quinta-feira, 31 de março de 2011

Proseando sobre... Animais Unidos Jamais Serão Vencidos

 

“Animais Unidos Jamais Serão Vencidos”. Com esse título, o que não falta é motivação. Essa animação conta sobre a união de animais sofrendo com o aquecimento global e a falta de água. E esses animais vem de continentes diferentes para se encontrar na savana africana. Uma ursa polar sai do pólo enquanto um galo francês foge de ser a refeição num navio. Também entram nessa um canguru e um diabo da tasmânia abandonando uma parte seca e devastada da Austrália, e um casal de tartarugas que viveram séculos e sabem melhor do que ninguém o quanto o mundo está mudando com a escassez dos bens naturais. O encontro acidental entre os animais acontece em Okavango. Lá, eles se juntam a um suricato atrapalhado e a um leão filósofo. Terá início uma jornada em busca de água ou, ao menos, em busca daquilo que privou-a.

 

Um requintado resort foi construído ali e a água foi completamente direcionada a ele. Os animais sedentos vão fazer justiça com as próprias patas enfrentando criaturas desconhecidas, os humanos, ameaçadores – e suas caracterizações justificam o adjetivo. Nesse percurso, várias confusões irão acontecer passando uma lição ambiental para as crianças. A caracterização de um herói impensável é tradicional nas telonas. O suricato pai de família e desengonçado assume esse posto, se aproximando muito da preguiça Sid de “A era do Gelo” enquanto o Leão pensador, cujo nome é Sócrates, profere sentenças filosóficas existenciais e se revela um adepto da necessidade de mudança, abandonando o hábito carnívoro para ser vegetariano.   

 

Dirigido pela dupla Reinhard Klooss e Holger Tappe, o filme é suficientemente carismático para compensar momentos do roteiro que perdem o viés e por vezes a graça. Os mais crescidos deverão notar que gargalhar é algo que dificilmente acontecerá durante a sessão. O mérito da concepção do longa, que tem um design de produção rigorosamente bem desenhado, é a lição de conscientização propagado. A ida do urso polar até a África e o meio com o qual os animais se juntam para chegar até o continente é digno de nonsense, mesmo para uma animação. Há também momentos emocionantes como o discurso das apaixonadas tartarugas e a história de um leão num desfiladeiro. Sim, você irá lembrar de “O Rei Leão”.

 

O mundo está precisando de nós. Nós não estamos correspondendo. Nós somos os vilões e somos constantemente retratados como tal. É o reflexo de nossa história, e temos visto o resultado atualmente com tsunamis, terremotos, enchentes. O aquecimento global influi tanto em nossa vida que se tornou alvo para temáticas de vários longas, sobretudo em animações, e a moral produzida é positiva, uma vez propor uma reflexão desde cedo para as crianças, conscientizando-as sobre os riscos do futuro caso mudanças não aconteçam desde já. E mais, sozinhos não poderemos mudar, mas juntos faríamos toda a diferença. E aí o povo unido poderia se espelhar nesses animais unidos que na história irão lutar lado a lado e fazerem sua parte.

terça-feira, 29 de março de 2011

Proseando sobre... Atividade Paranormal em Tóquio


 Falta inovações e novas situações. Todos já sabem o que estará prestes a acontecer. Já foram dois filmes tratando o assunto e esse traz como única novidade o contexto. “Atividade Paranormal em Tóquio” é o mais do mesmo que ainda funciona para quem teme espíritos, demônios e afins. Ele julga ser uma continuação, mas é uma adaptação japonesa daquele horror vivido pelo casal do primeiro filme. Agora são irmãos que enfrentarão as manifestações e passarão noites de verdadeiro terror quase de forma masoquista, pois, embora cogitem, em momento algum saem da casa enquanto ainda acreditavam que o problema residia ali e não na garota, essa que a pouco voltou dos Estados Unidos após um grave acidente. E esse acidente, naturalmente, é a desculpa para a concepção desse novo longa.

