quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Proseando sobre... O Despertar



Mais um filme com temática de espíritos provém do Reino Unido. “O Despertar” começa com um anúncio, não sobre a possibilidade de tudo ser real, como em obras recentes, também não enfatiza uma adaptação de um caso verídico, como outros filmes tentam nos fazer engolir. Esse se adequa a um momento histórico, o pós primeira guerra mundial onde milhares morreram, seja em conseqüência da própria guerra ou pelas doenças que assolaram a Europa. Foram anos em que a indefinível quantidade de perdas rendeu uma grande demanda daqueles que não aceitaram as mortes e procuraram, a todo custo, buscar contato. Daí surgiram os charlatões sensitivos faturando em nome da crença o que, ainda hoje, é encontrado em várias esquinas.

Porém na época, segundo a história, havia alguém para desmascarar isso. Florence Cathcart faz um tipo de investigadora de casos sobrenaturais, desvendando falsas manifestações e jogando para a polícia uma lista de impostores. Com um grande equipamento, ela viaja a procura dos fantasmas, costumeiramente indutiva e cética quanto à existência desses. Ela também é muito famosa no país por ter escrito um livro que desmistifica tais aparições. É quando recebe um convite para ir até um casarão que abriga meninos por afirmarem que lá vive um fantasma real que a história toma um rumo fazendo-nos acompanhar a investigação de Florence, certa de que iria encontrar alguma criança dona de brincadeiras assustadoras. Mas há uma história por trás disso a se considerar, ainda mais pelos pequenos detalhes que o filme expressa a seu público. Alguém morreu lá.

Durante um ato, dois personagens jogam paciência. Dizem que as peças precisam se encaixar, todavia, para isso, é preciso da tal paciência. Uma mera brincadeira lingüística feita com a intenção de fazer alusão à história sombria. Estamos frente a um casarão cheio de portas, com quadros aterrorizantes e crianças amedrontadas. O clima frio e a fotografia escurecida tendenciosamente ao cinza dá a impressão de ameaça e tristeza, sentimento compartilhado por todos os personagens, alguns solitários, outros com memórias malditas e até aqueles com um passado esquecido diante um evento brutal.

O universo concebido pelo diretor estreante em longas metragens Nick Murphy mistura elementos de filme de suspense com investigação ao estilo clássico presente na literatura, sobretudo de Conan Doyle. As sutilezas da trama dão um ímpeto misterioso à trama que brinca com sombras e sustos, muito sustos, alguns bastante funcionais – a cena num lago é especialmente inspirada. Os recursos de sua heroína, vivida com beleza e frieza pela inglesa Rebecca Hall (de “Vicky Cristina Barcelona”) dão um tom de ocultismo e isto prevalece na história até seu ato final, demasiadamente prolongado. Esta postura cautelosa que insiste em manter é quebrada em poucos momentos, quando percebe no outro uma fragilidade que é sua – seja na mutilação de Robert Mallory (Dominic West); ou na solidão do pequeno Tom (Dominic West). A dissociação proveniente desses eventos é denunciada num clímax semelhante a obras análogas, como em “Os Outros” de Alejandro Amenábar. Impossível não se recordar deste.

Tenso do ponto de vista dramático e visivelmente ansioso em explorar suas surpresas, o longa segue um ritmo que por vezes até empolga, mas vai perdendo a força. Quando, desta maneira, nos deparamos com as revelações, a gana pela resposta já é bem controlada e a obra com bom potencial de se tornar alguma referência recente dentro de filmes do gênero despenca. Porém a diversão existe da mesma maneira e ritmo que o atual e também inglês “A Mulher de Preto”, portanto com elementos narrativos mais espertos. Por exemplo o projeto daquele casarão estabelecido num quarto, onde pequenos bonecos são estranhamente posicionados indicando acontecimentos recentes, visto apenas por um observador onipresente. Sem fôlego, porém com atuações interessantes, destaca-se nisso a guardiã vivida pela expressiva Imelda Staunton, o filme se desenvolve até lugares comuns, emitindo lapsos de bons momentos, nos recordando de filmes que continham casarões amaldiçoados. Vale lembrar de “Amityville”, “O Iluminado” e a mini série “Rose Red”.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Proseando sobre... A Invenção de Hugo Cabret

 
Alguns filmes nos são mais do que comoventes, nos proporcionam o prazer de estar numa sala de cinema e perceber tudo que este nos proporciona, tanto em nas suas histórias quanto nos valores atribuídos em cada uma delas. Presente no imaginário social como arte do entretenimento e representação do dia a dia, o cinema que antes era visto como algo passageiro, tornou-se a principal representação artística, a arte do século XX. Sua origem é importantíssima, porém distante e desconhecida por tantos. Vários de seus primeiros filmes se perderam, um pedaço de sua história fora extinto. Nessa idéia, o gênio Martin Scorsese nos presenteou com uma obra que recorda o passado com carinho e sensibilidade. “A Invenção de Hugo Cabret” é uma homenagem singela a história do cinema. 

