sexta-feira, 4 de março de 2011

Proseando sobre... Um Quarto em Roma



Duas mulheres desconhecidas se encontram numa noite e caminham juntas. Uma espanhola e outra russa atravessam as ruas de Roma alcoolizadas contando sobre suas vidas e frustrações. Um convite favorece a continuidade desse papo, o de entrar no hotel de uma e seguir adiante com aquela curiosa relação já estabelecida que estranhamente caminha bem. E quanta surpresa aguarda essas duas, descobrindo na outra um reconhecimento sobre seu papel de mulher, especialmente Natasha (Natasha Yarovenko), que embora negue a relação com alguém do mesmo sexo, termina manifestando uma sexualidade reprimida, até então desconhecida, emergida graças ao interesse pela sedução de uma desconhecida, a espanhola declarada homossexual de nascença, Alba (Elena Anaya). Este é “Um quarto em Roma”, novo trabalho de Julio Medem, sem economias na libido e na arte. 

Há uma limitação espacial em seu projeto: o filme é rodado quase que inteiramente dentro de um quarto com brevíssimas exceções exteriores, como a rua que dá para o hotel e o corredor. As duas mulheres, uma vez entregues ao interesse, por vezes se confundem dentro do quarto escuro e indagam suas vidas com fantasias. Elas se descobrem. Há muita defesa por parte de Natasha. Essa conta sobre uma irmã gêmea e uma frustração familiar envolvendo-a; a outra conta histórias, idealiza sua vida a partir de representações e faz confissões sobre sua sexualidade e um relacionamento antigo finalizado por uma tragédia. A incerteza toma conta da dupla e do espectador.

Na cena, Medem compõe um quarto tomado por quadros e insere as mulheres nessas molduras, transformando-as em estilizações do cenário. Nota-se as diferenciações entre as duas que declaram uma a outra suas angustias. Algumas cenas no quarto opõe as garotas como se pretendesse adaptar um confessionário onde verdades começam a se manifestar a medida que a relação íntima se desvela – as cenas de sexo entre elas parecem uni-las num só corpo e se desdobram em poses compondo juntamente as molduras e as esculturas uma união de corpos em êxtase. A Vênus de Milo ao lado incita a representação do que aquele ambiente está se tornando. A função masculina na história é esquecida. Sua única reprodução se dá com um funcionário do hotel interessado nas mulheres após descobrir o que faziam ali naquela noite.

Há algo mais consumindo as garotas: o amanhã. Uma teme por seu nome e futuro; a outra almeja uma continuidade e espera pelo amanhecer, considerado por ela tão importante. A linguagem proposta por Medem, que aqui também é roteirista, explana uma relação de descoberta – o prazer carnal encontrado por Natasha dá lugar a experimentação. Há um universo travestido nesse quarto em Roma, nessa escuridão silenciosa. O rompimento dessa mudez narrativa se dá não na conversa entre as mulheres, mas nos gemidos de prazer que se delongam e exaltam na noite, numa empolgação romântica que compete com a trilha sonora suave. As atrizes à vontade não se inibem ao ficarem nuas em frente a câmera e transformam as cenas de sexo em alegorias dramáticas num filme que pode ser melhor compreendido enquanto um desenho artístico. As intenções do roteirista/diretor são duvidosas. As tomadas podem ser confundidas como planos voyeurs aos espectadores leigos sobre o que se trata o filme, e deverá morrer nas prateleiras como um aperitivo erótico lésbico cuja função cinematográfica não fora alcançada.

Spoiler (não leia caso não tenha visto)

O final é iluminado. Termina com o amanhecer o qual para Alba tanto importa e as coisas se resolvem. Mas há uma mudança significativa na vida dessas duas, e tal representação fica evidente ao hastearam o lençol como uma conquista pessoal. Este ato revela ao espectador uma nova posição a qual as duas se encontram após a quase interminável noite de amor e resoluções, e não precisa terminar o filme para prevermos. Se Roma naquela que seria a última noite das duas na cidade mudou as perspectivas e talvez destino de ambas, criou também um Amor, como a palavra ao contrário sugere. 


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