A fórmula é a mesma. Câmeras espalhadas pela casa filmarão eventos sobrenaturais, esses acontecidos geralmente de noite enquanto dormem. A jovem Noriko (Haruka Yamano) chegou de San Diego recentemente com as duas pernas fraturadas. Percebe algumas coisas diferentes, sobretudo sua cadeira de rodas se locomovendo sozinha. Conta para seu irmão Aoi (Koichi Yamano) e esse não demora a instalar câmeras no quarto da moça tentando fazer uma grande descoberta espiritual. Para iniciar, uma dose de superstição, um punhado de sal. Daí em diante, serão várias as tentativas de descobrir o que na realidade está acontecendo. Padres e sensitivos parecem pequenos frente a força que habita a casa desesperando vagarosamente seus moradores.  

A direção é de Toshikazu Nagae, um cara que pouco acrescenta à narrativa, esta que flui por si só. O diretor procura a todo instante recriar situações sem parecer superficial. Há alguns bons momentos como a idéia da garota estar impossibilitada de andar e as duas câmeras filmando dois quartos ao mesmo tempo. A câmera também é melhor que a do casal Micah e Katie. A resolução aqui é límpida. No entanto, já sabemos o que irá acontecer, resta apenas à expectativa do “quando”. O tal gênero documental que tanto fez sucesso nos últimos anos vem se desgastando e os produtores, mais uma vez, parecem estar distante de originalidade. Mas a concepção desse “Atividade Paranormal em Tóquio” é compreensiva, uma vez se passar num país que aprecia filmes de horror e é responsável por grandes projetos relacionados ao tema. A tensão e a angústia proporcionada não deverão ter os mesmos efeitos do primeiro filme devendo divertir apenas quem se permite impressionar. É isso que é preciso para a história funcionar. 


segunda-feira, 28 de março de 2011

Proseando sobre... A Fita Branca



O pré nazismo é ressaltado através de uma sociedade cuja utopia é registrada pelo tradicionalismo religioso que motiva segregações, humilhações e violência. O cineasta alemão Michael Haneke – diretor do oscarizado Amor (Amour, 2012) – explora o universo de uma Alemanha antes da segunda guerra, centrando nos acontecimentos de uma pequena vila dominada por um barão. O provincianismo se enaltece. Malevolências acontecem e ações desumanas preocupam os moradores tementes locais. Mergulharemos num filme de hipóteses e referências moldadas por uma abordagem bruta e crítica. No filme, que motivação tal civilização tem para tomar as aversivas condutas as quais testemunhamos? Quem se responsabiliza pela atrocidade social investida no universo religioso retratado? Haneke incita sem medo e explora o homem a sua maneira: pessimista, subversiva e violenta.

A Fita Branca é um trabalho competente e penoso, fruto de um diretor cuja filmografia prioriza a agressividade humana produzida em prol de um bem próprio. Quem acompanha o cinema de Haneke conhece suas particularidades e suas tomadas minuciosas. Aqui o cineasta investe profundamente em seus personagens e exibe com frieza a dinâmica de uma civilização provinciana em formação, mostrando as mulheres inferiorizadas e as crianças punidas por conta de atitudes incondizentes as crenças de seus líderes. A motivação é dogmática. A fita branca, aliás, destaca a personalidade das crianças e adolescentes, significando um símbolo de transição para a maioridade, ou, como acreditam, a responsabilidade – usar a fita é um símbolo de inocência e perdê-la é um propósito almejado. Signo de maturação.

A fotografia contribui com os detalhes físicos, as locações sufocantes em tomadas fechadas, o clima pesado e o aparato P&B é atraentíssimo, funcionando para as pretensões do diretor em salientar o medo com seus princípios. As atuações de modo geral edificam, principalmente pela imponência rígida do ator Ulrich Tukur que vive o barão líder da comunidade.

O filme retrata um modo de funcionamento social cujo resultado foi conhecido na segunda guerra. A intolerância é denunciada partindo de geração para geração, vista nas cenas onde punidas, as crianças se ressentem com privações e crescem numa redoma castradora e pungente; e dessa forma, no longa, terminam como suspeitas dos estranhos acontecimentos recentes naquela região. Com um olhar investigativo, a esperança paira sobre um professor – aparentemente o único naquela comunidade – que em seu estudo passa a compreender aquela gente que convive com um aprendizado oprimido em nome da fé. Questionamentos são blasfêmias.  

