelo didatismo. No elenco também estão Jennifer Connelly que volta a trabalhar com o diretor; e Anthony Hopkins como Matusalém que mais parece o Mestre dos Magos.  

Boas e agitadas cenas temperam o filme de uma maneira possível de agradar distintos públicos, pois se configura num ilustre longa de ação dos mais agitados, com direito a monstros de pedra e pancadaria. É um autêntico filme-catástrofe. A existência de um vilão personificado impõe alternativas de embates quando, numa percepção mais profunda a cerca da proposta da história exibida, o  antagonista é o próprio Criador. Tecnicamente competente, os efeitos visuais empolgam, uma de suas melhores cenas é puramente digital quando faz referência ao evolucionismo, atravessamos num único plano anos com animais numa vereda seguindo em frente para um futuro incerto, embora ensolarado.

Insistindo no âmbito de relações onde um indivíduo é desafiado por circunstâncias – tal como o matemático em Pi, a bailarina em Cisne Negro, os dependentes em Réquiem para um Sonho e o combatente em O Lutador –, Darren Aronofsky dá sua interpretação e estabelece uma conflagração. A violência explode em cena de maneira natural. É inevitável, a Bíblia não nega a crueldade em várias de suas passagens. Nem vale fazer uma designação religiosa em cima do que o filme propõe, a arte é superior aos dogmas. Algumas críticas recaem sobre a autenticidade com relação ao original. Noé tem a função de entreter e questionar o ser humano, não a fé, portanto, os demasiados crédulos precisam entender que o filme não precisa – deve - ser absolutamente fiel as escrituras. Adaptações são assim. Obras similares a Biblia como O Senhor dos Anéis e O Hobbit também não foram.