Um menino, Cabret (vivido pelo inglês Asa Butterfield da adaptação “O Menino do Pijama Listrado”), está morando sozinho numa estação de trem em Paris nos anos 30. É ele quem cuida dos relógios, assumindo as escondidas o ofício que era do tio alcoólatra. Antes de parar ali, vivenciou uma triste tragédia. Seu pai (Jude Law), um gentil e sonhador relojoeiro, morreu num incêndio antes de solucionar um curioso enigma. Ele lhe deixou um autômato cujo funcionamento de suas velhas engrenagens possivelmente esconderia uma valorosa mensagem, a qual o jovem acredita ser relacionada ao próprio pai. Motivado pela curiosidade, Hugo irá atrás das peças que faltam à máquina, e para chegar até elas, fará incríveis descobertas.

Apostando num visual encantador próprio de fábulas, Scorsese se aventura num solo novo em sua magnânima carreira. O diretor inevitavelmente demonstra pouca familiaridade com o universo retratado, abusando de artifícios costumeiros – a exemplo recursos oníricos e flashbacks contemplativos –, porém de inigualável qualidade técnica. A fotografia de Robert Richardson busca a composição detalhada daquele cenário iluminado e se atém a detalhes, como a exibição da imensa biblioteca ou a sala cheia de velharias de um vendedor. Com bom ritmo e cenas emocionantes, a narrativa escrita por John Logan a partir do livro de Brian Selznick faz referência ao passado homenageando um dos mais famosos precursores do cinema, Georges Méliès.

A importância da história do cinema é ressaltada através do apreço de seus fiéis fãs e realizadores. Na história, um homem coleciona alguns momentos da carreira de Méliès (Ben Kingsley), guardando filmadoras entre outros objetos do cineasta. Após a 1º guerra, boa parte das centenas de filmagens se perdeu. O papel do tempo é fundamental nessa narrativa – simbolicamente os relógios da estação em que Hugo passa as horas – enfatizando o valor inestimável que temos com ele. No percurso traçado em busca da resolução do mistério guardado no autômato, seguiremos as investidas do jovem protagonista ao lado de Isabelle (encarnada pela talentosíssima Chloë Moretz). Mergulhamos na história do cinema, seus primórdios com os irmãos Lumiere, as primeiras exibições, entre elas “L'Arrivée d'un Train en Gare de la Ciotat” e “Viagem à Lua”. A fantasia proposta ressalta o reconhecimento que temos de nós e o que deixamos, o preço da históreço da hist fazemos, o lta o reconhecimento que temos de nfelizcinema, ratado, abusando de artper relacionada a seu pai.almentria construída.

Um brinde a arte e a imaginação! “A Invenção de Hugo Cabret” é divertido e cheio de ótimas intenções. Soa a princípio como um filme infantil, porém transcende a suspeita logo em seus minutos iniciais, após a belíssima abertura onde adentramos no contexto da estação num plano único. O distanciamento das pessoas também é narrada, propondo os eventos com o mundo e como este sobreviveu – marcas da guerra são sempre mencionadas. A guerra está fincada e está, além de outros tantos lugares, na perna no inspetor (Sacha Baron Cohen, de “Borat”) que se mostra quase incapaz de se aproximar de uma moça (Emily Mortimer) devido aos empecilhos de uma prótese barulhenta. Fica a redenção e a possibilidade dos sonhos, da imaginação, dos livros e de nossa história, o que nós somos, o que fizemos e o dissabor do que, em algum momento, deixamos de fazer, sofrendo as consequências disso na memória.
 

