quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Proseando sobre... Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres


É inevitável lidar com a ansiedade quando uma obra literária que gostamos é cogitada para ganhar uma versão cinematográfica. Essa ansiedade, por sua vez, não significa que seja sempre uma expectativa boa. Acrescenta-se a essa ânsia uma mutação desta obra proposta por seus realizadores, uma ótica distinta de um cineasta corajoso. Há quem tema pela conclusão, há quem se decepcione, como quase sempre ocorre em adaptações de livros para a telona. “Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres” pode ser considerado um remake de um filme sueco, a primeira parte de uma saudosa trilogia. Mas é, mais do que qualquer outra coisa, uma adaptação livre do famoso romance de Stieg Larsson. E mencionando unicamente os filmes, tanto a versão européia quanto esta concebida por David Fincher, não devem ser crucialmente comparadas, são equivalentes no ponto de vista narrativo, porém diferem na concepção e principalmente no resultado. Ambos, no entanto, são belos filmes, mesmo que distorçam sem medo – sobretudo o segundo – a história contada pelo escritor.

Um jornalista, Mikael Blomkvist (espertamente vivido por Daniel Craig), está em julgamento. Anda com problemas por difamação de um poderoso empresário em sua revista Millennium. Sem muito dinheiro, recebe um inusitado convite: escrever a biografia de Henrik Vanger (Christopher Plummer), um poderoso magnata. Mas isso é fachada, Henrik aposta na habilidade e nos métodos de investigação de Mikael para que esse descubra sobre um desaparecimento de mais de 40 anos, um caso aparentemente insolucionável, mas que ainda persiste numa esperança vaga de descoberta. O espectador é convidado a mergulhar num mundo de desordem familiar, religião, mentiras e nazismo, de uma maneira vívida como há muito o gênero não trazia. Os mistérios que circundam vêm acompanhados de uma trilha sonora sufocante e atuações magnânimas, especialmente de sua inusitada e primorosa protagonista.   

Mais do que qualquer outra coisa, e isso é um marco diferencial na carreira de Fincher, é notável perceber a sutileza com que constrói seus personagens. Através de planos breves, temos acesso ao ser humano presente nas figuras elaboradas. Acessamos assim o apreensivo Mikael Blomkvist com uma fragilidade tocante, isso pode ser conferido no seu pavor quando temeroso. Do mesmo modo, porém de uma maneira mais sutil, percebemos Lisbeth Salander (atuada por uma Rooney Mara mais do que fascinante) como uma pequena jovem imponente, dona de si, arredia ao exterior. Inteligente e jamais submissa, nunca se curva aos superiores, ganha uma ou duas cenas em que baixa a guarda, quando, por exemplo, demonstra todo seu afeto pelo tutor; outro momento, talvez o mais significativo, aquele em que come um lanche dirigido, normalmente, ao público infantil, o que sugere um retorno ao passado, evidentemente perdido.

Da mesma forma, Fincher concebe o universo onde se passa a história, uma espécie de ilha particular de uma poderosa família sueca. O vento às vezes surge como trilha daquele angustiado contexto, cujas pessoas distantes se ignoram, como se fossem meros desconhecidos. O clima também evoca um mistério, este abastece o filme e contribui para seu desenvolvimento dinâmico e esclarecido, apesar do excesso de informações. Nesse ponto, nos tornamos cúmplices da investigação da dupla Blomkvist/ Salander, com a agilidade da segunda contrapondo o raciocino fragmentado do primeiro. Ali estão inseridos os familiares em declínio, encabeçados por um desgastado líder, Henrik Vanger e um sobrinho, o gentil Martin Vanger (Stellan Skarsgård).

Permeado por uma atmosfera sombria, este mais novo trabalho de David Fincher tem um ritmo ágil, fazendo seus mais de 150 minutos passarem rapidamente. O trabalho de montagem influi no didatismo do longa, sempre seguro e pouco temente as suas investidas que contrariam a obra original. É o filme para consagrar Rooney Mara, despida de pudor e com uma habilidade contagiante na construção de sua Lisbeth, tornando-a incômoda, potente e absolutamente frágil, isso sem mencionar em sua composição oriunda de uma punk exibindo a tatuagem de dragão nas costas, essa que faz referencia ao título verdadeiro. É um trabalho impecável por parte da atriz e outro triunfo notável na filmografia de seu realizador. Fincher volta às origens sombrias tal como foram os velhos e brilhantes trabalhos “Seven” e “Zodíaco”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário