terça-feira, 27 de novembro de 2012

Proseando sobre... E Agora, Aonde Vamos?

O trajeto leva a um cemitério e dezenas de mulheres seguem esse rumo para prestar homenagem aos entes enterrados, vítimas da guerra. Muitas são viúvas, outras perderam filhos e não conseguem compreender o que significa aquele conflito que tira a vida de tantos. No fim, todos perdem. O novo trabalho da ótima cineasta Nadine Labaki vem explanar um pouco dessa cultura com um tom crítico que fala de uma pequena aldeia no Líbano, onde convivem cristãos e mulçumanos, buscando harmonia num pequeno espaço sem saber dos embates em volta no Oriente Médio através dos quais a guerra está explodindo. As mulheres, então, procuram boicotar todos os tipos de informações para que essas não inflamem a discórdia. No lugar dos amores, elas querem enterrar a ignorância de povos que se devastam em nome da fé.

Nadine Labaki é um dos grandes nomes femininos no cinema recente. Ela não fez nenhuma obra espetacular, trabalhou pouco como produtora, diretora, roteirista e atriz, concebendo 2 longas metragens: Caramelo (Sukkar Banat, 2007) e esse E Agora, Aonde Vamos? (Et Maintenant On Va Ou?, 2011). Em ambos ela demonstra facilidade em contar histórias, apresentando a cultura de seu povo e tecendo críticas bem centradas sobre o papel da mulher nesse contexto e as guerras que assolam populações. Habilidosa, a diretora ainda trabalha com alguns artifícios narrativos que acrescentam esteticamente, como algumas canções e coreografias.

Com um olhar substancialmente imparcial, a diretora discorre elementos do cristianismo e do islamismo, enaltecendo diferenças – que não são tão distantes essencialmente – e diagnosticado os entraves através de inconveniências que os afastam. As crenças propriamente ditas. Se alguém ordena guerra em nome da fé, que seja feito. Não há uma discussão ou reflexão sobre os atos, há uma dissonância forte o bastante para impedir a coexistência. O futuro então parece condenado. Essa ótica está enraizada no povo, como algo comum e necessário. O encorajamento vem de cima, de ordens superiores. Daí se desenrolam atribuições e polêmicas.

Cercada por minas, a pequena aldeia onde a história acontece não tem televisão – exceto uma em praça pública – ou rádio para acompanhar o que acontece com o mundo. Qualquer informação veiculada, as divergências logo são sabotadas pelas mulheres que fazem de tudo para impedir alvoroços. Aquém do resto do país, distanciados da tecnologia, abarcam seus costumes num marasmo quase primitivo, embora tenham um ideal social bem definido, apesar da estremecida relação. Transitando por ali está Nadine Labaki vivendo Amale, uma das que estão em defesa da boa convivência e respeito. Mas há muita pouca coisa para essas mulheres fazerem quando o sectarismo incendeia.        

Ilustrado com a beleza tradicional daquela terra e banhado pelos costumes e tradições religiosas, o filme é bem capturado pela boa fotografia que exalta o sol abrigando esse povo, cada vez mais inseguro. Este ainda se levanta. E como o clima já é suficientemente pesado por seu significante, a diretora aposta na comédia e busca explicitar amenamente os ocorridos, demonstrando com avidez o quão infeliz são alguns subjugados pelo modelo lógico da crença, no profundo pesar da memória daqueles que se vão a troco de nada. O orgulho é representativo, tal como a estupidez. Labaki arrebata isso. 

* Crítica originalmente publicada em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2548 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Proseando sobre... A Saga Crepúsculo: Amanhecer - O Final

Chega ao fim uma franquia rentável que causou polêmica, expurgou lágrimas de fãs e foi duramente criticada nos últimos anos pela nova mitologia sobre vampiros criada pela escritora Stephenie Meyer. Muita coisa mudou desde o lançamento de Crepúsculo (Twilight, 2008): tecnicamente a saga cresceu, fundamentalmente também, ainda que pouco, e nessa segunda parte de Amanhecer atingiu sua maturidade – narrativa e também sexual. Algo curioso, pensando no universo dos sanguessugas. Entre todos os outros, esse também é o que mais tem algo a dizer, ao contrário do vazio efêmero anteriormente dominante. Os personagens não mudaram tanto, quero dizer, de sentido. Há outras maturações importantes, como a sofrida por sua protagonista, Bella Swan, que agora é uma vampira.