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Proseando sobre... A Mulher de Preto


“A Mulher de Preto” é a nova aposta da produtora Hammer Films – dona de clássicos do horror –, um típico suspense que sustenta um terror britânico gótico, mas que muito se parece com outros que anualmente estocam as prateleiras nas locadoras com sustos fáceis, climão de casa mal assombrada e personagens amaldiçoados. Esse longa ingressou no cinema, não pelo seu conteúdo pragmático, tão vago e óbvio, mas pela presença de Daniel Radcliffe, a estrela de “Harry Potter” que agora, barbado, se aventura em outras histórias, sem dispensar temáticas sobrenaturais. É inegável o apelo popular que esse projeto de suspense embalado terá, os fãs do bruxo irão ver o ídolo e perceber que aquele personagem se desfez. Um outro rumo para o ator que provavelmente terá um caminho próspero na telona, já protagonizou filmes menores com certa eficiência, contudo permanece estigmatizado como o famoso bruxo.

Servindo como um catalisador de idéias ultrapassadas, o longa de James Watkins prioriza artifícios recorrentes em filmes de espíritos, desde a fotografia turva, névoa e um mistério com crianças mortas entrelaçado a sustos em demasia. Esses sustos, tão previsíveis, seguem uma fórmula básica: a interrupção da trilha sonora pesada e uma pausa para um provável sobressalto. Pronto, feito. Dito isso, seguem outras doses do mesmo, enlouquecidas tentativas de apavorar e um bocejo daqueles já acostumados ao gênero. É para comer a pipoca e tentar se divertir com a proposta da obra. Triste perceber que o filme é prejudicado justamente pelo que almejou promover.

Sem gerar surpresas, a produção aposta no talento de seu protagonista que carrega quase o filme inteiro, sempre com uma expressão rija, as razões são denunciadas numa cena inicial quando seu filho de 4 anos lhe mostra um desenho familiar. Acessamos um passado obscuro do personagem de Radcliffe, o advogado Arthur Kipps.  Sua feição, entre a esposa e a babá, é a única infeliz. Logo ele se esquiva e segue até o trabalho. A progressão dessa apresentação é rápida e sutil. Ele é incumbido, sob ameaças do chefe, a viajar e resolver problemas relacionados a uma mulher morta que deixara uma mansão após seqüenciais infortúnios. Daniel Radcliffe abandona Harry Potter e arrisca um horizonte não tão distante da fantasia que lhe consagrou, todavia apresenta indícios de um ator esforçado, tal como demonstrado em recentes trabalhos ingleses, como exemplo “Meu Filho Jack” e “Um Verão Para Toda Vida”.

Com tomadas que lembram à correria nos corredores do espanhol “O Orfanato”, esse “A Mulher de Preto” idealiza um mal presente, visto que sombras negras aos poucos apresenta a personagem que intitula o filme. Tudo acontece num casarão do século XVII. De lá provém uma maldição numa pequena província inglesa, distante de Londres. Um local aterrorizado pela morte trágica de várias crianças, explicada por alguns como obra de um espírito vingativo, e ignorado pelos arredios descrentes quanto a intervenções sobrenaturais. O clima estabelece conexão a obras análogas, sobretudo as realizações de Guillermo Del Toro tanto como diretor quanto produtor, próximo da já mencionada obra espanhol e também do ótimo “A espinha do Diabo”.

A ambientação é o relevo da trama, com uma estética apavorante que, conduzida de modo pouco inventivo por Watkins, termina desperdiçada. E pode-se perceber esse desvio da noção dramática realizada pela constância atemorizante, exagerando informalmente por razão nenhuma senão apenas apavorar. É como se o plot não fosse suficiente. Pecar pelo exagero é o preço que produções semelhantes pagam. Essa é outra vítima. O cenário interiorano inglês remete a uma sociedade marginalizada, comparada à aristocracia da época nas cidades grandes. Há um único carro no local, isso demonstra o mínimo avanço industrial que chegou até aquele território movido por crenças espirituais. E são essas crenças que motivam discussão na história, a partir de personagens absolutamente crentes quanto a uma força espiritual que sacrifica herdeiros entre outros que creditam os desastres ocorridos ao mero acaso.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Proseando sobre... Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres


É inevitável lidar com a ansiedade quando uma obra literária que gostamos é cogitada para ganhar uma versão cinematográfica. Essa ansiedade, por sua vez, não significa que seja sempre uma expectativa boa. Acrescenta-se a essa ânsia uma mutação desta obra proposta por seus realizadores, uma ótica distinta de um cineasta corajoso. Há quem tema pela conclusão, há quem se decepcione, como quase sempre ocorre em adaptações de livros para a telona. “Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres” pode ser considerado um remake de um filme sueco, a primeira parte de uma saudosa trilogia. Mas é, mais do que qualquer outra coisa, uma adaptação livre do famoso romance de Stieg Larsson. E mencionando unicamente os filmes, tanto a versão européia quanto esta concebida por David Fincher, não devem ser crucialmente comparadas, são equivalentes no ponto de vista narrativo, porém diferem na concepção e principalmente no resultado. Ambos, no entanto, são belos filmes, mesmo que distorçam sem medo – sobretudo o segundo – a história contada pelo escritor.

