sábado, 29 de dezembro de 2012

Proseando sobre... De Pernas pro Ar 2



Eu poderia repetir o texto do primeiro filme acrescentando duras críticas, mas seria preguiçoso demais nem tentar especular o que a continuação do sucesso “De pernas pro ar” busca propor. Na verdade é bastante simples avaliar o objetivo do filme: faturar alto na bilheteria por conseguir trazer o mesmo público do original que deseja assistir novamente as peripécias de Ingrid Guimarães com sua Alice. A personagem tornou-se uma bem sucedida empresária, inaugurando a centésima loja de uma franquia de sex shop. As aspirações por grandeza continuam em ascensão, saindo do Brasil para o mundo: Nova Iorque, no caso. E para a resolução de seus conflitos bem como os do filme em volta de uma família em decadência moral e afetiva, tem-se um vídeo de infância o qual uma criança relata o que quer para o futuro. Essa criança é Alice, megalomaníaca.

Ingrid Guimarães é o que há de melhor no filme de Roberto Santucci que volta assumir a cadeira de diretor. Parece ser inimaginável outra atriz no papel principal dessa franquia comercial. É bem verdade que nenhuma teve a oportunidade de realiza-lo, certamente muitas fariam com gosto e louvor. No entanto nos acostumamos a ver Guimarães em cena, e embora às piadas sejam previsíveis, esquemáticas e esquecíveis, são melhoradas quando proferidas por essa atriz de talento para comédias. E por se tratar de um filme cuja temática seja inevitavelmente o sexo, me parece ser uma produção bastante econômica, visando  o público, lidando com uma censura menor. É ingênuo demais, sem aprofundamentos, apenas soluções. Supostas soluções.

Essa é uma história de situações inusitadas, impossíveis de se levar a sério. Naturalmente, esquece-se da realidade a partir do momento em que a sala escurece e a projeção inicia. O que vemos a partir de então são pequenos bons momentos inseridos num marasmo cômico. O arco dramático é dos mais enfadonhos, com personagens existindo unicamente para render uma piada no futuro, ou fomentar uma lógica narrativa das mais triviais. Caso de um beijo que se torna um possível adultério. E há ainda potenciais de recordação de outras obras do cinema, como a cena que remete diretamente a “Curtindo a vida adoidado” durante uma esquiva num táxi. Não fica claro se é uma referência em mesura ao clássico oitentista de John Hughes ou uma mera cópia descarada, visando recreação arbitrária. Acontecimentos usuais do cinema pastelão abarrotam quase toda a narrativa, coisas que já conferimos em várias vezes no cinema, como a cena do restaurante em que Alice precisa estar em duas mesas ao mesmo tempo, inventando as piores desculpas enquanto se embriaga.

Roberto Santucci que filmou o medíocre Até Que a Sorte Nos Separe” chega a sua segunda produção lançada nos cinemas em 2012. Carrega bem ambos os filmes, mas é sabotado completamente pelas péssimas idéias, ou melhor, pelo péssimo desenvolvimento delas. Pretensão de produtores? Subestimação de público? Mal gosto? Seja lá o que for, são filmes para passarem e serem esquecidos, uma memória distante de um sorriso disposto certa vez no cinema em um filme que mal se lembra o nome. Pensa-se a mulher moderna, uma mulher que consegue dar conta da saúde e da família devido o excesso de trabalho, uma moral estabelecida no primeiro filme, revisitada nesse e ignorada ao final. Lá se foi o ensinamento. No elenco ainda estão Bruno Garcia, Maria Paula e Eriberto Leão, acrescentando nulamente em diálogos tanto em português quanto em inglês. 


  

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Proseando sobre... Quatro Amigas e Um Casamento



Filme de comédia que bebe da mesma fonte de “Se beber, não case”, esse “Quatro amigas e um casamento” é um exemplar cretino de um gênero que vem se estabelecendo no cinema como uma extensão do popular besteirol americano. Absurdamente sem graça, esta comédia dirigida por Leslye Headland nada oferece com personagens enfadonhos, mais do que irritantes. O carisma da produção se afogou num copo de champagne barato. Se a moda é ser ridículo, então este é uma obra excepcional, pois transmite com seu roteiro infame todas as características desprezíveis de mulheres ordinárias. Mas o cinema é grande demais, importante demais para se curvar diante a pretensão de uma comédia que quer fazer rir através de situações ridículas vivenciadas por pessoas desagradáveis. Tanto desprestígio não é proferido por alguém arredio ao estilo, até porque não faz muito tempo que “Missão madrinha de casamento” me divertiu, trazendo a mesma fórmula de uma maneira áspera e devassa, no entanto com alguma dignidade sobre o que faz com seu escracho.   

3 belas garotas são convidadas para serem madrinhas do casamento daquela que outrora era alvo de gozações na época do colégio por conta da obesidade. O trio sente-se fracassado por se perceberem sozinhas enquanto a ex vítima de piadas está prestes a subir no altar com um cara legal. Taí o argumento que inspira a narrativa e motiva piadas grosseiras, o que não é um problema, pelo contrário. Essas piadas, por sua vez, são colocadas aos extremos da luxúria de garotas que preservaram a beleza desejando rodar as noites se divertindo com sexo e drogas. Aparentemente independentes, não demorará em se diluírem em lamentos graças aos passados românticos frustrados que a impossibilitaram de serem felizes. Mulheres, tão dependentes dos homens. É o que o roteiro escancara quase sem querer. E era para ser o contrário, mas...

A ruiva Isla Fischer, a morena Lizzy Caplan e a loira Kirsten Dunst formam a trinca de madrinhas que desconstroem a expectativa do casamento do título, com suas permanências se dando graças a um ciúme repulsivo inconsciente. Quantos as atuações: Dunst que vinha queimando a língua de muitos críticos graças a notáveis interpretações recentes como em “Maria Antonieta” e “Melancolia”, dessa vez rolou por degraus despencando sua moral enquanto uma talentosa atriz. Devo admitir que nunca acreditei em seu potencial desde o início quando despontou em “ Entrevista com o Vampiro”. Já Isla Fischer se molda como um típico objeto sexual masculino – e não estranhe em ver homens falarem sobre ela como se fosse um petisco. Já Lizzy Caplan é a dona das piadas obscenas, discorre a respeito de sexo oral com autoridade e tende ao desequilíbrio emocional, encontrando saída numa carreira de cocaína.

Depois de acompanharmos uma verdadeira jornada numa noite pré casamento abarrotada de infortúnios, o longa acaba se rendendo a melancolia, com suas personagens esgotadas em introspecção imediatamente após sobreviverem a uma série de desarranjos na madrugada que transitaram sobre o sexo furtivo, o desconsolo no passado, uma boate de strip-tease, sêmen e a tentativa de suicídio encarado com naturalidade. Tudo isso acontece por conta de um vestido rasgado. Ao final, o trio aprendeu muito, principalmente como ser submissa ao sexo masculino. Bom, talvez a idéia era mostrar o que não ser ou fazer. Até o canalhão da história, vivido por James Marsden, saiu com algum crédito. O filme é que não. 


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Proseando sobre... O Hobbit

Após tanto tempo de espera, de expectativa quase agonizante de alguns fãs, finalmente chega aos cinemas “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” nos levando, outra vez, a Terra Média. Isso, logicamente, nos transporta imediatamente ao universo esplêndido de “O Senhor dos Anéis” tão bem dirigido por Peter Jackson há cerca 10 invernos. O diretor retorna nessa nova empreitada. Bateu saudade, é oportunidade de matá-la. Não é só dessa terra que sentimos falta ao longo desses anos, mas também dos personagens que carinhosamente aprendemos a gostar. A surpresa é grande ao final, sobretudo para quem leu o livro: muito desses personagens retornam, posso adiantar. E esses não estavam na história original contada por Tolkien. Certamente há quem não vai gostar, especialmente os mais saudosistas. Diante este início de trilogia, – um esplendor visual inquestionável e narrativamente empolgante –, creio que o maior problema do filme, no sentido da crença pessoal de que poderia ser maior, é seu diretor. 

Constatamos logo na abertura que se trata de uma extensão de “O Senhor dos Anéis”. Há, obviamente, relação com a trilogia de Jackson, fundamentada pela inserção de Frodo (Elijah Wood) juntamente ao Bilbo envelhecido (Ian Holm), com o segundo contando sobre suas aventuras de outrora, igualmente ao visto anteriormente. A fórmula se repete provocando uma sensação de nostalgia. É bom para começar. É a história contada anteriormente não dita, a qual não somente Frodo tomará conhecimento, como todo o mundo. Isso é gigante, dada a magnitude criativa de seu autor, J.R.R. Tolkien. Portanto, imediatamente após presenciarmos situações que foram tão bem transpostas do livro para o roteiro, pensamos: 3 filmes? Onde isso vai parar? Algumas coisas são demasiadas delongadas e trabalhadas com empenho cirúrgico em proporções técnicas, o que pode acarretar esgotamento em espectadores pouco acostumados a filmes de longas durações, além de ser essencialmente previsível: temos ciência que muitos personagens irão sobreviver, afinal, estão em “O Senhor dos Anéis”. Tal fato prejudica a expectativa final.

Bilbo Baggins (Martin Freeman, irrepreensível) tem seu habitual sossego interrompido numa manhã por um velho barbudo, Gandalf (Ian McKellen), que lhe oferece uma aventura. Os diálogos e até as piadas do livro são seguidas a risca pelo roteiro, proporcionando alguma satisfação ao público leitor capaz de abrir um sorriso constatando que aquela velha e bela história está a sua frente, encantadoramente representada. Bilbo é informado que alguns anões lhe visitarão e em breve sairão para reaver um tesouro anteriormente roubado pelo poderoso dragão Smaug. Eles irão precisar atravessar terras para chegar até a montanha solitária. Esse percurso guarda riscos imensuráveis, mortais. Sair para uma expedição dessa dimensão não é feitio para um hobbit que preza a tranquilidade, cachimbos e bons banquetes ao longo do dia. Todavia, ao que parece, segundo explicações do mago, ele está destinado. Mais tarde 13 anões surgem em sua porta e causam um frisson na pequena toca atordoando o jantar do pequeno. Liderados por Thorin, escudo de Carvalho (Richard Armitage), o grupo pouco a pouco conta sobre o passado e discorre a respeito do futuro incerto que lhes aguarda. 

No meio do curso, ecoando canções inspiradoras que recordam quem são e o que deverão fazer, todos os pequenos aventureiros toparão com famintos trolls, violentos orcs, ferozes wargs, elfos – entre eles Elrond (Hugo Weaving) e Galadriel (Cate Blanchett) –, gigantes de pedra, goblins e o inesquecível Gollum (Andy Serkis, fascinante com trejeitos e expressões muito bem caracterizadas). O jogo de adivinhas entre Gollum e Bilbo é, talvez, o melhor momento do filme. Ainda aparece Azog, um orc branco, como um vilão específico dessa primeira parte, uma ressalva para ressaltar Thorin, transformando-o num guerreiro célebre, um líder a altura – com o perdão da palavra – do que os anões precisam. Thorin torna-se, finalmente, muito mais poderoso do que aquele apresentado na obra literária. E a rota até a montanha segue levando a jornada dos 13 anões e do hobbit que encontra no meio do caminho um anel que lhe dá a possibilidade de ficar invisível. E diante tantas desventuras, a salvação de Deus ex machina, conceito levantado por muitos após conferirem a obra arrebatada.

Tecnicamente é realmente impecável, poderoso, límpido. Não tive a oportunidade de assisti-lo em 48 frames, tecnologia inovadora do High Frame Rate trabalhada por Jackson nesta obra. Já a direção artística é vigorosa, constatar Valfenda em sua exuberância através da tridimensionalidade é uma experiência lisonjeira. A fotografia aliada ao 3D funciona bem, embora por vezes decepcionante, talvez pela pouca familiaridade do diretor com o estilo. Não é nada que comprometa a beleza exuberante de todo o filme. Desde a vila dos hobbits até as montanhas, conferimos o cuidado dos realizadores. Desde as transformações físicas dos personagens principais até os efeitos em batalha – destaque para o embate entre os gigantes de pedra –, o filme nos brinda com o que há de melhor alegoricamente. Já a história, ótima, ganha conotações que não lhe dizem respeito pela ambição de seu realizador querer fazer teimosamente uma ponte com sua obra prima, “O Senhor dos Anéis”. Essa gana desejosa comprometeu “O Hobbit”, o que me faz pensar que outro diretor, um pouco menos contaminado pela elaboração de Tolkien, pudesse fazer algo muito mais significativo, transformando esse trabalho em algo independente daquela saga do Frodo. Guillermo del Toro fora cotado para assumir a cadeira da direção e ficarei eternamente curioso para saber o que este admirável realizador poderia ter feito com esse retorno a terra média conciliada com sua ilustre criatividade sombria e fabulista. Ainda assim, é imperdível.