Seu início, a partir dos créditos, parece nos lançar ao final dos anos 80, em algum filme do Jason ou do brinquedo assassino Chuck. O organismo de Bella (Kristen Stewart) está mudando, seu corpo mortal se converte num de vampiro com toda sua glória: imortal, beleza conservada, força e velocidade, sentidos apurados e sede quase incontrolável por prazeres carnais. Com tudo isso vem um problema: o desejo por sangue. Isso já é um argumento para se explorar, o início do filme até busca isso, porém logo abandona, abafa, simplesmente procurando fazer o espectador engolir uma desculpa qualquer para a adaptação breve de Bella. Insinuações amorosas, portanto, são retomadas. Entre essas, as falácias românticas com Edward Cullen (Robert Pattinson) e o conceito de imprinting de Jacob (Taylor Lautner) pela filha do casal vampiro, a pequena Renesmee (Mackenzie Foy). A criança cresce impressionantemente, algo que vitimou a personagem de Stewart quando essa a carregava no ventre.

Bill Condon retoma a direção. Ele dispõe de closes, abarca uma narrativa dinâmica e constitui cenas que fariam Paul W.S. Anderson ou Zac Snyder espreitar com deboche, além de investir virtuosamente em humor, com predisposição a gags, como na cena em que Jacob busca explicar algo para o pai da protagonista, o policial Charlie (Billy Burke). Ele ainda reveste o filme com violência sem tanto sangue por motivos óbvios, mas suficiente para chamar a atenção, afinal, nos lembramos do público o qual o filme é direcionado e questionamos a censura. Logo a dúvida passa. O pica-pau, por exemplo, faz coisas piores. Em cena, sobram tomadas que buscam um visual bonito, especialmente quando relacionado ao romance do casal. Apenas consegue ser kitsch. E quanto à cena de sexo, esta é terrivelmente elaborada e inspirada. Uma das piores representando vampiros transando. 

Nesse filme de atores – a importância de Pattinson, Stewart e o quase incapaz de se expressar Lautner parece ser maior que seus rasos personagens –, a narrativa tem pouca relevância. É um longa dedicado aos fãs, e cumpre isso bem. Desconheço completamente o que a obra literária traz, mas o roteiro de Melissa Rosenberg parece não acreditar no poder de discernimento e atenção de seu público. Quer explicar tudo, não conseguindo trabalhar com sugestões, iludindo com bonita fotografia, boa trilha e esclarecimentos de detalhes. Em certo momento, Edward diz que subestimou Bella, que não acreditava que ela passaria ilesa por tudo. Tal indagação pode se aplicar aos espectadores, já que os realizadores do filme o subestimam o tempo inteiro, todavia passar pela experiência de assistir e compreender é fácil. O custo é saber que há coisas melhores em cartaz e nem todas entram no circuito comercial de várias cidades. 

Alguns vampiros, já que não há outro nome para defini-los – afinal, fadas virou clichê e batido – tem poderes especiais, nomeados como dons, se aproximando da idéia de X-men. Tem até recrutamento, como o professor Xavier realiza, com o intuito de reunir testemunhas que possam provar que a menina Renesmee é filha de Bella e Edward, e não uma criança transformada, algo que é considerado um crime. O rápido crescimento da garota é feito em computação gráfica, constrangedor. Há outros efeitos especiais, como uma corrida na floresta que é particularmente risível.

Uma série de acontecimentos, engajamentos e discussões finalmente nos leva ao ato final. Esse sim é empolgante, não pela composição, já que é usual, porém pela ousadia e criatividade. É preciso reconhecer. A beleza plástica desse ato, uma batalha num solo frio é de notável arrojo técnico, com a violência preponderando entre vampiros e lobisomens, frente aos Volturi liderados por Aro (Michael Sheen, o melhor em cena, claramente se divertindo com seu papel) vindo dizimar a família Cullen graças a um mal entendido, o qual seria ridículo lembrar aqui. Dakota Fanning novamente dá as caras, sem muito a dizer, a não ser um quase inaudível “pain”. Esse ato bem realizado poderia fechar a franquia com dignidade e surpresa positiva, só que não. Nova reviravolta e... volta a ser a saga Crepúsculo. Felizmente está terminada.