Esse professor ainda vive uma paixão, numa representação sensível da hierarquia imposta, após se declarar para uma babá e tempos depois pedir a mão da jovem em casamento. Ele depara-se com duras condições para tal aceitação. O custo é ponderado. Desconstruído em cena, esse ideal denunciado por Haneke é um registro histórico poderoso cuja metáfora poética narrada explicita o homem e seus valores obsoletos, não tão distantes de alguns fundamentalistas que acompanhamos todos os dias em escândalos. O crime em nome da fé é um crime como qualquer outro.   



sábado, 26 de março de 2011

Proseando sobre... Esposa de Mentirinha

 
Mais um ano e mais um filme com Adam Sandler. Para seus fãs, ótimo. Esse “Esposa de Mentirinha”, seu novo projeto, arrasta também Jennifer Aniston, outra cara conhecida em comédias capaz de levar milhares ao cinema só pela presença. Trata-se de mais uma comédia romântica daquelas que conhecemos o final só por lermos a sinopse. Isso tem sido cada vez mais comum e unânime.  As piadas são constantes, algumas funcionam, outras constrangem e Sandler continua com as mesmas facetas surgindo com a tradicional cara de dó por ser rejeitado para logo após cuspir deboches usuais parecidos com seus outros filmes. A falta de novidade e de autenticidade somente é compensada pelo carisma da dupla central, ainda assim é muito pouco. Quem espera somente sorrir e esquecer, Esposa de Mentirinha” é uma boa escolha, mas tão falsa quanto sua história digna de um dos piores roteiros dos últimos anos.

Um cara, Danny (Sandler), percebe algumas verdades inconvenientes antes de seu casamento e, decidido a mergulhar suas frustrações em copos de bebida num bar, descobre ocasionalmente uma fórmula de conquistar garotas através de acolhidas solidárias. Carrega uma aliança como símbolo da recente separação, o fim de um casamento o qual diz ser vítima despertando em suas ouvintes compaixão o bastante para convidá-lo a ir até suas casas ou a um quarto de motel próximo. Anos mais tarde a coisa toda muda quando conhece uma garota, Palmer (Brooklyn Decker), aparentemente perfeita esteticamente e intelectualmente – o diretor não economiza nos closes exibindo o corpo da moça. Porém, seus planos de seguir uma vida com ela despencam quando esta encontra a tal aliança em seu bolso e acredita que este lhe enganara omitindo ser casado. 

Dennis Dugan, diretor habitual dos trabalhos de Sandler, segue a fórmula dos projetos anteriores recriando as mesmas situações num contexto diferente. Seu trabalho de reciclagem resgata piadas e favorece vícios de atuações, expondo uma dupla que ainda não sabe que se ama, uma garota intercedente, mas que não é vilã, e um personagem caricatural entregue unicamente a trapalhadas – este último é vivido por  Nick Swardson. Ahhh, também tem as crianças e piadas com profissões. Com estes a história se desenvolve de maneira absurda obrigando o personagem de Sandler a inventar uma ex-esposa e apresenta-la a Palmer. Aí entra Katherine (Aniston), assistente de Danny, garota que anteriormente era entregue ao desleixo se revela, graças a compras em lojas caríssimas, uma modelo de vaidade. Ela se torna, portanto, Jennifer Aniston.

Potencialmente capaz de despertar boas risadas no cinema, “Esposa de Mentirinha” é garantia de alegria através do típico humor pastelão. Só. Sandler daria um ótimo humorista de Stand Up Comedy pervetido, mas enquanto ator, jamais se livra de ser apenas Adam Sandler. Tem também a aparição infeliz de Nicole Kidman mostrando sua limitação em comédias onde, com dificuldades de oferecer um humor natural, depende de caretas e surtos para garantir a performance no longa. Digo decepcionado uma vez ser fã do trabalho da atriz. 


quarta-feira, 23 de março de 2011

Proseando sobre... Violência Gratuita (2008)


Quando assisti "Laranja Mecânica" de Stanley Kubrick, pensei ter vivenciado uma experiência perturbadora única de fundo psicológico que viria a me motivar pensar razões pelas quais pessoas se inseririam de forma abrupta numa esfera de violência como Alex de Large e seus amigos fizeram. Em 1997 surgiu "Violência Gratuita" de Michael Haneke, outro flerte certeiro sobre crueldade contra o humano. Um bom tempo depois, o próprio Haneke dirigiu um remake de sua própria obra num contexto novo e com caras novas. Nas locadoras, uma flagelante história perturbadora, paradoxal, angustiante e admiravelmente cruel.

