sábado, 31 de dezembro de 2011

Proseando sobre... Imortais


O cinema sempre adaptou mitologias e muitas delas sofreram com narrativas deturpadas, cujo propósito fosse apresentar versões distintas das fabulas, sacrificando o original a troco de potencial comercial. Este “Imortais” é o mais recente exemplo disso, dificilmente agradará admiradores de mitologia grega. O roteiro sabota as lendas, embora em alguns atos busque referenciá-las. A decepção só não é maior pela diversão proporcionada, ainda mais pelo 3D que, se não é exuberante, ao menos não é ridículo como em várias produções recentes. Esquecendo-se – se é que isso é possível – que a história baseia-se em mitos, a obra torna-se um interessante longa de ação-ficção cujos nomes dos personagens foram emprestados dos personagens gregos. 

Esteticamente impecável, a produção é caprichada, contando com aspectos técnicos empolgantes, entre eles a direção artística de Tom Foden marcando com sombras a guerra entre a humanidade sobre o olhar esperançoso dos deuses. Cenas recorrem à beleza paisagística da Grécia antiga retratada em obras medievais, o cenário gráfico impressiona juntamente ao figurino espalhafatoso, destacando-se nesse meio os deuses com suas armaduras douradas e os oráculos. Produzido por Gianni Nunnari e Mark Canton, dupla responsável por “300”, o longa conta com vários momentos que levam o espectador a recordar da obra de Zack Snyder, sobretudo da câmera lenta registrando combates coreografados num travelling vagaroso. 

No entanto, tantos artifícios artísticos empregados não são o bastante para encobrir a mediocridade narrativa, roteirizada sem nenhum compromisso com a veracidade dos mitos, o que, de certo modo, pode ser encarado como ofensa por seus mais fiéis apreciadores. Não é que tenha obrigatoriedade de ser idêntico ao conto, mas a trama deveria ganhar atenção. O desenrolar dela é insossa e preguiçosa, cheia de argumentos supérfluos para encaminhar uma ótica discutível a respeito dos interesses de seu herói. Teseu (Henry Cavill, o próximo “Super-Homem”) é transportado para outra história. Não sabe quem é o pai, ao contrário da fabula mitológica a qual indicava ser filho de Egeu, rei de Athenas. No longa foi treinado por Zeus em forma humana (John Hurt), o jovem que não teme o fracasso, a vergonha e a derrota, deve liderar o exército helenico contra o domínio do rei vingativo Hipérion (Mickey Rourke). Este está em busca do Arco de Epiro para libertar os Titãs aprisionados. 

A jornada de Teseu se dá após assistir a mãe ser assassinada. Escravizado, se rebela junto a outros escravos e encontra a Oráculo (Freida Pinto) que o adverte sobre um futuro infeliz. O arco dramático se faz nesse percurso com altas doses de ação, ondas gigantes e sangue esguichando. Buscando apoio em algumas alegorias, acompanharemos um duelo decepcionante contra o Minotauro no labirinto. O novelo de linha que marcava o direcionamento de Teseu no labirinto deu lugar a rastros de sangue. Tarsem Singh, diretor do bom “A Cela”, assumiu o projeto entrando na ode de obras análogas, como os recentes “Fúria de Titãs” e a adaptação literária de “Percy Jackson” – que não deu certo. Entre tantos embates, fica uma sugestão sobre crenças, intervenções divinas e o livre arbítrio. Soa gratuito e passional, e quando Athena (Isabel Lucas) clama a Zeus (vivido por Luke Evans) para que ele não abandone a humanidade, aí fica difícil de levar a coisa toda a sério.  

Com atuações convenientes, o filme desenvolve-se de uma maneira expositiva, pouco exigindo de seu recheado elenco. Henry Cavill não tem lá muita simpatia, mas não decepciona nas cenas de ação – um prelúdio ao que virá no novo Homem de Aço. Já a indiana Freida Pinto (de “Quem quer ser um Milionário?”) emula seu encanto notável, exibindo uma beleza divinizada numa cena de nudez. Já Rourke cumpre bem o papel de vilão, com ditados nada convencionais, violência amplificada e frutas mastigadas.  O restante do elenco pouco acrescenta encenando, pairando num tom consentido as pretensões visuais de Tarsem Singh.

“Imortais” é mais uma obra que se apóia em mitologias e decepciona em sua elaboração, porém inclui razoáveis conflitos capazes de deixar o público minimamente satisfeito – destaca-se a ira dos deuses num ato final – e um aparato técnico competente o bastante para glorificar o projeto pela experiência visual proporcionada. É a pincelada hollywoodiana funcional, buscando franquias quase às escuras, investindo num gênero tradicional para evocar novos seguidores. 


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Proseando sobre... Missão: Impossível - Protocolo Fantasma


Eis uma série que deu certo, Missão: Impossível chega ao seu quarto filme mantendo uma qualidade satisfatória e entregando, como nos anteriores, um entretenimento absurdo além de divertido. Operacional em todos os atos, até mesmo o espectador aversivo a exageros deverá tirar algum proveito do projeto. Há reais chances de ser acometido por uma acrofobia repentina diante do Burj Khalifa. “M:I-IV” é o que mais flerta com humor na série, garantindo não só um enérgico e funcional longa de ação, as vezes de tirar o fôlego, diga-se de passagem. É um filme com teor cômico aprazível, sem esforços demasiados. Há explosões, perseguições, saltos nas alturas, pancadaria e um Tom Cruise plenamente disposto ao caos e ferimentos.

Assumindo a cadeira que já fora de De Palma, John Woo e J.J. Abrams, Brad Bird das ótimas animações “ Ratatouille” e “O Gigante de ferro”, demonstra familiaridade com o projeto ao esboçar manejos de câmeras diferenciados. O Live-Action é a dele também. Ele traz o melhor ângulo das cenas de combate ao mesmo tempo que procura levar seu público para dentro da obra, ocasionando reações de espanto com profundidades sem o artifício da tridimensionalidade. Tecnicamente o filme é riquíssimo, produzido pelo próprio Cruise, portando aparatos futuros num vislumbre de vanguarda tecnológica.  

Para quem sentiu falta, Ethan Hunt está de volta. Libertado de uma prisão russa, o agente logo é informado pela IMF que precisa entrar no Kremlin contando com a ajuda de Jane (Paula Patton e seu decote) e o nerd atrapalhado Benji (o astro comediante inglês Simon Pegg de “Chumbo Grosso” e “Todo Mundo Quase Morto”). A primeira missão fracassa e a IMF juntamente a seus agentes são responsabilizados por um atentado terrorista, sendo posteriormente caçados. Por conta própria, Ethan usa o pouco – o que é muito – que lhe resta para se inocentar, contando com a ajuda de Brandt (Jeremy Renner).

O tabuleiro de Brad Bird conta com as peças ideais para qualquer filme de ação que não se leve muito a sério e que dê certo por isso. Caso do herói imponente, um parceiro igualmente competente, um alívio humorado no grupo e uma mulher sedutora fatal, no caso aqui, uma bela morena. Tais fatores fazem parte de uma multiplicação de fórmulas que, bem dirigidas, garantem um entretenimento convincente, potencialmente capaz de agradar vários públicos, não só pelos rostos bonitos em cena ou pela ação exacerbada que se delonga. O foco aqui é justamente esse, impressionar pelo incrível, algo que “O Procurado” falhou ou que “Transformers” e sua demanda masturbatória arruinou.  

No elenco ainda estão Michael Nyqvist da trilogia sueca “Millenium” e a bela Junie, a francesa Léa Seydoux. Ambos vivem vilões, e como é bom acompanha-los. “M:I-IV” é um tiro certeiro, inventivo embora dotado da síndrome hollywoodiana com seus blockbusters, no entanto aqui interessantíssimo e com algo a se contar sem se prender unicamente a esplendorosos efeitos. A narrativa branda é excursionista, Moscou, Dubai, Budapeste e Bombaim são os cenários luxuosos do longa, todas as cidades oferecem oportunidades para o desenvolvimento da ação com saídas inacreditáveis, o grande espírito da franquia.



domingo, 11 de dezembro de 2011

Proseando sobre... O Gato de Botas


O sucesso do gato de botas na série “Shrek” motivou um filme solo do personagem, contando suas origens e suas investidas românticas. A DreamWorks apostou e deu certo, constituiu um filme divertidíssimo com o gato ainda mais carismático e humorado. Aqueles impressionantes olhos grandes, redondos e piedosos escondem a habilidade de um caçador robusto empunhando espada, com um chapéu e calçando o famoso par de botas. Chris Miller de “Shrek Terceiro” é quem assumiu a direção, propondo uma trama antecedente o encontro com o ogro verde, tratando a infância do galã felino, o respeito pelo acolhimento de uma mulher num passado até uma traição que fez dele um legítimo fora da lei num meio western.

Os poucos 90 minutos englobam com energia uma narração sobre busca por redenção. Parte-se do pressuposto da dúvida conforme a idoneidade de seu protagonista, cometendo delitos e arrependendo-se graças a um golpe de sorte, ou melhor, a um gesto de heroísmo. Aí o estímulo ocasiona reviravolta e influi diretamente no ponto de partida do longa, o ovo Humpty Dumpty, um bullynado parceiro do gato de botas. Ambos cresceram juntos, no entanto seguiram caminhos opostos – muito bem explicados pelo roteiro – até uma conjunção fatídica anos depois, um tipo de acerto de contas, adentrando numa outra velha história: João e o Pé de Feijão. É típico da DreamWorks essas adaptações. Também estão nessa Jack & Jill.

Com aparatos técnicos competentes, e isso é visível em sua versão 3D abusando de profundidade, o diretor traz, mesmo que involuntariamente, resquícios de inspirações quase que inconscientes em suas boas cenas de ação: correria sobre telhados numa proximidade a “Ladrão de Casaca” até fugas em becos escuros. Há também a reverência a clássicos do faroeste, contexto habitado com clima e sotaque latino, estilo escolhido que possivelmente ganharia alguma espiada de gênios como John Ford e Sergio Leone.

O gato não está sozinho. Além de Humpty Dumpty, também pinta na história Kitty Pata-Mansa, uma gata habilidosa em furtos, atiçando duelos – inclusive dançando flamenco – e perturbando o felino ruivo galanteador. Os dois novos personagens não são avulsos, ambos ganham devida atenção dos roteiristas, dividindo espaço com o hilário protagonista, sem exceder piadas e desmotivando um provável romance carimbado. Todos emergem num ciclo cômico referente às suas espécies, apoiando-se em gags visuais – que ótima é a cena em que o gato de botas bebe leite num copo – e efeitos de câmera conciliadores ao ritmo ágil da narrativa.

Sustentado por um humor prático, “O Gato de Botas” está longe de ser uma das maiores animações do ano. Tem suas limitações narrativas, mas ganha pontos pelo saudoso designe de produção, reforçado pelas escolhas do diretor em trabalhar distintos tipos de filmagem, procurando explanar detalhes, valendo-se até de um slow motion contido, comparado a qualquer concepção de Zack Snyder. Miller não ousa alçar vôos mais altos, prende-se ao carisma natural de seus bons personagens e deixa rolar, imprimindo um charme característico relativo aos felídeos. É uma jornada em terra e nas alturas centrado no gato de botas atrás do ganso com os ovos de ouro, pensando que está riqueza possa enfim lhe libertar.  

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Proseando sobre... Operação Presente

 
A era moderna atingiu o poder da imaginação das crianças. Acreditar em Papai Noel tem sido cada vez mais raro. Mas o espírito natalino ainda renasce à medida que o 25 de Dezembro se aproxima com suas luzes, conservando na população uma singela projeção esperançosa, como se o significado do Natal pudesse ser atingido. Esse espírito popularmente costumeiro já foi tema de incontáveis filmes, e não tão cedo deixará de ser. E é sobre ele que o competente estúdio inglês Aardman apóia sua nova investida, trazendo o Papai Noel distribuindo presentes sob árvores para aqueles que lhe escreveram cartas confiadas e desejosas. Mas como conseguir dar conta de entregá-los a todas as crianças do planeta? Indagação óbvia que “Operação Presente” procura responder divertidamente.

