quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Proseando sobre... Django Livre



Ele conseguiu de novo. Tarantino agora trás uma epopéia western utilizando todos os recursos, referências e características de um legítimo faroeste. Chegou nos cinemas em Poços mais uma de suas extasiantes e competentes obras, “Django Livre”, violenta e sarcástica, referenciando um importante personagem ícone do westen do anos 60, “Django”, no caso e na época vivido por Franco Nero. Aqui o Django – com o D mudo, é preciso frisar – é encarnado por Jamie Foxx. A história é outra, trata de escravos. Django é um. Era um. Foi comprado pelo dentista caçador de recompensas Dr. King Schultz (Christoph Waltz) e tornou-se um mercenário em parceria. Juntos eles atravessam cidades atrás de cabeças que possam render-lhes algum dinheiro. Passam por um inverno sangrento, novas ambições chegarão na primavera. 

Vemos constantemente o horizonte tomado por um sol laranja que castiga campos desertos e cidades minúsculas buscando crescimento. Representa entre outras coisas o progresso dos Estados Unidos. Esse horizonte é posto em tela por Tarantino, tal como fragmento dos westerns os quais homenageia, e como destino de um cinema liberto de controle. O diretor explora isso, pois fala de si, transgride a forma comercial e concebe algo autoral, igualmente seus trabalhos anteriores, transitando por vários lugares e remodelando a fórmula comum. É bom demais acompanhar essa sua criação, sangrenta, despudorada e agressiva, tudo se conglomerando em tiradas cômicas. 

O rastro de sangue deixado pelos personagens protagonistas leva a um inteligível senso de direção que remonta a ótica tradicional dos filmes western. Não vão para o Oeste, mas para o Sul, onde residem milhares de escravos. Um apontamento nas cenas iniciais demonstra isso, um outro rumo para um novo contexto. Nele sobram deboches. Um deles, talvez o melhor, seja no ato em que um grupo da Ku Klux Klan improvisada e desordenada tenta por fim a dupla central, eles mal conseguem enxergar qualquer coisa com sacos na cabeça, no entanto se obrigam a usá-los como símbolo de algo que eles mal saberiam explicar o que é. Ouvem falar e fazem. Há também a cena em que um bolo branco está para ser servido, sobremesa atraente cujo sabor provavelmente é amargo. Negros escravos de brancos protestantes o colocam na mesa.    

Com personagens icônicos, o filme se desenvolve desequilibradamente. Sempre há algo a ponto de explodir. A coisa toda é tão emergente que em uma cena, por exemplo, um simples aperto de mãos ganha uma dimensão descomunal. Mise-en-scène, contexto, armas e olhares afunilam um ato. Não demora para a cor vermelha predominar. Spaghetti em composição e postura, falamos de um western atemporal, vislumbrando tempos de outrora com inovações narrativas e técnicas de filmagem simbiótica entre a característica autoral de seu realizador com os manejos de câmera dos filmes antigos, como os utilizado por gênios iguais ao Leone ou Ford. Já é o bastante para querer ver “Django Livre”, mas há muito mais. A trilha sonora que bebe da fonte clássica com instrumentos de cordas divide espaço com o rap. 

Famoso por criar grandes personagens, o diretor trabalha com ótimos atores, entre eles estão Leonardo DiCaprio num papel vilanesco já na segunda metade da projeção, e Samuel L. Jackson – voltando a atuar num filme do Tarantino – como um escravo condescendente a sua condição. E o que dizer do ato em que Django (Foxx) e o Django de 1966 (Franco Nero) dividem a tela numa conversa breve? As luvas brancas usadas por Nero remete diretamente as suas mãos feridas no final do clássico, provocando uma certa estranheza que se converte em nostalgia e satisfação por percebermos que o cara está ali, devidamente reverenciado. Pensando em todos os atores, nos recordamos de Christoph Waltz, um monstro em cena, engolindo todos os outros intérpretes. Em sua veia ainda pulsa um pouco de seu personagem Coronel Hans Landa de “Bastardos Inglórios”, porém dessa vez mais cômico e com um código moral própria que rivaliza com as pretensões narrativas. “Django Livre” termina onde quase todas as obras tarantinescas terminam: na vingança. Ou melhor, as obras começam com ela e acontecem a partir dela. Filmaço!


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