Dois jovens sem razão aparente decidem praticar jogos sádicos com uma família que desejava passar as férias numa casa em Long Island. A visita inesperada da dupla vai causar transtornos emocionais não somente nos personagens como também no público. Não são todos que assistirão o filme até seu final. O que sem dúvidas vai deixar o espectador totalmente aflito é a ausência de trilha sonora evocando o ambiente e seus ruídos. Tudo é penoso nessa obra. O silêncio que por várias vezes domina serve como um atrativo psíquico raro em filmes do gênero que, por sua vez, remete a uma tortura aflita da parte de todos prendendo a atenção dos mais dispersos e fazendo o botão stop do controle ser usado com maior frequência. Não há como julgar o que estamos vendo, o filme quer isso e nesse nosso voyeurismo, apenas sofremos juntamente.

Quem conhece um pouco melhor o trabalho do alemão Michael Haneke sabe o que se pode esperar de um filme roteirizado por ele: muita aflição combinado com mistérios revelados em detalhes. Seu trabalhos anteriores justificam esse combinado. "Caché", de 2005, exige muita atenção do público enquanto "O Vídeo de Benny", de 1992, o hediondo prevalece claro e desnudado. Tudo é incômodo em “Violência Gratuita” e raramente vivenciamos algum momento de passividade durante a exibição. O que Haneke quer é que soframos junto a seus personagens e consegue à medida que o longa avança tornando cada ato mais acerbo. A presença de uma criança fortalecendo a angústia proposta não é um mero acaso.

A dupla escolhida propensa ao sadismo é vivida com autoridade por Michael Pitt e Brady Corbet que despertam um verdadeiro mal estar e impedem os mais sensíveis de continuarem assistindo. A proposta do longa por vezes não é entendida, e há quem o condene por ser violento demais. Ei, o título nacional já adiantou. Quer acompanhar o que se sucede quando dois jovens cuja irascibilidade é alimentada através de jogos julgados divertidos? Confiram. Eis uma promoção com situações de verdadeiro terror. Tim Roth e Naomi Watts fecham o elenco vivendo o casal que sofre nas mãos da dupla dignificando os papéis de vítimas. Belo enquanto cinema, – veja, enquanto cinema – o longa vale ainda como um objeto de estudo. É um ensaio sobre a violência na forma mais deplorável não tendo a pretensão de agradar, e sim, incomodar. Olhares direto para a câmera ao longo da projeção quase pede para que nós, espectadores, julguemos os dois rapazes por seus atos.


segunda-feira, 21 de março de 2011

Proseando sobre... Queime Depois de Ler



Filme absurdo, implausível, cheio de personagens que criam situações ilógicas e que ficam ainda mais insanas à medida que a história avança. Esse é “Queime depois de ler”, filme cujo time de atores contribui com a eloqüência de sua narração, um enlouquecimento coletivo cheio de manias e particularidades artísticas severamente detalhadas. Tudo isso que vemos em cena é o que os irmãos Ethan e Joel Coen fazem melhor: humor negro. Esse exemplar de sua filmografia é sem dúvidas uma das melhores comédias de 2008.

Compreender o que se passa na cabeça de seus personagens é perder tempo, a idéia é exprimir o inimaginável de cada um. Nosso papel enquanto espectador contracena com o personagem do ótimo J.K. Simmons, um dos chefes da CIA que observa tudo sem compreender a série de acontecimentos que está estranhamento acontecendo. Suas caretas indicando não entender as atitudes dos caras que está perseguindo são impagáveis. Um humor de natureza duvidosa, – não é para todos os públicos – é para se apreciar sem levar a sério. Seus diálogos são certeiros e magistralmente bem escritos centrando nos julgamentos pessoais de cada um dos personagens, destaque para o engraçadíssimo Chad Feldheimer (Brad Pitt, roubando a cena) e também para o paranóico Harry Pfarrer (George Clooney).