O filme começa tomado por perguntas sobre o papel do bom velhinho e com a retratação dos dias atuais onde a internet mobiliza adultos e crianças. A casa do Papai Noel já foi insistentemente procurada no Pólo Norte através do Google Earth e nunca fora encontrada, será que ela existe mesmo? É uma das várias boas tiradas iniciais feitas por uma menina. Arthur (dublado por James McAvoy), o filho caçula do Noel, é quem armazena cartas. Atrapalhado, poucos acreditam que ele possa suceder seu pai um dia, ainda mais disputando com um irmão disciplinado e adepto de tecnologia de ponta, escondendo de baixo das geleiras um programa de monitoramento universal que causaria inveja no pessoal do Pentágono.

De narrativa leve e coesa, esta obra dirigida por Sarah Smith levanta aspectos de um verdadeiro filme de Natal, buscando num conflito familiar uma fonte de reestruturação em serviço da data – é material Capriano no melhor estilo moral. No caso, não se trata de uma família visando resoluções financeiras, psicológicas ou sociais, a confusão acontece no próprio Pólo Norte. O ofício do velhinho de barbas brancas é herdado por gerações. Fazem parte dela o avô centenário aposentado que usava trenó e renas como transporte; seu filho que assumiu os trajes vermelhos, mas esse já está prestes a entregar o cargo ao primogênito, Steve. Este é diferenciado, ordenado, cumpridor de metas e planos, apresenta-se como se preparasse para uma batalha. Ele comanda uma nave quilométrica juntamente a milhões de elfos, para atender a demanda de pedidos no planeta numa só noite. Neste contexto está Arthur, quase invisível.  

A animação não aponta perspectivas de riso fácil, embora lide com clichês. Poucos deverão realmente gargalhar com o projeto, porém é provável que todos – incluindo adultos – divirtam-se pela sugestão natalina dada no filme, uma vez priorizar a crença de seus protagonistas pela representação do Natal, um suspiro com os valores da época espalhados. Reside nesse âmbito uma crítica delineada a globalização, alcançando a família Noel, com os aparatos tecnológicos e uma Mamãe Noel viciada em internet. Parece que o sonho converteu-se em obrigação, perdendo o brilho tradicional, e isso é o grande tema que Sarah Smith conquista com seu projeto, ao propor um retorno à tradição valorativa do período, retomando o luzir e seu sentido. O ponto de partida dessa discussão é o esquecimento de uma menina na Inglaterra. Ela acordará e não verá seu presente enquanto outras crianças estarão comemorando. E quem se importará com isso sendo que quase 100% estarão satisfeitas? Ela é um número, um número desprezível, dada às estatísticas de Steve. 

Concebido num estúdio famoso por realizar sucessos em stop motion como “A Fuga das Galinhas” e “Wallace & Gromit”, esse “Operação Presente” se diferencia graficamente. Somos transportados a uma aventura natalina, fundindo o passado e o futuro por um ideal – como bagagem, a nave e o trenó, tão distintos, mas com propósitos comuns. Ainda difunde-se um discurso solidário, amoroso e gentil. Tanto altruísmo pode fazer com que alguns torçam o nariz, é compreensível, afinal trata-se da essência do Natal, com lapsos de seu simbolismo e críticas metafóricas do mundo atual. Os personagens construídos fortalecem tais metáforas, cada um tem uma função muito bem definida, como numa empresa grande – exemplificando, o Elfo embalando presentes com fitas ou o próprio Papai Noel que encara tudo como uma anual missão a ser devidamente concluída. Assim, perde-se sua constituição representativa e a origem do significado, transtornando a valia dos marcantes atos natalinos.