Um jornalista, Mikael Blomkvist (espertamente vivido por Daniel Craig), está em julgamento. Anda com problemas por difamação de um poderoso empresário em sua revista Millennium. Sem muito dinheiro, recebe um inusitado convite: escrever a biografia de Henrik Vanger (Christopher Plummer), um poderoso magnata. Mas isso é fachada, Henrik aposta na habilidade e nos métodos de investigação de Mikael para que esse descubra sobre um desaparecimento de mais de 40 anos, um caso aparentemente insolucionável, mas que ainda persiste numa esperança vaga de descoberta. O espectador é convidado a mergulhar num mundo de desordem familiar, religião, mentiras e nazismo, de uma maneira vívida como há muito o gênero não trazia. Os mistérios que circundam vêm acompanhados de uma trilha sonora sufocante e atuações magnânimas, especialmente de sua inusitada e primorosa protagonista.   

Mais do que qualquer outra coisa, e isso é um marco diferencial na carreira de Fincher, é notável perceber a sutileza com que constrói seus personagens. Através de planos breves, temos acesso ao ser humano presente nas figuras elaboradas. Acessamos assim o apreensivo Mikael Blomkvist com uma fragilidade tocante, isso pode ser conferido no seu pavor quando temeroso. Do mesmo modo, porém de uma maneira mais sutil, percebemos Lisbeth Salander (atuada por uma Rooney Mara mais do que fascinante) como uma pequena jovem imponente, dona de si, arredia ao exterior. Inteligente e jamais submissa, nunca se curva aos superiores, ganha uma ou duas cenas em que baixa a guarda, quando, por exemplo, demonstra todo seu afeto pelo tutor; outro momento, talvez o mais significativo, aquele em que come um lanche dirigido, normalmente, ao público infantil, o que sugere um retorno ao passado, evidentemente perdido.

Da mesma forma, Fincher concebe o universo onde se passa a história, uma espécie de ilha particular de uma poderosa família sueca. O vento às vezes surge como trilha daquele angustiado contexto, cujas pessoas distantes se ignoram, como se fossem meros desconhecidos. O clima também evoca um mistério, este abastece o filme e contribui para seu desenvolvimento dinâmico e esclarecido, apesar do excesso de informações. Nesse ponto, nos tornamos cúmplices da investigação da dupla Blomkvist/ Salander, com a agilidade da segunda contrapondo o raciocino fragmentado do primeiro. Ali estão inseridos os familiares em declínio, encabeçados por um desgastado líder, Henrik Vanger e um sobrinho, o gentil Martin Vanger (Stellan Skarsgård).

Permeado por uma atmosfera sombria, este mais novo trabalho de David Fincher tem um ritmo ágil, fazendo seus mais de 150 minutos passarem rapidamente. O trabalho de montagem influi no didatismo do longa, sempre seguro e pouco temente as suas investidas que contrariam a obra original. É o filme para consagrar Rooney Mara, despida de pudor e com uma habilidade contagiante na construção de sua Lisbeth, tornando-a incômoda, potente e absolutamente frágil, isso sem mencionar em sua composição oriunda de uma punk exibindo a tatuagem de dragão nas costas, essa que faz referencia ao título verdadeiro. É um trabalho impecável por parte da atriz e outro triunfo notável na filmografia de seu realizador. Fincher volta às origens sombrias tal como foram os velhos e brilhantes trabalhos “Seven” e “Zodíaco”.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Proseando sobre... J. Edgar

 
Clint Eastwood polemiza com uma biografia cuja força está na força do texto e nos atos de seus protagonistas, no caso, conheceremos um pouco da história de John Edgar Hoover, o homem que esteve à frente do FBI por mais de 30 anos. A carreira do famoso diretor nos é contada desde a reorganização da agência Bureau onde esteve envolvido até seus vários anos na direção do FBI. Fortalecido em ideais que não se restringem unicamente as suas ações de liderança, mas na aparência comercial de sua imagem, J. Edgar – como assinava – é um molde hipócrita de um ícone americano dada sua transformação visível na composição através dos anos – somos apresentados ao personagem em distintas décadas. Sua repressão quanto à opção sexual, o desenvolvimento científico em que apostou e seu legado denota uma carreira com aspectos brilhantes, no entanto pouco reconhecida em seu íntimo.

