Gênero difícil de trabalhar esse
de terror, especialmente quando relacionado a possessões demoníacas, já que
muito já fora feito e relativos sucessos conquistados, ainda com a sombra
comparativa ao clássico imortalizado, O
Exorcista (Exorcist, The, 1973). Se há muito pouco o que se inovar, então
que seus clichês sejam tratados com alguma astúcia e que a história os tenha a
seu favor narrativamente, e não como o típico mais do mesmo esgotado que
funciona com os desacostumados. O anúncio de que se baseia numa história real
vem como o prenúncio da possível existência do fato. Nunca fora comprovado.
Ainda assim é o bastante para atrair olhares e motivar alguns curiosos a irem ao
cinema conferir um dos mais custosos trabalhos dos famosos demonologistas (?) Ed
e Lorraine Warren. De quebra ainda há a lembrança de um dos casos mais
discutidos da dupla, o da apavorante boneca Anabelle.
Lembrado geralmente por iniciar a
febre Jogos Mortais (Saw, 2004), o
diretor malaio James Wan entra na onda do sobrenatural pela segunda vez em
poucos anos. Ele já tinha proporcionado uma experiência diferenciada em seu
longa anterior, o competente e assustador Sobrenatural
(Insidious, 2010) – que ganhará uma sequência ainda este ano –, demonstrando o quanto poderia ser promissor em
filmes de horror. Com esse Invocação do
Mal, provou que é uma boa aposta para um estilo desgastado. Ele dirige um
filme de gênero definido e investe em nuances sombrias aterrorizantes, sem o
uso exaustivo da trilha ou das sombras que oferecem espantos repentinos os
quais praticamente prevemos antecipadamente. Seu trabalho de câmera, ora
subjetivo, ora objetivo, é bem sucedido. Ele passeia pelos corredores e
encontra guinadas em alguns planos específicos sem cortes. É visualmente atraentíssimo!
A dupla central que encarna o
casal Warren é vivida por estrelas hollywoodianas. Patrick Wilson – trabalhando
novamente com Wan após Sobrenatural
– assume o papel de Ed, demonologista não-padre reconhecido pelo vaticano que dá
palestras explicando seu trabalho como se pudesse demonstrar cientificamente o
que diz dominar. Já Vera Farmiga, sempre tão talentosa, dá uma dubiedade
notável a Lorraine que sofre com o ofício, pois é mais do que uma caçadora de
demônios, é uma sensitiva que revive situações e enxerga além das manifestações
daqueles que busca salvar. Com a dupla de prestígio, Wan não se preocupa tanto
em dirigir atores, já que notoriamente dá liberdade a experiência dos mesmos.
Ele se concentra claramente nas 6 crianças em volta que seguem padrões ritmados
cena após cena. Uma delas é Mackenzie Foy que viveu a filha de Edward e
Bella em A Saga Crepúsculo: Amanhecer -
Parte 2 (Twilight Saga: Breaking Dawn - Part 2, The, 2012). Ao menos dessa
vez ela participou de um filme cujo sobrenatural pode ser levado a sério.
A favor da obra está a
ambientação setentista. Faz um eco com Amityville
- A Cidade do Horror (Amityville Horror, The, 1979). O cunho artístico nos
transporta aos filmes da época. A ausência de tecnologia surge como um
empecilho para os personagens e um trunfo aos realizadores. O figurino e estilização
também contribuem para acessarmos 40 anos atrás. Com isso emergem alternativas
de horror, tal como o distanciamento do homem da cidade cuja dificuldade de
comunicação compromete sua segurança; ou os métodos de trabalho dos Warren,
limitados, com câmeras e microfones precários; e as brincadeiras das crianças
que divertem-se com um simples esconde esconde, promovendo boas cenas
salientando a ameaça presente, porém invisível.
O roteiro baseado no evento dito
verídico se concentra em tentar dar um embasamento teórico as manifestações
através de aulas, palestras e diálogos entre os personagens, pondo em dúvida o
que é verdadeiramente real. Os roteiristas, Chad Hayes e Carey Hayes,
especialistas em filmes de terror, se encarregam de passar informações
importantes para compreendermos o que está acontecendo e o que poderá vir a
acontecer. É um acerto narrativo que oferece com didática várias possibilidades
de sucessões, sem preocupar-se em cumprir cada uma. Pesquisas e constatações
religiosas surgem com ênfase à idéia de tratar-se de possessões demoníacas, há
até uma breve retratação histórica a respeito da ação do catolicismo a respeito
desses casos.
Dirigido com crueza e sem
inventividades, mas com competência, adentramos numa atmosfera distinta,
sombria e ameaçadora. Nos importamos com seus envolvidos diretos: a família
atormentada num antigo casarão que compraram num leilão e o casal caçador com
suas razões pelas quais escolheram trabalhar com isso. Percebemos temores nas
minúcias, nos detalhes bem dispostos, como em uma cena onde uma das meninas
está desesperada afirmando ver alguém atrás da porta de seu quarto. Não vemos o
que ela enxerga, tampouco questionamos sua sanidade, somos levados a crença
devido ao que já fora proposto logo nos minutos iniciais da fita. Farmiga
também expressa detalhes em sua atuação sucinta, são vários os atos em que
observa alguns locais subitamente fazendo expressões temerosas reparando o que
nós e os outros personagens não tem condições de perceber. Quando a câmera
converte-se em seu olhar, aí sim vislumbramos o que lhe terrifica.
Subvertendo formas, o filme se
desenrola com clareza surpreendente, já que não larga muita coisa em suspensão,
resolvendo-se em suas limitações. James Wan é criativo, varia cenas de profunda
tensão com outras de terna leveza, cumprindo conjuntamente a fotografia e
direção de arte um universo ermo. Finalizado, comparamos inevitavelmente a
obras semelhantes e notamos o quão melhor Invocação
do Mal é justamente por ser serenamente objetivo e rústico, pensado
cuidadosamente. Precisamos acreditar no que vemos por 120 minutos para o filme
funcionar. O ceticismo amarga as experiências que filmes de horror proporcionam
e deve ser ignorado em benefício do cinema e de sua arte.
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