Apostando em elementos banhados com um melodrama capaz de fazer os mais emotivos se desmancharem em lágrimas no cinema, Spielberg lança um filme sobre guerra trazendo como cerne um cavalo heróico. Tal personificação leva o espectador a comprar a idéia de que se trata de um molde ideal de um verdadeiro herói, exemplo para qualquer um, poderia ser qualquer outro ser: um cão, um camelo, um macaco ou o homem. Mas não, um cavalo, vítima universal dos conflitos na primeira grande guerra, o veículo mortal. O eqüino poderia ser apenas mais um dentre os milhares que morreram em combate, no entanto, ele significa algo mais. Têm um nome, Joey, e traz em si uma amizade distinta, uma cumplicidade contagiante e uma identificação que o faz um animal especial, diferenciado, destaque entre os semelhantes e que conquista a adoração por onde passa. O filme é referência, também, a longa jornada de quem sai de casa – como tantas pessoas em tempos de guerra – deixando a possibilidade de um encontro futuro na plena incerteza. Fica a promessa e o vazio.
O arquétipo sugerido por Spielberg remete as intenções do diretor em contar a história de um autêntico herói, não só de guerra, mas da vida. Seu nascimento detalhado numa primeira instância revela no olhar de um jovem a esperança de que tal animal seja a solução dos problemas de sua família. O que está nascendo, afinal? Que perspectiva é posta em prova nessa idolatria visual? Nasce um ídolo – e este não está numa manjedoura. Daqueles campos esverdeados surge algo que irá mudar vidas, tempos antes da guerra definitivamente estourar. Baseado no romance de Michael Morpugo, “Cavalo de Guerra” é o trabalho mais sentimental de seu diretor, ao menos o mais descarado nesse sentido.
Num plano bucólico, retratando a paisagem rural fascinante, animais dividem o solo com homens e grandes plantações. Spielberg auxiliado por uma fotografia com alusões de longas de velho oeste retrata um mundo diferente do atual, sem grandes construções e indústrias que viriam a se erguer anos depois. São tomadas fabulosas, vez ou outra lembra Tara, de “E o vento levou...” com o pôr do sol deslumbrando. Entre fusões e atravessamento de objetos, hábito do diretor, o jovem Albert Narracott (Jeremy Irvine) nos é apresentado. Ele e seu cavalo, adquirido num leilão, são vistos com olhares de desconfiança quando sua família tem de arar a terra. Gozações sobre o porte do animal e a insistência do menino indicia o que o filme trará: surpresas e superações. É filme para família.
Em contraste com o universo exibido na primeira parte da projeção, a guerra acinzenta a tela e toda a beleza se esvai. Nesse percurso acompanhamos a jornada deste cavalo de fazenda, comprado por um soldado, resistindo às feridas e ao cansaço. Planos mobilizam o público através do sofrimento registrado pela câmera de Spielberg, acompanhando tudo com uma trilha sonora das mais emotivas. Sem grandes atuações de e uma mão nada contida de seu diretor no quesito narrativo, ele aborda sem densidade um filme de imenso valor moral. Algumas cenas ficarão na memória, destaque óbvio para a conversa entre dois soldados enquanto acabam com os arames farpados que prendem o cavalo de guerra. Nada econômico nas investidas dramáticas e com uma duração exagerada, esta nova concepção do diretor poderá decepcionar seus maiores fãs, no entanto é impossível ignorar seus bons artifícios técnicos que fazem da obra maior do que realmente é.
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