Na onda de readaptações ou readequações de contos de fadas – essa tão explorada nova mania hollywoodiana –, Malévola
surgiu para sanar a curiosidade do público que manteve até seu
lançamento uma expectativa imensurável a cerca da história desta vilã
tão aclamada. Nessa onda mencionada constam Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010), Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman, 2012), Oz: Mágico e Poderoso (Oz: The Great and Powerful, 2013), Jack - O Caçador de Gigantes (Jack the Giant Slayer, 2013) e o horrendo João e Maria: Caçadores de Bruxas (Hansel and Gretel: Witch Hunters,
2013). Há um universo belo e mágico com um teor sombrio usual investido
nessa narrativa frágil. Juntamente a competentes efeitos e menções
honrosas ao clássico, o filme contrasta a história original. E assusta o
quanto se revela piegas e pouco inventivo diante um universo de
possibilidades fantásticas. Felizmente resta ao filme o carisma de
Angelina Jolie. Se não fosse por isso, pouca coisa sobraria.
O diretor estreante Robert Stromberg, um profundo conhecedor de efeitos visuais – são dele os efeitos de O Labirinto do Fauno (Laberinto del Fauno, El, 2006), Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (Pirates of the Caribbean: At World's End, 2007) e As Aventuras de Pi (Life of Pi, 2012) –, retoma um clássico e pressupõe uma releitura. O conto A Bela Adormecida
ganha novos adornos, um viés mais rebuscado, sombrio e aventureiro a
partir daquela que jogou a maldição do sono eterno sobre a bela princesa
Aurora. O roteiro explora profundamente os motivos pelos quais Malévola
tomou decisões que lhe fizeram, dentro do imaginário popular, uma vilã.
Conhecemos aspectos de sua história, sua doçura, seu respeito com a
natureza e a posição de cada um dentro dela, sua brandura e seu amor.
Esse último converteu-se em seu tormento. O brilho bucólico dos campos e
jardins ganharam sombras quando o símbolo de seu eu fora mutilado.
Tal interpretação implicou em mudanças consideráveis,
o que não é nenhum problema. A arte do cinema dá margens para tais
modificações. O próprio conto original alterou-se comparado a versão da
Disney lá de 1959. Aqui são várias alterações, algumas de enorme
relevância e outras triviais. Obviamente, a história se modela a partir
de uma protagonista alternativa, vivida com entusiasmo por Angelina
Jolie. É sobre ela que o roteiro se debruça, ignorando outras ações. É
impossível não notar a desconsideração com outros personagens, o
sabotamento das 3 fadas que cuidam de Aurora quando ela simplesmente
desaparece passando muito tempo com quem lhe amaldiçoou; ou com relação
ao sono profundo, o grande vilão dessa história, que não tem magnitude
quando finalmente acontece. São aspectos simples ignorados que cortam as
asas do filme impedindo-o de alçar vôos que acrescentariam ou
engrandeceriam a obra.
É pura verdade que é um prazer assistir o filme. Seu
visual plástico encanta e empolga, o som e a trilha seguem o mesmo ritmo
fortalecendo a experiência de acompanhar a história e descobrir os
motivos pelos quais Malévola abandonou aquele ímpeto jovial e sonhador
do início. Essa é uma sacada que garante a afeição do público,
juntamente outros recursos com personagens e gags que transformam aquele
reinado abarrotado de tantas tensões em possível captador de singelos
momentos de humor. Nada é gratuito, o investimento seguiu a fórmula mais
carimbada do estúdio, o que costuma dar certo sem ousadias, até que
chega seu ato final e uma novidade é alcançada com certo louvor. Mas
quem não previu que pudesse ser como foi já no início da segunda metade
do filme?
O que assistimos é, definitivamente, um estupor
visual dos mais significativos sobre uma potencial história
desperdiçada. Um ode aos papeis femininos os quais a Disney vem
ressaltando com bastante força. Travestido de conto de fadas
convencional, esse emerge das sombras criativas, mas não dá mais do que
alguns suspiros. O ótimo Sharlto Copley vive um Rei Stefan caricatural,
enquanto Elle Fanning sorri em demasia com sua cândida Aurora. Angelina
Jolie tem alguns grandes momentos, muito mais pelo carisma do que por
uma interpretação absolutamente marcante. Viver Malévola deve ter sido
um deleite para a atriz. É interessante vê-la encarnar alguém que zelou
dedicadamente pelo outro como uma mãe que não teve a oportunidade de
conceber um filho, ao contrário de sua vida pessoal admirável. Fica até
alguma lição sobre formas de amor, sem normas e sem máculas, inevitáveis
e precisas diante condições essencialmente humanas que longe dos contos
de fadas compartilhamos.
Texto originalmente publicado em http://cineplayers.com/critica/malevola/2862
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