quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Proseando sobre... Caça aos Gângsteres



 Bom elenco, bom argumento e o diretor de “Zumbilândia”. Não foi o bastante. Filmes de gângsteres são sempre atrativos pela representação e clima noir que costuma acompanhá-los com charme e violência. “Caça aos Gângsteres” possui tal charme e a violência, mas influídos de maneira passiva a história contada que se preocupa demais em explorar a caçada de um grupo de homens armados que precisam por fim ao crescimento financeiro de um gângster ex-boxeador na Los Angeles dos anos 40. O roteiro não se preocupa em trazer quem são seus personagens, pouco explorando mocinhos e bandidos. O maniqueísmo prático toma conta como num desenho animado. Ainda somos lembrados em seus créditos iniciais que tudo o que veremos é baseado numa história real, outro ponto para tentar despertar a atenção do público. 

A Los Angeles da década de 40 é bem remontada – vemos o letreiro Hollywoodland abrindo margem para a contextualização –, a produção também capricha no figurino e no visual esteticamente bonito. Pensamos: vai sair algo bom daí. Logo vem a história que não é ruim, mas insuficiente se tratando de um filme de máfia – os personagens são caricaturas de tantas outras obras. Abandonamos a boa impressão inicial para enfim acompanharmos uma caça como um gato perseguindo o rato, os bonzinhos liderados pelo durão, imponente, veterano e honesto Sgto. John O’Mara (Josh Brolin). Um herói, um herói que compartilha tantos feitos com os bons e dedicados colegas. Pela frente O’Mara terá uma dureza, Mickey Cohen (Sean Penn), temperamental e violento, pugilista aposentado que está com Los Angeles nas mãos.

Boa ação envolve o longa, embora nem sempre perfeitamente filmadas. Há algumas cenas bem dirigidas, especialmente a acontecida no ato final. Um tiroteio acontece na escadaria de um hotel – esperei ver um carrinho de bebê descendo cada degrau enquanto balas atravessavam rasantes sua volta. Opa, mas esse é outro filme. Inevitável recordação, há ainda outras. O gênero, por sua vez, não parece ser o forte de Ruben Fleischer, diretor que concebeu seu terceiro longa metragem, mostrando tudo o que aprendeu assistindo “Os Intocáveis”, “Los Angeles – Cidade Proibida”, “Touro Indomável” e “A Marca da Maldade”, não conseguindo se aproximar de nenhum. 

Ainda vemos Ryan Gosling e Emma Stone se pegando novamente após a comédia romântica “Amor a Toda Prova”. Ele vive um policial de caráter impassível, além de piadista – Mickey Mouse? –, tornando-se uma espécie de Watson para O’Mara; já Stone atua como uma professora de etiqueta de Cohen, marcando-se num determinado ato quando, voluptuosa, enche um vestido vermelho exibindo a perna numa fenda, desfilando frente a câmera. Cena interessante plasticamente, o que torna uma das únicas mulheres em cena numa musa perante os adversos, outro motivo de embate entre os bons e maus.      
  
A mando de Bill Parker (Nick Nolte), O’Mara reúne um grupo a fim de frear a expansão de Mickey Cohen que já dominava cassinos, o tráfico, a polícia e os políticos. Nomes como Robert Patrick, Giovanni Ribisi, Anthony Mackie e Michael Peña incham o elenco, oferecendo pouco com o tempo que tem em cena, sendo escalados com características cartunescas. A narrativa é escrita visando revelar os passos dos caçadores e o sofrimento do caçado que desconta sua ira com sangue. Sean Penn de baixo de uma pesada maquiagem pouco faz diante a expectativa de um ator de seu porte, enquanto Brolin segura bem a faceta homérica, sempre com expressão séria e tensa, carregando preocupações conscientes, sobretudo relacionadas a negligência com a esposa grávida. Pequeno belo – visualmente, volto a ressaltar – filme de gângsteres, aspirado por feitos, realizado sem inspiração.