O roteiro assinado pelos irmãos é mesmo dotado desse humor escrachado, algo já visto em uma de suas obras anteriores, o ótimo “Fargo – uma comédia de erros”. A maior herança desse filme, fora o tradicional humor dos Coen, é a presença de Frances McDormand que naquela ocasião ainda levantara a estatueta do Oscar imortalizando seu nome como também “Fargo”. Já em “Queime depois de ler”, faz um papel controverso, porém importantíssimo, mas não tão inspirado como o outro que lhe rendeu o prêmio. Com um desempenho satisfatório de todo o elenco, é preciso ainda frisar John Malkovich, o mais instável dos personagens, talvez o mais esquisito entre todos eles. Seu Osbourne Cox poderia se tornar um ícone cult. Ainda estão no filme Richard Jenkins, Tilda Swinton e David Rasche.

Após estourarem no Oscar 2008 com o ótimo “Onde os fracos não têm vez”, os irmãos Coen revisitaram um gênero particular. Os caras se revelam cada vez melhores por trás das câmeras. São arrogantes, no entanto a inquestionável competência da dupla compensa. Esse é o jeitão particular dos diretores que começaram desde criança a trabalhar com filmagens. São risadas garantidas, desde que se aceite encarar um humor diferente onde seus detalhes demandam atenção. Comédias bem elaboradas quanto essa não aparecem todo dia, flutuam sobre as pastelões ganhando o destaque mais por sua inteligência do que por seu esforço em fazer sorrir. Isso é mérito daqueles que manjam como poucos trabalhar com um gênero tão cauto. 


sábado, 19 de março de 2011

Proseando sobre... Cisne Negro


Darren Aronofsky, um dos grandes diretores da atualidade, autor de verdadeiros primores cinematográficos como “Réquiem para um Sonho” e “Pi”, filmou recentemente o que poderia ser sua obra consolidante. Dono de uma filmografia invejável, o diretor transforma seus filmes em obras contundentes, pesadas e provocativas, muitas vezes estabelecendo padrões incomuns a seus personagens – e quando digo incomuns, me refiro ao não aceitável socialmente. Recentemente mergulhou numa história sobre o balé, precisamente numa adaptação de “O lago dos cisnes” de Tarkovsky e mostrou que a dançarina principal, Beth MacIntyre (Winona Ryder), o foco das atenções do espetáculo, está em decadência. É preciso encontrar uma nova estrela. Não demora para o diretor do espetáculo vivido por Vincent Cassel se deparar com Nina (Natalie Portman), um promissor talento, e decide investir na moça. Essa não esconde a satisfação, deseja ser perfeita e se transformar no dicotômico principal personagem: o cisne branco e o cisne negro.



Portman está absolutamente brilhante, vive sua mais intensa personagem no cinema e revela definitivamente a grande atriz que é. Sua delicadeza tão bem representada em seus gestos e em seu olhar nos faz postergar qualquer iniqüidade, e tal como a peça que encena, terá de se converter de uma delicada e ingênua garota numa sedutora e pungente mulher. Sua personagem pouco a pouco se transforma nos contaminando com graça e lascívia. Natalie exuberante perverte nossa mente, censura sua ilusão e racionaliza – estamos diante de uma personagem complexa, confusa e irresistivelmente enigmática. Mérito tanto da atriz como de Aronofsky que tira de Portman um desempenho perfeito, fazendo a atriz abandonar o estigma frágil que por muito tempo lhe permeou.  

Nina tem uma personalidade bastante destacada. Vivendo uma vida infantilizada, e isso é esboçado na composição de seu quarto rosa onde fica rodeado de ursos de pelúcia, quase nunca demonstra autoridade sobre sua individualidade. As constantes discussões com a mãe denuncia sua dependência maternal – a cena a qual Nina se masturba e percebe sua mãe ao lado num claro simbolismo sobre castração é primorosa. O não pode e o não deve parece fazer parte de sua vida de maneira abusiva. Quase sempre de branco, a personagem de Portman é realçada como o cisne branco – a inocência – e numa contraposição a essa persona, sua mãe (que nunca dispensa um coque) e uma outra bailarina de destaque vivida por Mila Kunis utilizam o preto, condição futura a qual Nina precisa conquistar.

