sábado, 11 de setembro de 2010

Proseando sobre... Linha de Passe



A eloquência de Walter Salles e Daniela Thomas em esboçar um sentido de vida numa família na correria de São Paulo é o que há de mais admirável em toda a história narrada a partir de uma representação social nos arredores da capital paulista, sobretudo dos sonhos que cada um dos integrantes almejam.


Sem se tornar piegas, o desenrolar da história se desvincula do coletivo e foca no individual a partir de cada personagem tendo por si uma cronologia abusiva marcada por suas diferenças enquanto pessoas cada qual buscando algo em suas difíceis vidas com o tempo sufocando suas existências. Essencialmente triste, o filme abre apresentando seus personagens, primeiramente os irmãos: Dario (Vinícius de Oliveira), um jovem que sonha ser jogador de futebol mas vêm encontrando sérias dificuldade nessa realização; Dênis (João Baldasserini) é um pai que, distante do filho, trabalha como motoboy afim de sanar suas dívidas; Dinho (José Geraldo Rodrigues) está envolvido com a religião procurando esquecer o passado; Reginaldo (Kaique Jesus Santos), o irmão mais novo que busca dentro dos ônibus o pai que jamais conheceu. O ciclo se completa com a mãe dos quatro rapazes, Cleuza (Sandra Corveloni), que trabalha como doméstica e está novamente grávida sem saber quem é o pai. 

A vida desses cinco personagens é marcada pela ausência da figura paterna o que vai fazer  muita diferença na história. Cleuza é quem segura a amarga diferença entre os 4 filhos e procura sem rodeios mantê-los juntos como um apoio. Ela tem o respeito de ambos que em momento algum a desafiam. Em várias partes do longa os personagens se referem a ela sempre procurando impor a mulher o padrão de alicerce da casa. 

Sandra Corveloni é destaque de "Linha de Passe"
Um papel dificílimo e bem representado. Sandra Corveloni ganhou por este o prêmio de interpretação feminina em Cannes. A atriz é conhecida pelos frequentadores dos teatros em São Paulo. Na capital paulistana retratada em "Linha de Passe", há sempre uma grande melancolia empregada sobre seus atores e nas ruas principalmente na paisagem noturna, destaque para a casa da família magistralmente bem criada onde até um sofá é digno de disputa (observe Reginaldo que após roubar o dinheiro da mãe, "compra" esse sofá que antes era usado por seu outro irmão como uma propriedade). No lado de fora, há uma pequena área, um lugar apertado onde os irmãos jogam bola e colocam em prática suas diferenças com constantes discussões.

A beleza do lugar é nula tendo como plano de fundo uma carcaça de um carro. Mauro Pinheiro Jr., o diretor de fotografia faz um trabalho impecável ao apontar a urbanização paulistana de maneira dramática e estrutural. Há na história o cruzamento entre religião e futebol num plano de fundo idêntico quando os dois lados tem seu público com as mãos para o ar. Há esse constante e intrigante paradoxo detalhando a prontidão e o que influencia diretamente seus personagens. Há ainda a trilha de Gustavo Santaolalla apropriadíssima e devastadora enquanto uma trilha angustiante na medida ideal. 

Um dos maiores sonhos: ser jogador de futebol!
Walter Salles e Daniela Thomas criam em 2008 um longa forte, simples e verdadeiro que apresenta não só uma narrativa deleitosa como também personagens normais e riquíssimos. Mérito do roteiro condizente de George Moura e Daniela Thomas. Era o filme certo para tentar o Oscar 2009, uma pena ter sido esquecido. Os acontecimentos que sucedem aos irmãos e a Cleuza caminham para um final solícito que determina uma continuidade imaginativa por parte do público. 

Com coragem, os diretores esboçam sobre cada personagem um ato terminal digno de tudo que foi apresentado. Um estupor de significados dados exclusivamente a cada um na representação de seus erros e acertos que fizeram com que eles chegassem até ali. Os atores contribuem para que nós nos sensibilizemos e dessa forma, acabamos torcendo fervorosamente para que cada um atinja os seus objetivos. Em meio à urbanização paulistana que configura a tela como aniquilante para com cada um deles, eles se superem mesmo que seus muitos e mútuos sonhos muitas vezes acabem desfigurados. 


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