sábado, 23 de fevereiro de 2013

Proseando sobre... Cirque du Soleil: Outros Mundos


Igualmente a concertos musicais exibidos no cinema atualmente em 3D, esse “Cirque du Soleil: Outros Mundos” segue o mesmo rumo, mostrando a arte circense de um dos circos mais impressionantes do mundo. Tentando fazê-lo funcionar como uma narrativa romântica, o roteirista e diretor Andrew Adamson investe num casal que se conhece por acaso durante uma apresentação. A garota, Mia (Erica Linz), observa um trapezista (Igor Zaripov) atuar num perigoso número. Antes de chegar a apresentação, a jovem encontra um sujeito pela frente que lhe aponta um destino. Logo adentraremos num plano de ordem onírica junto ao casal e testemunharemos os encantos fantásticos do Cirque du Soleil com seus números primorosos, ousados e belíssimos. 

O filme visa o entretenimento de encanto, fortalecido pela beleza das cores e dos atos, com humanos fazendo coisas fisicamente surpreendentes, empolgando o público que assiste estupefato a harmonia das apresentações. Tudo é muito belo, plasticamente chamativo e atraente pela novidade instigante, conciliada ainda com a boa tridimensionalidade trabalhada, que nos coloca no meio dos saltos, mergulhos e danças, como se estivéssemos participando de todo o espetáculo e seu aparato visual arrebatador. Todavia, a lógica narrativa é estranha. Tudo parece fazer parte de um sonho, desenvolvendo-se ilusoriamente, dispondo de uma sensação onírica extasiante.
   
Uma ópera circense, por assim dizer, é o que o espectador assistirá. Talvez o filme também se encarregue de ser uma peça publicitária bem montada, já que é quase inevitável não querer ir ao Cirque du Soleil e presenciar coisas semelhantes pessoalmente. Aos amantes de circo e da arte, a produção é imperdível. Há uma sequência ininterrupta de apresentações que se ligam enquanto o casal perdido não se encontra. Na magnitude desse espetáculo, o amor procura um caminho, alcança-o na arte. Belo filme de magia, ainda que pequeno enquanto cinema.  

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Proseando sobre... Django Livre



Ele conseguiu de novo. Tarantino agora trás uma epopéia western utilizando todos os recursos, referências e características de um legítimo faroeste. Chegou nos cinemas em Poços mais uma de suas extasiantes e competentes obras, “Django Livre”, violenta e sarcástica, referenciando um importante personagem ícone do westen do anos 60, “Django”, no caso e na época vivido por Franco Nero. Aqui o Django – com o D mudo, é preciso frisar – é encarnado por Jamie Foxx. A história é outra, trata de escravos. Django é um. Era um. Foi comprado pelo dentista caçador de recompensas Dr. King Schultz (Christoph Waltz) e tornou-se um mercenário em parceria. Juntos eles atravessam cidades atrás de cabeças que possam render-lhes algum dinheiro. Passam por um inverno sangrento, novas ambições chegarão na primavera. 

Vemos constantemente o horizonte tomado por um sol laranja que castiga campos desertos e cidades minúsculas buscando crescimento. Representa entre outras coisas o progresso dos Estados Unidos. Esse horizonte é posto em tela por Tarantino, tal como fragmento dos westerns os quais homenageia, e como destino de um cinema liberto de controle. O diretor explora isso, pois fala de si, transgride a forma comercial e concebe algo autoral, igualmente seus trabalhos anteriores, transitando por vários lugares e remodelando a fórmula comum. É bom demais acompanhar essa sua criação, sangrenta, despudorada e agressiva, tudo se conglomerando em tiradas cômicas. 

O rastro de sangue deixado pelos personagens protagonistas leva a um inteligível senso de direção que remonta a ótica tradicional dos filmes western. Não vão para o Oeste, mas para o Sul, onde residem milhares de escravos. Um apontamento nas cenas iniciais demonstra isso, um outro rumo para um novo contexto. Nele sobram deboches. Um deles, talvez o melhor, seja no ato em que um grupo da Ku Klux Klan improvisada e desordenada tenta por fim a dupla central, eles mal conseguem enxergar qualquer coisa com sacos na cabeça, no entanto se obrigam a usá-los como símbolo de algo que eles mal saberiam explicar o que é. Ouvem falar e fazem. Há também a cena em que um bolo branco está para ser servido, sobremesa atraente cujo sabor provavelmente é amargo. Negros escravos de brancos protestantes o colocam na mesa.    