* Crítica originalmente publicada em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2547

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Proseando sobre... Shameless

 
Com potencial para causar polêmicas, o polonês Shameless (Bez wstydu, 2012) suga dois pontos muito abrangentes pra contar sua afável história de amor: o primeiro é o neonazismo, com um grupo de jovens carregando a ideologia e praticando seus costumes com violência e caracterização; o segundo é relativo ao incesto, escancarado e não como sugestão como em tantos outros filmes, o que dá margem para muita reflexão sobre razões e negações sociais dentro de uma ótica cultural mundial. Nesse filme dirigido por Filip Marczewski, a rivalidade em distintos âmbitos parece dar forma a narrativa, colocando grupos, crenças e amantes frente a frente, centrando no jovem Tadek (Mateusz Kosciukiewicz) que fora morar com a irmã e encontrou decepcionado o namorado da garota, a quem declarou oposição.   

Para contar a história, o diretor decidiu fazer uso da câmera a partir do ângulo de visão do rapaz, sempre buscando seu olhar e o que ele vê, como um voyeur admirando a irmã em casa. Às vezes ela usa roupas curtas, em outro momento está dormindo ou tomando banho, e há outros em que ela se despe e a porta fica semi-aberta. Com um viés erótico, Marczewski investe na libidinagem da mulher, constituindo uma espécie de atração confundida com interesse. Tadek olha, disfarça, olha novamente, vira os olhos como se pensasse que isto não está certo e novamente observa se entregando, irrompendo com seu vislumbre cobiçoso. Ela, Anka (Agnieszka Grochowska), por outro lado, se esquiva, talvez como defesa por suas representações internas, ainda sem compreender as intenções do irmão. 

A ternura por parte da garota frente ao anseio de Tadek é bem narrada, administrada por uma pulsão de reciprocidade, algo veiculado ao passado de ambos. Quem é protegido, é amado. Sedutora conscientemente e inconscientemente, encara o tabu com surpreendente naturalidade. Passamos a compreender melhor essa íntima relação quando acessamos através de fotos e diálogos evocativos suas infâncias e proximidades. O aspecto de criação é exaltado economicamente, com amarras simbólicas concernentes ao “não deve fazer” ou ao “não é certo fazer”. A questão sucumbe ao desejo e libera-se o fervor sem culpa. Um sorvete de pistache aparece como símbolo afetivo da infância entre os irmãos. Vale a sugestão: Hemel (idem, 2012), também exibido na mostra, trata do incesto numa ótica diferente.

Paralelamente à história dos irmãos, um grupo neonazista que tem como componente o namorado de Anka está sempre perseguindo os comunistas e ciganos, questionando a todos e dominando a cidade politicamente. Tadek vai contra tais princípios, ficando ainda mais arredio quando conhece a bela Irmina (Anna Próchniak), uma jovem cigana que viu o rapaz chegar na cidade após este saltar de um trem, e subitamente se interessou afirmando fantasiosamente que ainda ficariam juntos. Sua diligência e delicadeza traz outro questionamento ao rapaz que se atrai pelos encantos e costumes da moça, embora sem a mesma gana febril que tem pela irmã. Os interesses de Irmina também são outros: ela quer um lugar fixo e estudar, se tornar médica, sonho visto com deboche pelos familiares e outros pretendentes. Eis um outro embate proposto na narrativa. 

Sensual, sobretudo pela presença de Agnieszka Grochowska que petrifica os homens, Shameless é essencialmente um longa que trata do vazio a partir da volúpia e luxúria. Também exalta o desejo, pelo outro ou pelo que será feito do futuro, como possibilidade de envolvimento emocional e social numa sociedade que convive com misérias. E tantas vidas correntes nesse universo, tantas culturas ideológicas que se chocam e a psicologia de seu povo formam na pequena redoma onde a história é contextualizada um estremecido convívio, cujos interesses políticos erradicam o poder financeiro da nação. Poucos investimentos são feitos pelo governo em determinados lugares. Quem o faz, ganha a atenção entre os habitantes. Sem grandes aprofundamentos nesse caso, pode-se compreender o longa como um breve filme-denúncia sobre o fascismo ainda presente e com certo vigor. O insucesso dos menores que clamam por oportunidades e se entregam ao prazer, vendidos por qualquer coisa e para todos.
 
