Com potencial para causar polêmicas, o polonês Shameless (Bez wstydu,
2012) suga dois pontos muito abrangentes pra contar sua afável história
de amor: o primeiro é o neonazismo, com um grupo de jovens carregando a
ideologia e praticando seus costumes com violência e caracterização; o
segundo é relativo ao incesto, escancarado e não como sugestão como em
tantos outros filmes, o que dá margem para muita reflexão sobre razões e
negações sociais dentro de uma ótica cultural mundial. Nesse filme
dirigido por Filip Marczewski, a rivalidade em distintos âmbitos parece
dar forma a narrativa, colocando grupos, crenças e amantes frente a
frente, centrando no jovem Tadek (Mateusz Kosciukiewicz) que fora morar
com a irmã e encontrou decepcionado o namorado da garota, a quem
declarou oposição.
Para contar a história, o diretor decidiu fazer uso
da câmera a partir do ângulo de visão do rapaz, sempre buscando seu
olhar e o que ele vê, como um voyeur admirando a irmã em casa. Às vezes
ela usa roupas curtas, em outro momento está dormindo ou tomando banho, e
há outros em que ela se despe e a porta fica semi-aberta. Com um viés
erótico, Marczewski investe na libidinagem da mulher, constituindo uma
espécie de atração confundida com interesse. Tadek olha, disfarça, olha
novamente, vira os olhos como se pensasse que isto não está certo e
novamente observa se entregando, irrompendo com seu vislumbre cobiçoso.
Ela, Anka (Agnieszka Grochowska), por outro lado, se esquiva, talvez
como defesa por suas representações internas, ainda sem compreender as
intenções do irmão.
A ternura por parte da garota frente ao anseio de
Tadek é bem narrada, administrada por uma pulsão de reciprocidade, algo
veiculado ao passado de ambos. Quem é protegido, é amado. Sedutora
conscientemente e inconscientemente, encara o tabu com surpreendente
naturalidade. Passamos a compreender melhor essa íntima relação quando
acessamos através de fotos e diálogos evocativos suas infâncias e
proximidades. O aspecto de criação é exaltado economicamente, com
amarras simbólicas concernentes ao “não deve fazer” ou ao “não é certo
fazer”. A questão sucumbe ao desejo e libera-se o fervor sem culpa. Um
sorvete de pistache aparece como símbolo afetivo da infância entre os
irmãos. Vale a sugestão: Hemel (idem, 2012), também exibido na mostra, trata do incesto numa ótica diferente.
Paralelamente à história dos irmãos, um grupo
neonazista que tem como componente o namorado de Anka está sempre
perseguindo os comunistas e ciganos, questionando a todos e dominando a
cidade politicamente. Tadek vai contra tais princípios, ficando ainda
mais arredio quando conhece a bela Irmina (Anna Próchniak), uma jovem
cigana que viu o rapaz chegar na cidade após este saltar de um trem, e
subitamente se interessou afirmando fantasiosamente que ainda ficariam
juntos. Sua diligência e delicadeza traz outro questionamento ao rapaz
que se atrai pelos encantos e costumes da moça, embora sem a mesma gana
febril que tem pela irmã. Os interesses de Irmina também são outros: ela
quer um lugar fixo e estudar, se tornar médica, sonho visto com deboche
pelos familiares e outros pretendentes. Eis um outro embate proposto na
narrativa.

* Crítica publicada originalmente em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2543
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