Com uma aparência magnânima, algo que sempre procurou mostrar em entrevistas e quando recrutava novos agentes, J. Edgar passou a vida em busca da exaltação. Segundo o longa de Eastwood, escrito por Dustin Lance Black a partir de relatos do próprio Hoover, o protagonista é demonstrado em dois pólos: um pela evolução das investigações no país, a partir da crença na ciência, como a inserção das impressões digitais facilitando a busca de suspeitos; e um lado obscuro, quando procurava enfrentar desafetos com ameaças graças a registros secretos com potencial de desmascarar boa parte dos governantes.

Fiel a sua equipe, especialmente a secretária Helen Gandy (Naomi Watts), uma recusa amorosa do passado, e Clyde Tolson (Armie Hammer), com quem viveu um amor reprimido, Hoover (muito bem interpretado por Leonardo DiCaprio) é um personagem contraditório, conservador, exibido pelas lentes de Eastwood de um modo arbitrário. Seu caráter é constantemente posto em prova com questionamentos por suas ações, isso salienta seus preconceitos e atitudes severas, todas questionáveis, como a obsessiva busca por um seqüestrador ou a perseguição aos bolcheviques.

A narrativa longa se desvia a diversos âmbitos, seja no profissional, este narrado com a ótica dos feitos de seu protagonista enquanto líder de uma poderosa organização – o que não significa que sejam feitos verídicos – e pessoal, explorando, sobretudo, a relação com sua mãe (Judi Dench), que num determinado ato profere que preferia ter um filho morto a um filho homossexual. O roteiro maximiza essa ligação entre ambos, propondo uma relação edípica. Ambos os vieses expostos são trabalhados através de uma linha do tempo misturando o início com o fim de carreira de Hoover. Eastwood até se dá o luxo de brincar com transições, como a cena do elevador em que a dupla vivida por DiCaprio e Hammer entram com aspecto jovial e imponentes para após saírem velhos e visivelmente desgastados pelo ofício. O trabalho de maquiagem acerta sem exageros a composição característica dos bons personagens.

A montagem é outro fator fundamental para a funcionalidade da obra, uma vez deixar o ritmo agradável e mesclando passado e futuro sem perder o foco, ou confundir o espectador. Eastwood tem em mãos um trabalho menor comparada a suas obras, mas a cima da média, trazendo novamente um homem áspero no protagonismo, com possibilidades de desagradar alguns públicos, como no ótimo “Gran Torino”. Vale como estudo de personagem, cuja megalomania marcante rendeu uma vida vazia do companheirismo que J. Edgar almejava, mas negava.
 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Proseando sobre... Um Dia


Outro romance de David Nicholls ganhou uma adaptação, essa roteirizada pelo próprio. Chega aos cinemas um expoente das aspirações românticas, daquelas que fazem os mais emotivos se desmancharem em lágrimas. O filme está longe de ser uma notável referência romântica atual – não que a demanda esteja boa –, mas também está a quilômetros de uma estupidez do tipo “Um Amor para Recordar”. “Um Dia” resplandece em emoção casual, exposição perceptível nas entrelinhas de sua trama sobre o desenrolar do relacionamento entre um casal central desigual, separados pela inconseqüência e planos futuros, cujas ambições os divergiam.

Protagonizado pela graciosa Anne Hathaway e pelo inglês Jim Sturgess, o filme retrata um breve momento tendencioso ao erotismo entre Emma e Dexter, com a primeira temente quanto a sua habilidade na cama com o homem, enquanto Dexter predisposto ao sexo e as curtições depravadas, admira com certo entusiasmo aquela garota diferente, inocente, temente e despreparada. Este encontro revela algumas características de seus personagens, as quais serão trabalhadas através dos anos, tempo em que testemunharemos os caminhos opostos do casal, ligados pela cumplicidade e amizade. Os seguiremos por mais de uma década, com altos e baixos, exibidos num dia, o fatídico 15 de Julho. Há pouco o italiano “10 Invernos” trouxe uma proposta bastante semelhante e talvez, com ressalvas, melhor desenvolvida.