* Crítica publicada originalmente em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2543


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Proseando sobre... Não Quero Dormir Sozinha

 
Duas gerações se chocam pela necessidade. Avó e neta se encontram num momento bastante delicado, quando a matriarca já não possui boa saúde, sofrendo de Alzheimer. É a jovem quem se encarrega de cuidar dela, sofrer juntamente e passar pelos apuros que a doença degenerativa traz. As duas não tem lá muita intimidade, aliás, as relações familiares de Amanda (Mariana Gajá), a protagonista cuidadora, são remotas, com um pai cineasta ausente que financia o hospital da mãe e alguns gastos pessoais da filha. O distanciamento é evidente. É sobre isso que o filme busca tratar: a superação do afastamento, a reaproximação de quem sempre se manteve longe. Exibido na 36ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo, Não quero dormir sozinha é um drama sobre a solidão, o primeiro trabalho de Natalia Beristain, selecionado para o Festival de Cinema de Veneza.

Uma ex-atriz do cinema passou, envelheceu e fora esquecida, numa ótica semelhante a de Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), porém sem a magnificência de Wilder. Dolores (Gabriela Roel) está sozinha, repetindo coisas e com a memória a curto prazo comprometida. A solução é ser internada numa clínica, algo visto com desprezo pela neta que se voluntaria a cuidar da senhora. Mas a dificuldade em lidar com tal sensação inflama quando descobre que sua avó é usuária de álcool e encontra na bebida um bom sono que não alcança quando lúcida. Acompanhar a progressão dessa história é um deleite. De maneira branda, a narrativa perpassa algumas dificuldades dessa vivência, associando-se a A Família Savage (The Savages, 2007) de Tamara Jenkins ou Longe Dela (Away From Her, 2006) da canadense Sarah Polley e sua ternura.

A ação do tempo é tratada com zelo e delicadeza pela diretora, e isso ainda é fortalecido pela boa atuação das protagonistas, a veterana Gabriela Roel e Mariana Gajá. As duas, em certo instante, ficam nuas num vestiário, e contemplamos a diferença dos corpos. Enquanto constatamos a nudez de Amanda em frente o espelho, com o corpo jovem e formoso, logo notamos a chegada de sua avó, reverenciando a neta com saudade dos anos em que dispôs de beleza semelhante. Durante um banho, Natalia Beristain investe em seqüenciais planos detalhes, contrapondo ambas.

O protagonismo é de Amanda, que não consegue passar as noites sem companhia, sempre buscando alguém para dividir a cama. Homens passam por ali diariamente, vivenciando a solidão da garota de olhar triste. Carente de afeto, algo que aparentemente, segundo sugestões do roteiro, não obteve quando criança, ela busca independência negando qualquer tipo de ajuda ou auxílio paterno. De outro lado sua avó, solitária, representa o velho contemporâneo, às vezes esquecido, segregado e injustiçado.

Alguns filmes estão voltando a atenção para a fase da terceira idade. A diretora procura ressaltar com certa poesia o inevitável em vida, a busca pela aceitação do tempo que condenará a beleza e talvez a mente. Não importa a cultura, dramas semelhantes são observados por todos diariamente, especialmente por aqueles que convivem com pessoas mais velhas. O aumento da expectativa de vida obriga o interesse e olhares atentos para a saúde de modo geral nesta fase, algo que criticamente a diretora procura relevar. Daí o filme se converte num relato amargurado sobre o assunto, tratado com intimidade e certo pesar por Natalia Beristain. O que resta para Dolores é a glória de outrora, e para Amanda, uma boa razão para sua existência, até então inanimada, e finalmente garantir alguma boa recordação para o futuro.