Há ousadias atravessando “Cisne Negro”. Transformar um filme cuja temática é o balé num intenso thriller psicológico é uma tarefa árdua para qualquer produção. Como numa coreografia da dança, o filme se desenvolve com naturalidade e coloca sua protagonista frente a horrores pessoais. Para isso, recursos como som e fotografia perpetuam um tipo de delírio onde Nina percebe risos de escárnio a sua volta e às vezes enxerga sombras e rostos confusos, confundindo com o seu. A impressão é de estar se confrontando em vários instantes, as cenas no metrô ou as caminhadas nas ruas escuras deixam claro esse duelo interno. Tal obscuridade se concentra na perspectiva projetada desta bailarina: ela quer ser impecável no que faz e sofre prejuízos drásticos com isso. Sua técnica durante o ensaio é um marco. Sua dificuldade em se tornar o modelo ideal de seu treinador é compreensível. Aí a personagem sofre, quase se pune e em sua tamanha dedicação se fere. Parece viver o balé, respira-lo. O chão de sua casa demonstra seu repetitivo esforço com as marcas da sapatilha. Repetir, aliás, é algo recorrente.

De novo, de novo, de novo... ela passa horas reproduzindo um mesmo movimento buscando um ideal aparentemente inatingível. A cobiça pela excelência transpõe limites como também sua sanidade. Nina é motivada não só por ambição pessoal, mas pela disputa, sucesso e glamour. Ela se revela uma bailarina perfeita e se transforma monstruosamente, fantasmagoricamente – a direção artística é irrepreensível. Este simbolismo eleva o filme até outra dimensão e desnuda para o público uma gana doentia, obsessiva e mortal, fazendo do desejo, doença e da dança, patologia. Darren Aronofsky soberbamente na direção, acerta em todas as suas investidas e jamais subestima o público. Ele não quer entregar o que propõe em cena, mas sim usar tudo como um mistério permitindo que o público julgue e compreenda como quiser essa arte.    

“Cisne Negro” possui em sua narrativa uma natureza simbólica apavorante e tensa, causando propositalmente desconforto sem nunca exagerar ou perder seu sentido. Leva o espectador até o íntimo de sua personagem. A conheceremos e reconheceremos, suas angustias são claras e sua transformação tangente elucida e inquieta. Tal como no balé, o filme cadencia, há um padrão que se submete ao sentimento e esse perturba. Este ritmo proposto por Aronofsky, tão importante o é para o filme que percebemos chegar com seu desenvolvimento a um final de espetáculo, um daqueles inabaláveis e eternizados. Um final que colabora com a vivacidade da obra tornando-a gigante, poderosa e idealmente incômoda a qual o objeto proeminente de admiração se transforma numa arma de redenção e liberdade. Não poderia ser mais poético e bonito.

E o simbolismo de um espelho quebrado não poderia ser tão fascinante.
 
 
Texto dedicado aos amigos que assistiram e reassistiram “Cisne Negro” comigo. Menciono, especialmente, meu amigo Jerônimo que ao final da sessão propôs uma relação do filme com a obra Kafkiana. Apropriadíssimo.    

sexta-feira, 18 de março de 2011

Proseando sobre... Scott Pilgrim Contra o Mundo



“Scott Pilgrim Contra o Mundo” parece ser um filme para não se levar a sério. Mas como não, é preciso siiiim. Tudo que ele não consegue ser é um filme clichê. Mais um dessas centenas por aí que tentam sem sucesso adaptar quadrinhos. Aqui, mais do que quadrinhos, parece um vídeo game e não estranhe se ao final ficar a vontade de procurar algum console. É um filme de fantasia, isso fica manifesto; também é um filme de amor, embora não pareça. E nele há formas de amor: a dedicada ao outro e o amor próprio, este segundo, quase vencido, é racionalizado, defendido pela ternura do temor de se entregar e da insegurança após o término de uma relação.

O filme centra em Scott Pilgrim, um baixista, participante de uma banda procurando quem a ouça. Ele é vivido por Michael Cera, um nerd de tantos outros filmes e aqui não é diferente. Sem qualquer pose máscula, com uma fala enrolada e lenta, o protagonista é um tipo que consegue ter atenção de algumas garotas, sobretudo de uma garota asiática mais jovem que se apaixona perdidamente – e note que ela se entrega a ponto de redescobrir um ídolo em algo que pouco teve acesso durante a vida, a música. Sua histeria pela banda denuncia seu descontrole de modo exagerado, no entanto suficientemente divertido. Mas Scott não é apaixonado por ela, e ainda vindo de uma frustrante relação amorosa, procura na garota uma possibilidade de esquecimento. Sem sucesso.