Dirigido pela dinamarquesa Lone Scherfig, que há alguns anos filmou o ótimo “Educação”, esse “Um Dia” representa um retrocesso na carreira da diretora. Habituada ao desprendimento fantasioso e demasiado piegas que tanto se faz presente em filmes do gênero, nessa adaptação ela explora acontecimentos a partir de escolhas, caminhos trilhados sem sucesso, auges sem esforços e responsabilidades como foco para uma vida a dois, algo que o casal, em anos, não poderia obter devido as suas tão distintas trajetórias. Uma quer realizar alguns valores, é comprometida com a carreira e pretende escrever um livro; já o cara quer a vida fácil, fama, dinheiro e drogas. A tal curtição que o leva ao estrelato até quando se defronta com o tempo, seu algoz. Em um breve ato, uma alusão à dupla: a dualidade do Ying Yang.

A história de fato manjada ainda funciona, é uma fórmula tão usual que sustenta um público específico, ainda capaz de se emocionar em repetições com caras novas. Isso garante o entretenimento e a diversão de quem quer apenas uma experiência sensorial alternativa. Tem sua validade, sem dúvidas. Mas também é justamente por isso, por essa reciclagem descabida de outras obras – e não há quem não se recorde de “Cidade dos Anjos” num ato –, que o filme se revela uma fábula romântica difícil de levar tão a sério pela falta de novidades. Tem um bom argumento por trás dos desejos carnais vigentes, questionar os pequenos momentos da vida, às vezes vistos como sem importância, porém fundamentais. Essa moral acaba ficando de lado para a narrativa declarar sua predisposição ao trágico quase shakesperiano. O filme vale também, economicamente, a uma viagem nossa ao final dos anos 80 e por toda a década noventista, numa proposta de salientar o passar dos anos e perceber com nostalgia como foram as roupas, músicas, filmes e programas de tv, e como mudaram. Tudo se junta para deixar uma mensagem no ar: o Carpe Diem, as inevitáveis mudanças e os retornos ao quem somos, com restrições e responsabilidades para que o futuro não nos seja tão rigoroso.  


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Proseando sobre... Viagem 2 - A Ilha Misteriosa



Inspirado por clássicos literários de autores como Robert Louis Stevenson e Jonathan Swift, esse “Viagem 2 – A Ilha Misteriosa” parece não ser uma seqüência daquele “Viagem ao Centro da Terra” lançado em 2008. A começar, apenas o jovem Josh Hutcherson se manteve do elenco original. A história é totalmente nova, mas não menos inventiva. Essa segunda viagem ganhou um novo astro, Dwayne Johnson, substituindo Brendan Fraser. Os tempos são outros, e Josh vivendo o jovem Sean Anderson, possui aversões ao seu padrasto, Hank (Johnson), o que sugere um passado pouco amistoso entre ambos. Bastam alguns minutos e o filme afoito logo dá a receita para a união entre a dupla: uma viagem fantástica num lugar em que alguns acreditavam existir somente na ficção, em “A Ilha Misteriosa” de Júlio Verne.

Os músculos de Dwayne Johnson, o The Rock, pouco importam e dão espaço a um personagem bastante inteligente e surpreendente, um ex-militar da marinha especialista em códigos. É com esse talento que o cara ganha a atenção de Sean e resolve um enigma enviado pelo avô aventureiro do menino, vivido pelo ótimo Michael Caine de uma maneira entusiasmada. Mais alguns poucos minutos e os dois já estão em Palau, pagando em dólar para quem tope leva-los de barco até as coordenadas que dão em algum lugar oculto no pacífico. Resistências demonstram o perigo de se chegar até lá, até que Gabato (Luis Guzmán) aparece como voluntário de olho nas possibilidades financeiras. Junta-se ao trio sua filha, Kailani (Vanessa Hudgens), atordoando os hormônios de Sean.

Um cenário mágico logo surge e acessamos a imaginação dos autores de uma maneira hiper criativa, porém apressada. O diretor Brad Peyton demonstra interesse em explorar esses universos, mas tem pouco tempo e limitada habilidade. Seu senso espacial é absurdo, constrange pela incoerência, são vários os exemplos os quais aquela imensa ilha se reduz a poucos metros: o vôo com as abelhas terminando num mesmo lugar; ou a expedição de Gabato até o Vulcão. O pouco tempo não é o bastante para ignorar essas lacunas que impossibilitam o filme de ser minimamente crível, embora nosso compromisso imaginativo com a ficção estipulada seja testado em demasia nesta obra. Pequenos insetos, répteis e aracnídeos convertem-se em pavorosos monstros, enquanto outros grandes animais, como Tubarões e Elefantes viram seres minúsculos e nada ameaçadores.