* Crítica originalmente publicada em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2542


sábado, 10 de novembro de 2012

Proseando sobre... Selvagens



É bom rever Oliver Stone voltando a trabalhar com uma temática que fora seu apogeu, o cara nasceu para isso. Claro que pensando nesse seu novo trabalho, “Selvagens”, nos recordamos quase que imediatamente de “Assassinos por Natureza”, sem a gráfica e estilo. Estão presentes outros atributos significativos: a brutalidade e o sexo. Soma-se a eles o tráfico de drogas e consumo. Alguns podem desgostar desses maus exemplos – o moralismo vira a cara –, é natural que o façam, mas são neles que residem o estupor da direção de Stone, enérgica e despudorada, contando apenas mais uma história de amor e violência em cenário paradisíaco, com personagens esbeltos envolvidos com criminosos. As cores quentes em contraste com o sol que banha uma praia californiana dão o tom efervescente da narrativa.  

Dois amigos, Chon (Taylor Kitsch) e Ben (Aaron Johnson) são grandes traficantes de entorpecentes e possuem a fórmula para cultivar uma maconha de inquestionável qualidade. A frente do mercado do tráfico na Califórnia, a dupla que goza de riqueza recebe uma proposta milionária do Cartel de Baja, mexicanos que pretendem adquirir a fórmula dos caras. Liderados por uma líder colérica, Elena (Salma Hayek), o grupo mexicano passa a ameaçá-los após uma negativa de parceria e bolam um seqüestro.

O clima ressaltado no prólogo é amistoso, imerso no prazer sem culpa, surpreendendo de cara pela relação entre os amigos com uma namorada que ambos dividem, a loura O (Blake Lively). O, cujo nome é Ophelia, referência a personagem em “Hamlet”, se dedica a Chon e Ben com o mesmo calor, transando com ambos, às vezes separados, em outros momentos ao mesmo tempo, e faz questão de destacar características distintas dos rapazes. É O quem narra a história, introduzindo uma dúvida sobre sua vida na primeira cena, explicitando conjunturas desse caso romântico e dos eventos posteriores em que sua vida estará em risco. Stone propõe essa narração em off deixando em suspensão dúvidas a cerca da obra e de suas intenções.

Durante o conto, após testemunharmos a confecção de drogas e seu uso, será natural cogitarmos que tudo faz parte de um barato. A presença de um braço direito de Elena, o implacável Lado (Benicio Del Toro, destaque evidente do filme), corta essa suspeita através de sua agressividade furiosa, tornando-se num vilão interessantíssimo e ostensivo, capaz de roubar sozinho a atenção do trio principal. Kitsch e Johnson pouco oferecem, enquanto Lively se destaca unicamente pela libidinagem, já que é má atriz. Ainda aparecem John Travolta como o oficial de Dennis cujo caráter é questionável, e Emile Hirsch numa ponta irrelevante, vivendo um nerd. O bom elenco chama a atenção nos créditos, e até nos empolga, porém desfalecem pela pouca exigência em cena.     

O filme tem Stone voltando ao gênero que lhe é consagrado, algo o bastante para ganhar o interesse do público cinéfilo, mas é só isso, já que pouco inova e não apresenta grandes questões relacionadas ao tráfico e tampouco o seqüestro. Surge questões referentes aos amigos e sua intimidade. Quem não gosta de assistir violência deve passar longe de “Selvagens”. Não que o filme seja feito para quem a aprecia, longe disso, é cinema de autor, de particularidade. A longa duração também não ajuda, ficando em vários atos dissipado e arrastado, obrigando o público a consultar o relógio muitas vezes. Além disso, o final dúbio decepciona, derrubando a força da narrativa e o vigoroso fim aterrador, bem típico de seu competente realizador.  


sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Proseando sobre... Alpes


O grego Giorgos Lanthimos não teme explorar seu estilo que é, digamos, excêntrico. Pensando no termo, reflito sobre duas de suas obras: Dente Canino (Kynodontas, 2009), filmado há pouco tempo, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro; e este Alpes (Alpeis, 2011), exibido na 36º Mostra Internacional de Cinema São Paulo. Ambos transitam no vazio humano, buscando inferências para a vida cotidiana, como um modelo que sugira completude, entre razões sociais e psicológicas, para seus personagens carentes. No primeiro filme o isolamento é demonstrado através de uma família isolada nos arredores de uma cidade, onde os pais mantêm os filhos num tipo de cárcere, distantes da civilização, ensinando questões referentes ao mundo sem exposições e oportunidade de experiências. Em sua nova obra, a configuração se dá pela identidade, com pessoas prestando um serviço absurdamente incomum para aqueles que recentemente perderam um ente querido.