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Proseando sobre... Gonzaga - De Pai Para Filho



“Gonzaga – De pai para filho” é um bom filme enquanto homenagem a um dos mais importantes cantores do sertão nordestino, Luiz Gonzaga, e ao seu filho, Gonzaguinha. Honesto no que propõe – e isso obviamente é uma especulação a partir da narrativa assistida a respeito da vida turbulenta de ambos –, o longa que fora dirigido por Breno Silveira é didático, bem corrido e explicativo. Conhecemos a figura Luiz Gonzaga por sua importância no cenário da música popular brasileira, o que não conhecemos é sua intimidade, a sua pessoa humana distante do estrelato repentino que consagrou-lhe o título de Rei do Baião. Da mesma maneira acompanhamos Gonzaguinha em vários períodos, culminando num encontro futuro com o pai, rendendo um bate papo amargurado sobre o passado e seus desacertos, diálogo que rendeu essa bonita obra biográfica. 

Saindo de Exu, em Pernambuco, Luiz Gonzaga encontrou a fama após uma série de experiências pessoais, como a impossibilidade de efetivar um compromisso com uma garota rica e branca de sua terra; os tempos em que serviu o exército imediatamente após sair de casa fugido; e a fuga para o Rio de Janeiro, local onde encontrou um violeiro e juntos começaram a tocar em ruas e bares da capital carioca. Sem sucesso. Empunhando a sanfona, instrumento que tocava desde os tempos de menino, o pernambucano decidiu experimentar algo de sua terra para enfim, quem sabe, fazer sucesso, já que o público se rendia a novidades. Dali decolou. Do Rio de Janeiro para todo o Brasil. No Rio teve um filho após um caso romântico apaixonado com a bela dançarina Odaléia (Nanda Costa). Nasceu Gonzaguinha.    

O sertanejo que nunca abandonara seu estilo sofreu com as diferenças em terra distante, amadurecida, contrária a criação que recebera em terra natal. O diretor faz questão de exaltar essa diferença através da atribuição dos costumes de seu protagonista, sempre gentil e humilde, vivido com empenho considerável por Adélio Lima e Chambinho do Acordeon, que vivem diferentes fases da vida do cantor. Afetado pela idéia de homenagem que faz o filme por vezes se aproximar de um registro documental, a narrativa encontra o período mais significativo dos retratados, condizendo com a conflituosa relação com entre pai e filho, esse último que cresceu sem o carinho de Gonzagão. Gonzaguinha (Júlio Andrade) vivenciou a pobreza e a violência das ruas cariocas quando criança, cresceu sozinho, considerando outro homem como pai, rejeitando Luiz Gonzaga. Não acessamos completamente sua vida, mas temos informações o bastante para compreendermos seu ressentimento. Mérito da roteirista Patrícia Andrade.

Alguns recursos narrativos influem diretamente na qualidade da obra, para melhor, ou para pior. Vai do gosto do público. São exemplos disso a montagem de algumas cenas, retratos tirados em determinados momentos com os atores e posteriormente vemos a fotografia genuína; ou algumas imagens de shows fictícios, mesclados com registros originais. Temos esses dois extremos que novamente nos faz lembrar que tudo se trata, sem qualquer dúvida, de uma homenagem a essa dupla. No entanto, enquanto cinema, alguns se desapontarão pela obra se assemelhar em vários atos a um documentário passageiro, talvez algo feito para a televisão num programa de final de tarde de domingo. Ao final é bonito, é sincero. Até constatamos uma ponte em determinando instante com “O Homem Elefante” de Lynch. Uma referência ao passado ao observar uma foto, disposta de modo brando e emotivo por Breno Silveira que acerta o tom quando busca melancolia. Boa fotografia e trilha contribuem para o sucesso da empreitada. É o filme da vida do viajante bem resumido na composição de mesmo nome, imortal na cultura musical brasileira: “Minha vida é andar por esse país, pra ver se um dia descanso feliz, guardando as recordações das terras por onde passei, andando pelos sertões e dos amigos que lá deixei...”. Foi o que fez Luiz Gonzaga.