Com personagens icônicos, o filme se desenvolve desequilibradamente. Sempre há algo a ponto de explodir. A coisa toda é tão emergente que em uma cena, por exemplo, um simples aperto de mãos ganha uma dimensão descomunal. Mise-en-scène, contexto, armas e olhares afunilam um ato. Não demora para a cor vermelha predominar. Spaghetti em composição e postura, falamos de um western atemporal, vislumbrando tempos de outrora com inovações narrativas e técnicas de filmagem simbiótica entre a característica autoral de seu realizador com os manejos de câmera dos filmes antigos, como os utilizado por gênios iguais ao Leone ou Ford. Já é o bastante para querer ver “Django Livre”, mas há muito mais. A trilha sonora que bebe da fonte clássica com instrumentos de cordas divide espaço com o rap. 

Famoso por criar grandes personagens, o diretor trabalha com ótimos atores, entre eles estão Leonardo DiCaprio num papel vilanesco já na segunda metade da projeção, e Samuel L. Jackson – voltando a atuar num filme do Tarantino – como um escravo condescendente a sua condição. E o que dizer do ato em que Django (Foxx) e o Django de 1966 (Franco Nero) dividem a tela numa conversa breve? As luvas brancas usadas por Nero remete diretamente as suas mãos feridas no final do clássico, provocando uma certa estranheza que se converte em nostalgia e satisfação por percebermos que o cara está ali, devidamente reverenciado. Pensando em todos os atores, nos recordamos de Christoph Waltz, um monstro em cena, engolindo todos os outros intérpretes. Em sua veia ainda pulsa um pouco de seu personagem Coronel Hans Landa de “Bastardos Inglórios”, porém dessa vez mais cômico e com um código moral própria que rivaliza com as pretensões narrativas. “Django Livre” termina onde quase todas as obras tarantinescas terminam: na vingança. Ou melhor, as obras começam com ela e acontecem a partir dela. Filmaço!


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Diário Cinéfilo: Asas do Desejo (Himmel über Berlin, Der, 1987)



Filme de amplitude ímpar, “Asas do Desejo” trata sobre o ser humano a partir de outra noção de mundo, numa hipótese bela e mágica, traduzida com sensibilidade pelo diretor Wim Wenders. Anjos caminham pela terra confortando vidas, as pessoas não podem vê-los. Um desses anjos deseja tornar-se humano para experimentar os sentidos da existência. Disposto a abrir mão de sua imortalidade, torna-se humano e passa a vagar pelas ruas a compreender o que antes lhe era uma mistério: as relações, as dinâmicas pessoais, o afeto e o amor; além de tratar em suma da finitude e do interesse pelo desconhecido. Passado em Berlim, o filme explana a cultura econômica e política através dos personagens humanos. Aqui compreendemos a visão tanto dos anjos quanto das pessoas através da câmera em movimento do cineasta, herança histórica do cinema alemão lá da década de 20. O mundo visto pelos alados vestidos de preto é compreendido em preto e branco, ao passo que o dos seres humanos é colorido. Há algo diferente nesse horizonte artístico proposto por Wenders, sendo subjetivamente compreendido. É demasiado arrastado, o que pode afastar alguns espectadores, mas não tira sua beleza. Culminamos, após tantas constatações, na visão desejosa do anjo Damiel (Bruno Ganz) que observa o treinamento de uma trapezista, a paixão assombra, o oculto se ilumina limpidamente e confusamente, como um cego que subitamente passou a enxergar.   


Direção: Wim Wenders
Elenco: Peter Falk, Bruno Ganz, Solveig Dommartin e Otto Sander