A coisa toda vai mudar. Seu coração reacende quando vê uma jovem de cabelos coloridos, a hardcore Ramona Flowers (Mary Elizabeth Winstead) e tenta uma aproximação de maneira constrangedora sobre a histórica do pacman. Sua investida sobre a jovem caminha e surpreende, e a forma como ele procura viabilizar a relação chama a atenção. Quando consegue – sim, naturalmente consegue – ele se vê diante um outro problema, um problema enfrentado na realidade por alguns casais: os ex! E aqui Ramona não só possui uma legião de ex-namorados, mas 7 ex-namorados ditos do mal que infernizarão a vida de Scott. O que já era inverossímil, vira uma brincadeira e somos convidados a fazer parte dela como se pegássemos um gibi e tudo saltasse em nossos olhos.

Por traz da história tão bem narrada – o roteiro da dupla Michael Bacall e Edgar Wright é estimulante – há uma alegoria dramática sobre as dúvidas e inseguranças de relacionamentos e suas inconstâncias. Para isso, se explora a vida amorosa do amigo gay de Scott que se aventura com diferentes caras, incluindo o namorado da irmã do protagonista, Stacey Pilgrim (Anna Kendrick) que manifesta outro indicativo romântico problemático. Mas o cerne está com o personagem de Cera e de Winstead, a segunda, tem uma vida repleta de romances que nada se parece com uma relação amorosa e isso fica claro nos diálogos propostos. A direção é de Edgar Wright (do engraçadíssimo “Chumbo Grosso”) e o cara retorna por trás das câmeras pra conceber um filme triste dentro da perspectiva cinematográfica – detalhes de locações e a neve – e otimista em seus acontecimentos. A montagem do filme é esplêndida. Não se pode deixar de notar os tipos de seus personagens e o duelo final com o comumente engraçado Jason Schwartzman vivendo o vilão absoluto, numa pose recreativa quase ilusória em sua composição enquanto líder do mal – é a representação de mais um dos leões que Scott tem de matar por dia para se reconhecer. 


segunda-feira, 14 de março de 2011

Proseando sobre... Rango


O clima é western. Sugeriria até o assobio de “Três Homens em Conflito” para iniciar este texto. E como um belo western, possui paisagens fascinantes, desde o deserto empoeirado e seco, até o por do sol que banha cânions, propriedades velhas e rostos cansados e sedentos. Ali vários personagens convivem sofrendo com o calor. Costumam se acomodar em saloons mantendo a esperança que as coisas possam melhorar – esta esperança é mantida por um líder local. Não se trata de pessoas, se trata de animais dos mais variados, os adaptados a um clima tão hostil. Nessa cidadezinha quase esquecida próxima a uma rodovia, são surpreendidos pela visita de um camaleão perdido que adota o nome Rango – até faz recordar, mas não é Django – e conta histórias imaginadas de um passado heróico longe ter realmente acontecido.

Rango acidentalmente é lançado no meio de uma rodovia movimentada imediatamente após conhecermos sua solidão num aquário onde uma boneca quebrada funciona como seu par romântico. De início reconheceremos a criatividade e inventividade desse réptil criando situações para fugir de sua desolação e solidão. Seu vazio é questionado o tempo todo enquanto busca respostas existenciais. Sozinho vagando por um deserto, encontra uma pequena comunidade e se dirige até o saloon. Os olhares ameaçadores dos animais presentes lhe fuzilam. A chegada de um forasteiro irá mudar aquele lugar.

“Rango” impressiona pela concepção de seus personagens desenhados com detalhes significativos que evocam sem dificuldades sentimentos através de expressões atormentadas e sofridas. Vários são os animais inseridos nesse contexto pacato carente de água. Esta está cada vez mais rara. São vários dias sem uma única gota e esse esgotamento começa a causar desconfiança entre os moradores. Rango, então, entra em cena como a possibilidade de fazer alguma diferença principalmente por alimentar a esperança dos animais com suas histórias e com um ato de coragem que contou muito mais com a sorte do que com bravura. Se configura, assim, um autêntico faroeste que irá recordar vários filmes passando por Sergio Leone a John Ford, visitando também outros gêneros como homenagem sendo o grande momento uma longa cena de perseguição num cânion recordando o ataque aéreo de “Apocalypse Now” enquanto toca “The Ride Of The Valkyries” de Wagner.