O diretor e roteirista conta a história de maneira vagarosa, linear, apresentando seus personagens extravagantemente. De início, Carmina Burana embala uma ginasta (Ariane Labed) que pratica a ginástica rítmica com destreza e sensualidade, como numa esforçada apresentação olímpica, desejando conquistar a confiança de seu treinador. Uma crítica: ela gostaria que sua música fosse algo mais pop. Pedido negado. Aí compreenderemos um pouco sobre quem são os personagens. Naquele contexto outras coisas acontecem. Um grupo mantém um centro de apoio que oferece um serviço inusitado: após a morte de alguém, um de seus membros vive a vida do falecido com o intuito de acalentar quem fica, através das características, ações e gostos pessoais de quem morreu. É, de fato, uma incorporação. Esse grupo é chamado de Alps, referência aos Alpes da cordilheira européia, nomenclatura que não explica a função dessa equipe e que, segundo a designação de seu líder, serve como metáfora a proposta, uma vez os Alpes serem insubstituíveis, mas semelhantes.  

A estranheza do roteiro, premiado em Veneza, é o que garante a atenção de alguns públicos, simpatizado pelo estilo autoral de seu realizador. Situações divagam do foco da trama, e seu fundamento não se delonga, estagnando-se. O que acontecem são circunstâncias bizarras: a troca proposta pelo treinador da equipe de ginástica a enfermeira protagonista (Aggeliki Papoulia), por exemplo, onde ela deve lhe banhar. O foco, porém, quando centra na proposta da narrativa, atinge discussões satisfatórias: a enfermeira se aventura na vida dos outros, fazendo parte do cotidiano de estranhos. Aí provém uma reviravolta de sentido, afinal, a mulher deixa de ser um apoio para os carentes familiares e passa a fazer parte de modo demasiadamente íntimo, ferindo a ética de seu ofício. A crise de identidade passa a estar no cerne.

Giorgos Lanthimos é de fato um diretor que se apega ao bizarro enquanto tece críticas a humanidade de seus personagens, sempre afetados, vítimas de condições morais. Algumas resoluções, em ambos os filmes, se intrincam na sexualidade e no sexo, com fetiches e predisposições ao desejo reprimido. Tanto em Dente Canino quanto em Alpes isso é observado, com menos força no segundo, mas importante aos anseios narrativos. Outra questão igualmente trabalhada é a imposição tirana do líder – no grupo de apoio ou no núcleo familiar em Dente Canino.  A atriz Aggeliki Papoulia é talentosa, esteve em ambos os longas, assume o protagonismo desse drama grotesco, sem profundidades e rudimentos, no entanto cheio de estilo, mesmo que esse seja restrito a seletos públicos.

* Crítica originalmente publicada em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2533

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Proseando sobre... Kill Me


Com personagens em suspensão, Kill Me (idem, 2012) de Emily Atef conta uma história sobre o decesso no decurso de um encontro casual entre um fugitivo e uma camponesa. A ideia é discutir possibilidades ao passo que seus personagens se revelam enquanto uma estranha negociação é concluída. Nesse meio, após o filme ser convertido num refreado road movie, somos levados a questionar os princípios dos protagonistas a medida que seus anseios de fuga e auto-destruição se esclarecem. Sem melodramas usuais e obviedades dramáticas interessadas em condensar a narrativa num drama melancólico sobre a finitude, Atef entrega uma obra coesa e profunda, cada vez mais intrínseca e mais torrencial.

Um fugitivo consegue escapar de um presídio e, ferido, se esconde num cômodo numa fazenda. Lá reside uma adolescente com seus familiares num clima pouco amistoso, frio e distanciado. A diretora expõe em imagens obscuridades dessa relação deixando o espectador curioso sobre o motivo daquela inércia familiar. De antemão, no princípio, observamos a garota a beira de um precipício, a um passo do suicídio que tanto almeja, mas que não tem coragem de fazer. Ao se deparar com o fugitivo em casa, ela inesperadamente lhe propõe: ela lhe tira daquele lugar em segurança, levando-o até alguns caminhões de carga que atravessam o país, se, ao final, ele lhe empurrar de um precipício. Aceito.  

