domingo, 29 de janeiro de 2012

Proseando sobre... 2 Coelhos


 Há perseguições, planos mirabolantes, efeitos especiais de respeito e estilo. Há games, hits inspiradores – especialmente a balada “Kings and Queens” do 30 Seconds to Mars à exaustão – e tecnologia. Também há espadas e piadas contidas. Parece um daqueles trabalhos de Hollywood com pretensão de levar milhares ao cinema, proporcionando divertimento com tomadas alegóricas. Mas não é, ao menos não proveniente dos Estados Unidos. “2 Coelhos” é um grandioso trabalho do nosso cinema, dito isso, afirmo que me refiro ao ponto de vista técnico, alcançando desta vez um nível impressionante.

Um homem quer fazer justiça buscando acertar 2 coelhos numa cajadada só. Bandidos e políticos corruptos: eis os alvos de Edgar (Fernando Alves Pinto). A trama o segue, ele planeja um ataque contra alguns homens envolvidos com a criminalidade paulistana. Nesse meio estão o líder de uma quadrilha, Maicom (Marat Descartes, ótimo em cena), defendido por uma funcionária do ministério público, Julia (Alessandra Negrini) junto com o apoio do deputado Jader (Roberto Marchese). Há uma dívida perdurante durante todo o longa, traindo a visão dos espectadores com frames a respeito da sucessão de acontecimentos, onde flashbacks trazem breves explicações. Cheio de cortes, a montagem é esperta e cadencia um ritmo virtuoso.  

O roteiro e a direção ficou a cargo do estreante Afonso Poyart, indubitavelmente empolgado, traz artifícios diferentes e encaixa tudo em seu universo pretensioso, mas não menos interessante. O modelo de direção é claramente inspirado em Guy Ritchie com sua ironia e elaboração de personagens – evidência na cena da apresentação dos personagens –, e Jon Favreau com pirotecnia e bom humor. Se delonga um projeto altruísta, cheio de segredos revelados em doses, com aspirações para impressionar céticos do estilo vigente. E para não se tornar apenas mais um exemplo de cinema de gênero tupiniquim, como acontecido no fraco “Assalto ao Banco Central”, uma subtrama é inserida com propósitos comoventes, centrada no carrancudo Walter (Caco Ciocler). 

Temos nessa obra que deverá ganhar espectadores com o marketing do boca a boca planos de ação que relembram os mais enérgicos enlatados hollywoodianos, o que não deve ser visto como algo negativo, uma vez a produção impecável priorizar esse vício frenético para elaborar um filme movimentado, cuja narrativa facetada seja um benefício para a trama fazer uma instigante crítica social. A ação é rebuscada, por vezes carregada numa maquinação plástica herdada de cineastas como Zack Snyder e o quimérico J.J. Abrams. A cena de abertura ressalta enfaticamente o que se poderá esperar do filme, um acidente fatal, transgredindo uma cena visualmente bela reforçada por uma trilha poderosa que em outros momentos se repetirá. 

Num país em que o cinema sofre preconceito dos próprios habitantes, algumas obras não ganham à atenção merecida, algo para se lamentar profundamente, dada a grande qualidade e variabilidade de gêneros que possuímos. Se notávamos o cinema de temática adolescente ganhando força nos últimos anos, agora constatamos alguma força em trabalhos de ação, mesmo que com influência demasiada de produções estadunidenses. Inevitável. Esta obra de Afonso Poyart é um exemplo empolgado de um cinema brasileiro diferenciado posto ao público, de grande qualidade técnica, e o mais importante, longe de ser comparado aos sucessos nacionais de humor duvidoso que saem ano após ano. Iguais e melhores que “2 Coelhos” temos aos montes no nosso cinema, mas não são encontrados por puro preconceito e pela falta de divulgação dos títulos. Não é exagero, temos um dos melhores cinemas do mundo, pena ainda não ter sido descoberto pelos próprios brasileiros.

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