Dirigido por Gore Verbinski (da franquia “Piratas do Caribe”, “O Chamado”), o filme se desenvolve com naturalidade sempre se encontrando com referências. Verbinski que parece nunca se concentrar a um único gênero, acerta a mão nessa animação divertidíssima apoiando-se no design de produção primoroso da empresa de George Lucas, a “Light & Magic” que parece vir rivalizar com a Pixar. O filme também é feliz em sua trilha assinada por Hans Zimmer, e ainda iremos apreciar em vários momentos quatro corujas mexicanas cantarolando. “Rango” é uma diversão tanto para adultos quanto para crianças e quem tiver a sorte de vê-lo nos cinemas com a língua original poderá ainda encontrar outra lembrança proposta tanto na concepção de seu personagem título como naquele que lhe empresta a voz, no caso, Johnny Depp. Quem assistiu “Medo e Delírio” irá saber do que se trata. 


sábado, 12 de março de 2011

Proseando sobre... O Discurso do Rei


“O Discurso do Rei” se passa na década de 30 na Inglaterra, anos que antecediam a 2º grande guerra. O Rei George VI assumiu o trono do país após a renuncia do irmão Edward VIII (Guy Pearce) que pretendia se casar com uma mulher divorciada. Eram tempos em que a comunicação através do rádio se expandia favorecendo pronunciamentos e discursos, algo que levou líderes a comunicarem-se constantemente com a população. Essa facilitação era um problema para George VI que, sofrendo de gagueira nervosa que se intensificava frente a um grande público, teve de se virar e contornar tal situação, porém, cada vez mais exigido, seu problema tinha de ser revertido o quanto mais breve possível. 

Dirigido pelo inglês Tom Hooper de uma maneira bastante burocrática, o longa extasia pela segurança narrativa e pela motivação propagada. É um daqueles filmes que começam e terminam num ritmo leve levando lições de humanidade e de perseverança deixando o espectador com um sorriso no rosto e satisfeito. Isso não fará do filme inesquecível, mesmo tendo ganho o Oscar nas principais categorias. Convenhamos, boa parte de seus concorrentes eram muito melhores. E Hooper? Sua direção pouco atrativa quase não acrescenta a história que é conduzida com competência, mas sem qualquer ousadia ou destaque. O diretor cria planos comuns, é excessivo nos travellings e cadencia um ritmo o qual por vezes nos esgota (principalmente quando relacionados ao tratamento proposto).

O destaque fica por conta das atuações e do design de produção.

O Rei George VI vai em busca de um tratamento e encontra o fonoaudiólogo Lionel Logue cujo método nada ortodoxo é visto a princípio com olhos desconfiados, se convertendo logo após numa relação quase analítica transformando a dupla em confidentes íntimos. Essa relação se dá organicamente, mérito não só do roteiro bem amarrado de David Seidler, mas dos atores que compõe grandes personagens como Geoffrey Rush vivendo Logue, o ator credita uma performance cômica e diligente ao fonoaudiólogo enquanto Colin Firth entrega uma atuação deslumbrante vivendo o protagonista. Suas falas nos angustiam com a gagueira lhe acometendo como um transtorno e perceba que não nos identificamos apenas com seu problema, mas com seus gestos e bondade, evocando um personagem muito maior que aquele que sofre por gagueira, mas também por outras angústias lidando com elas com uma naturalidade cativante.

Há quem atire pedras por não mencionarmos Helena Bonham Carter, indicada ao Oscar por viver a Rainha Elizabeth, esposa de George VI, responsável direta pelo tratamento do marido. Carter oferece um desempenho bastante diferente do que estamos acostumados a conferir, sobretudo em relação às obras do marido Tim Burton – e isso talvez tenha sido determinante para sua indicação. Já o que deslumbra nessa obra de Hooper são seus artifícios técnicos, a recriação de Londres na década de 30, estonteante. O figurino correspondente e a trilha fortalecem ainda mais a obra poderosa do ponto de vista técnico.

O cinema emociona e provoca, é sua função e ele é extraordinário por isso. Este “O Discurso do Rei” visa muito mais a emoção, empolga e inspira como outros filmes fazem. O diferencial aqui é a realização coesa, o que explica tantos elogios, mas para vencer o Oscar de melhor filme e melhor direção era preciso muito mais.