Seguiremos a partir desse ato duas evasões: em primeira instância Timo (Roeland Wiesnekker), fugindo da polícia alemã após ter sido condenado por assassinato; e Adele (Maria-Victoria Dragus) cuja vida inanimada não tem qualquer brilho ou cor – isso também é visto artisticamente através da fotografia que modela a menina com sombras. Sem progressos e assumindo um ofício que não diz respeito a si, comprometendo seu crescimento, a menina encontra auxílio na morte, pulsão natural de sua condição árdua. Uma bela cena, embora simples, que retrata com naturalidade a infância que não teve, quando se disfarça jogando futebol ao lado de outras crianças e percebe um entusiasmo ainda não experienciado, como uma criança privada de algum doce e repentinamente o provando, deliciando-se. As sombras se dissipam e a fotografia trabalha com cores mais quentes.

A narrativa se desenrola e várias coisas acontecem, acometendo os dois durante a jornada. Há ainda a beleza paisagística notável dos campos esverdeados e florestas na fronteira franco-alemã, garantindo um belo visual para a corrida entre a dupla que no segundo ato assume uma nova postura cênica dentro do filme: um seqüestro. Aí vem novos fundamentos na relação de ambos, confidentes e parceiros em detrimento dos outros. É preciso atravessar a fronteira e chegar até a França. E o trato entre Timo e Adele, será realizado? A perspectiva detalhada nas nuances dessa relação bem desenvolvida pelo roteiro parece direcionar a uma solução evidente. Dragus atua com passividade, ideal a sua personagem, enquanto Wiesnekker dá ferocidade temperamental a Timo com uma misteriosa altivez.  Ao final, um abismo diante à imensidão do mar. Simbolicamente demonstrado no filme, às vezes as pessoas esperam um empurrão. Isso é tudo que alguns precisam.

* Crítica originalmente publicada em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2532


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Proseando sobre... Possessão



Aquela velha história com crianças prestes a passar por algum exorcismo acontece em “Possessão”, novo lançamento do gênero terror com demônios a invadir as telas do cinema. O filme possui alguns de seus atributos mais significativos, como a tensão e manifestações horrendas, com deformidades físicas, além de tecnicamente contribuir com o clima através do uso de pouca iluminação e cortes abruptos na filmagem. Tais artifícios funcionam sim para um público não tão acostumado a assistir filmes do gênero com freqüência, porém passa longe de apavorar o espectador mais carimbado, já que oferece pouca novidade. 

O que definitivamente é intragável na história é a responsabilização tendenciosa dada pelo roteiro, algo usado há décadas e em vários filmes comerciais: a figura do pai ausente. Claro que é um problema persistente na sociedade contemporânea, mas usada com tanto exaustão pelo cinema que o assunto vem concedendo clichês insuportáveis. Um casal em processo de separação seria responsável por um surto de origem psicótica nos filhos? Outrora isso daria carga a um filme, operando até como uma subtrama, mesmo que abdicado de realidade. A saúde mental não é discutida aqui. Pouquíssima coisa é.

Emily (Natasha Calis) é uma garota que compra uma estranha caixa de madeira numa feira de produtos usados. Dentro dessa caixa reside um demônio que habita naquele que possui o objeto que contém, entre outra coisas, dentes, mariposas mortas e um anel. Emily começa a agir estranhamente, como se não fosse mais dona de suas ações. Agressiva, a menina desperta a curiosidade de seu pai, Clyde (Jeffrey Dean Morgan), temente quanto à passividade da menina. O tempo passa e as coisas pioram. O pânico vem acompanhado de centenas de mariposas, olhos revirados, dedos saindo da garganta e ventos. Éolo devia ser a inspiração desse demônio que vive dentro da pequena. Os judeus detém a resposta para essa maldição, afinal, trata-se de um Dybbuk, um tipo de espírito maligno presente na história da cultura judaica. O cristianismo, aqui, se revela inútil. Um dos poucos frescores da trama.

Carente de idéias, o filme se prolonga visando a criança, apostando na performance da atriz mirim, o que positivamente nos surpreende, pois a pequena agarra bem sua personagem com uma delicadeza apavorante. Considere apavorante um grande elogio. Já a narrativa perde grandes chances de discutir o tema como outras obras recentes e análogas fizeram, inclusive refletir sobre mitologia, ciência e o sobrenatural. É como se subestimassem o público, não acreditassem no potencial desses em ter um discernimento crítico a respeito do que está sendo trabalhado em cena. O longa detém interesse, possui um público fiel, mas tem medo, medo de ousar e ser grande. Constitui-se assim um filme medíocre com um bom elenco encaixotado.