A narrativa é bastante ágil e divertida, acompanhada de boas piadas e lapsos de bons momentos, no entanto é supérflua, pouco original e demasiadamente corrida. O grande ato, talvez, seja o reconhecimento de Atlântida, prestes a ser engolida pelo oceano. Cheio de explicações, entendemos informações em minúcias, como a leitura rápida de Hank durante a ilha que o torna um perito verneano, o caso amoroso desenvolvido entre o jovem e a musa teen – que aqui utiliza de atributos significativos para se tornar uma espécie de ícone adolescente. Se conseguir influenciar essa geração a procurar ler os autores citados, bem como estimular a imaginação a partir do universo fantástico sugerido, então o filme terá alcançado um grande objetivo que não só busca a exposição e os efeitos especiais, esses que aqui não estão tão atraentes.   


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Proseando sobre... Filha do Mal

 
Roteirizado pelos caras responsáveis pelo medonho “Stay Alive - Jogo Mortal” – e isso é algo suficiente para desestimular qualquer espectador a ir ao cinema –, esse “Filha do Mal”, novo exemplar do estilo documental, vem somar a uma leva de trabalhos medíocres sobre o assunto exorcismo. Propenso a sustos fáceis, o filme ignora a narrativa para se importunar com generosas cenas de exorcismo, levando ao público questionamentos religiosos e científicos como tentativa de solucionar os “surtos” numa abordagem sagrada, apropriando-se de sustos fáceis para vez ou outra funcionar com o público temente – os ossos deslocados das possuídas é o ápice da trama que pouco horroriza, anulando tomadas bem mais interessantes pela necessidade de se causar terror a qualquer custo.

A elaboração dos roteiristas e de seu diretor, William Brent Bell, quanto à justificativa de filmar os eventos é absurdamente pobre. Basta ignorar, é verdade. Mas uma garota sair de seu país, Estados Unidos, para fazer um documentário a respeito do passado de sua mãe assassina é algo que demônio algum nos faria compreender. Não só isso, seu objetivo se prolonga numa tentativa de compreensão da prática dos exorcistas na Itália. Para começar o longa, legendas nos avisam sobre a veracidade das cenas e supostas proibições da fita no Vaticano. Exorcismos não podem ser filmados, alguém explica. Quem engolir essa, aproveitará melhor a obra. A busca de respostas de Isabella Rossi (vivida pela brasileira Fernanda Andrade) é uma investigação quase obsessiva, cujas respostas perdidas no passado ganharam interpretações médicas com internação, remédio e isolamento.

Quadros psiquiátricos são levantados, explicações científicas dividem padres em aulas teóricas sobre exorcismos. Entre diagnósticos mensuráveis e suspeitas religiosas, o filme surpreende com uma discussão centrada, acompanhando, através da lente de um amigo, o oportunista Michael (Ionut Grama) e das indagações furtivas de Isabella, um duelo verbal a respeito da validade do papel do exorcista. O tema favorece o desenrolar do filme que ganha status documental pela pesquisa experimental aplicada, estendendo-se até um trabalho clandestino de dois padres, exorcizando às escondidas o que acreditam tratar de verdadeiras possessões demoníacas negadas pela igreja.

Essa ponte entre as divergências tradicionais com a necessidade de provocar temor no público é instantânea, não demora e as filmagens descambam unicamente na proposta do terror. E tome seqüências de horror com câmera em punho, exaltando o visual trêmulo de quem acompanha de perto e corajosamente as manifestações. Largar a câmera, jamais. Pena insistirem tanto nesse estilo de filmagem, sem profundidade e propriedade, seja lá qual tema se trabalhe. A finalidade usual do falso documentário está saturada, previsível e esquemática. Desde “Bruxa de Blair”, foram tantas as investidas no cinema que atualmente o gênero ganha aversão de seu próprio público. E pensar, também, que tratar o exorcismo nesse tipo de projeto fosse alguma novidade: contorcionismos demoníacos já foram registrados antes no banal “O Último Exorcismo”. Tão cedo não veremos algo comparado ao clássico “O Exorcista”.

A habituação da produção bem como a de seus personagens com as câmeras em volta são sintomas do confuso roteiro, externalizando dúvidas de seus protagonistas a respeito do que vêem ou esperam encontrar. A apresentação inicial, por exemplo, nos insere na trama através de imagens registradas por algum canal de televisão, mostrando a prisão de uma mulher após 3 pessoas serem assassinadas. Este ato lembra o início da refilmagem de “O Massacre da Serra Elétrica” onde um homem empunhando uma câmera entra num porão explicando sobre os incidentes com o Serial Killer, evidenciando marcas de violência no local. Outra cena que remete ao confuso trabalho de câmeras é a tentativa da protagonista de se adequar às máquinas montadas num carro. É a tradução da experiência equivocada de seus realizadores. 

Breves e bons momentos de pura tensão garantem, no mínimo, o ingresso da sessão, ainda mais para aqueles que buscam uma experiência masoquista. Encontrarão caso não tenham visto muita coisa do tipo. As situações são pouco inventivas e o elenco esforçado pouco acrescenta aos repetitivos acontecimentos. Tecnicamente limitado e com uma direção assombrosa, no pior sentido da palavra, a sensação de realidade não demora a se desfazer, deixando restos de um produto leviano, de intenções óbvias e competência questionável. Fica pior se o espectador espera dele uma lógica, um estudo de caso ou finalmentes arrebatadores. Parece óbvio, o é, e a fundo dessa obviedade, o filme ocasiona algum susto, breve tensão e termina como um resquício de mockumentarie, quase que debochadamente.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Proseando sobre... Cavalo de Guerra


Apostando em elementos banhados com um melodrama capaz de fazer os mais emotivos se desmancharem em lágrimas no cinema, Spielberg lança um filme sobre guerra trazendo como cerne um cavalo heróico. Tal personificação leva o espectador a comprar a idéia de que se trata de um molde ideal de um verdadeiro herói, exemplo para qualquer um, poderia ser qualquer outro ser: um cão, um camelo, um macaco ou o homem. Mas não, um cavalo, vítima universal dos conflitos na primeira grande guerra, o veículo mortal. O eqüino poderia ser apenas mais um dentre os milhares que morreram em combate, no entanto, ele significa algo mais. Têm um nome, Joey, e traz em si uma amizade distinta, uma cumplicidade contagiante e uma identificação que o faz um animal especial, diferenciado, destaque entre os semelhantes e que conquista a adoração por onde passa. O filme é referência, também, a longa jornada de quem sai de casa – como tantas pessoas em tempos de guerra – deixando a possibilidade de um encontro futuro na plena incerteza. Fica a promessa e o vazio. 

O arquétipo sugerido por Spielberg remete as intenções do diretor em contar a história de um autêntico herói, não só de guerra, mas da vida. Seu nascimento detalhado numa primeira instância revela no olhar de um jovem a esperança de que tal animal seja a solução dos problemas de sua família. O que está nascendo, afinal? Que perspectiva é posta em prova nessa idolatria visual? Nasce um ídolo – e este não está numa manjedoura. Daqueles campos esverdeados surge algo que irá mudar vidas, tempos antes da guerra definitivamente estourar. Baseado no romance de Michael Morpugo, “Cavalo de Guerra” é o trabalho mais sentimental de seu diretor, ao menos o mais descarado nesse sentido.

Num plano bucólico, retratando a paisagem rural fascinante, animais dividem o solo com homens e grandes plantações. Spielberg auxiliado por uma fotografia com alusões de longas de velho oeste retrata um mundo diferente do atual, sem grandes construções e indústrias que viriam a se erguer anos depois. São tomadas fabulosas, vez ou outra lembra Tara, de “E o vento levou...” com o pôr do sol deslumbrando. Entre fusões e atravessamento de objetos, hábito do diretor, o jovem Albert Narracott (Jeremy Irvine) nos é apresentado. Ele e seu cavalo, adquirido num leilão, são vistos com olhares de desconfiança quando sua família tem de arar a terra. Gozações sobre o porte do animal e a insistência do menino indicia o que o filme trará: surpresas e superações. É filme para família.

Em contraste com o universo exibido na primeira parte da projeção, a guerra acinzenta a tela e toda a beleza se esvai. Nesse percurso acompanhamos a jornada deste cavalo de fazenda, comprado por um soldado, resistindo às feridas e ao cansaço. Planos mobilizam o público através do sofrimento registrado pela câmera de Spielberg, acompanhando tudo com uma trilha sonora das mais emotivas. Sem grandes atuações de e uma mão nada contida de seu diretor no quesito narrativo, ele aborda sem densidade um filme de imenso valor moral. Algumas cenas ficarão na memória, destaque óbvio para a conversa entre dois soldados enquanto acabam com os arames farpados que prendem o cavalo de guerra. Nada econômico nas investidas dramáticas e com uma duração exagerada, esta nova concepção do diretor poderá decepcionar seus maiores fãs, no entanto é impossível ignorar seus bons artifícios técnicos que fazem da obra maior do que realmente é.