A presença de um diretor dinamarquês poderia até representar um avanço no sentido narrativo e de coragem, já que o gênero terror de Hollywood vem perdendo para exemplares europeus e asiáticos. No entanto esse diretor também falha, aparentemente privado pelo que há de mais defectivo no cinema estadunidense: a rejeição a renovação. Perceba cenas usuais uma após a outra, com idéias que remetem diretamente outros filmes, como o clássico “O Exorcista”, porém essas referências não soam em nenhum aspecto enquanto homenagem, mas como reciclagem mesmo sem muitos proveitos. Ole Bornedal de “Não é Mais uma História de Amor” acaba desperdiçado, atado a um modelo pra lá de convencional. Kyra Sedgwick, esposa de Kevin Bacon, e Dean Morgan apenas enfeitam os créditos. Já Sam Raimi, famoso por grandes obras do horror como a série aterradora Evil Dead, produz este “Possessão”, filme que abandona por completo seu natural estilo, acrescentando minimamente a um molde já desgastado. 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Proseando sobre... Busca Implacável 2


"Busca Implacável 2” não tem muita coisa que o faça funcionar, não enquanto um bom exemplar do gênero, apesar de suas suntuosas cenas de perseguição. Para tentar transformar o filme estrelado por Liam Nesson em franquia, arriscam tudo, inclusive responsabilizar alguns mulçumanos da Albânia, encontrando neles potenciais vilões. Isso já está na cartilha americana. A relação com o filme anterior é clara, mas rasteira, sem personalidade e graça. Ainda soma-se a história uma nova heroína, diminuindo a força do protagonista enquanto herói inquestionável, reconhecido pela imponência e inteligência. E não acaba por aí. Eis um representante do que chamam de caça níquel, uma continuação ordinária, sem qualquer finalidade para existir, senão ganhar alguns trocados nas bilheterias, igualmente a tantos outros tortuosos e torturantes. Lamentemos.

No primeiro filme a filha do absolutamente implacável Bryan Mills (Neeson) fora seqüestrada por traficantes de mulheres. Agora temos um novo seqüestro, e as vítimas são o próprio Bryan e sua ex-mulher, Lenore (vivida pela ex-bondgirl Famke Janssen). A correria toma conta em Istambul. Quem terá que assumir o controle da situação desesperadora é a filha do casal, Kim (Maggie Grace), que surge em escapada mostrando alguns de seus atributos físicos após sair da piscina. Ao comando do pai, a garota vai realizando uma série de tarefas numa jornada calorosa e perigosa, sobre telhados e becos de uma das cidades mais populosas do mundo. 

A direção de Olivier Magaton é amadora, demonstra habilidade mínima para filmar cenas de luta, com excesso de cortes e pouco noção espacial. Não compreendemos exatamente de onde veio algum golpe ou qual o destino desse, apenas que esses acontecem e são quase mortais quando efetuados pelo protagonista. O roteiro é assinado por Robert Mark Kamen e pelo francês hollywoodianizado Luc Besson que também produz a fita. Uma cena se destaca: Bryan, através de coordenadas e de seu exímio poder de observação, dá direcionamentos para Kim descobrir onde é seu cativeiro. Exala-se soberania. Ele certamente poderia se juntar aos vingadores.

Ao longo de 90 minutos testemunharemos alguns laços afetivos se refazerem enquanto nos é proporcionado cenas de recreação quando Bryan vai descobrir quem é o namorado de sua filha. Nos solidarizamos pelo coitado. Vale ressaltar que ainda há um gancho para uma possível continuação. E porque não transformar “Busca Implacável” numa trilogia? Já chegaram até aqui. Ao menos o filme garante belas locações. No anterior, vimos Paris. Agora assistiremos Istambul e contemplaremos sua beleza através de uma fotografia sombreada. Também adentraremos em seus becos e ruas apertadas, conhecendo minimamente sua cultura enquanto seus personagens se espancam e Kim nos dá aula de direção num táxi, veloz e furiosa.