terça-feira, 3 de maio de 2011

Proseando sobre... Abutres



Atual alvo de Hollywood para suas constantes refilmagens, – “Abutres” e “O Segredo dos Seus Olhos” ganharão versões estadunidenses – o cinema argentino ano após ano aparece com pelo menos um grande filme brindando este cinema ainda desconhecido pelo público brasileiro, um cinema extraordinário em suas provocantes narrativas. “Abutres” de Pablo Trapero foi o longa escolhido para figurar no Oscar 2011 representando o país hermano. Infelizmente não foi selecionado. De composição fria, sobretudo no vislumbre aos seus personagens centrais, este novo projeto de Trapero, que já havia realizado importantes obras como “Leonera” e “Nascido e Criado”, vem tratar de uma polêmica sobre extorsão, utilizando acidentes automobilísticos para mergulhar num submundo envolvido com indenizações.

Como Abutres a espreita, advogados se atentam para acidentes com vítimas em Buenos Aires e partem para cima com o intuito de, não só prestar socorro, mas auxiliar nas formas de lucrar com os ocorridos. Para isso, vale de tudo. O filme acompanha a vida de Sosa (vivido pelo sempre ótimo Ricardo Darín), um advogado especialista em indenizações. Sosa aparece juntamente a paramédicos em locais de acidente e não demora para prestar ajuda e logo angariar clientes oferecendo a oportunidade de compensação a tragédia. Tal golpe costuma ser um sucesso, embora sofra as conseqüências violentas do ofício, como a exposta na cena inicial e em outras posteriores.

Em um dos resgates, Sosa conhece Luján (Martina Gusman, esposa do diretor), uma médica que trabalha quase em tempo integral, ora dentro da ambulância, ora em meio a vários leitos no hospital. Seu serviço esgotante afunila sua vida a um vazio e lhe pressiona de modo quase insuportável. A garota, diante a pressão submetida pela exigência do chefe e isolamento emocional, – há um símbolo visual quando ela surge atrás das grades no hospital – se esconde e se droga. As coisas mudam quando Luján aceita um convite de Sosa para tomar um café. Às 6:00 da manhã, protagonizam uma das cenas mais doces do longa, contraposição a correria que o resto do dia lhes oferta.  

Pablo Trapero nunca dá mais atenção do que a necessária aos feitos de seus personagens e elabora sempre através de planos longos o que se passa nessa singularidade solitária que os acompanha, fechando o plano somente ao denotar gestos íntimos que poucas vezes são postos em cena. Luján e Darín estão em completa sintonia. O papel do diretor de fotografia, Julián Apezteguia, é irrepreensível. A disposição dos locais de trabalho são asfixiantes e tristes (escritório de Sosa e corredor do hospital com pouca luz), influindo na caracterização da personalidade dos protagonistas.

A ilustração de uma vida dedicada a máfia em tempos atuais, num país que perde mais de 8 mil pessoas anualmente em acidentes de trânsito, retrata a possibilidade de uma escolha por sucesso financeiro ou pessoal. Sosa não é vítima, e o diretor nunca o inocenta, exerce sua função no escritório rodeado por interesses de poderosos, entre eles um que se considera dono do próprio país e do sistema que o cerca. O peso dessa vida parece compreendido no encontro com Luján, paixão que Sosa não pode viver caso decida continuar com seu ofício – e se viver em desolação e às escondidas é um sacrifício, abandoná-lo também o é. A regra do bom e correto não se fundamenta nesse filme de trama atrativa e personagens amargos. Ninguém é o mocinho, todos cometem erros, e humanos que são, sofrem e pagam por eles.  


Um comentário:

  1. Conheço pouco do cinema argentino, mas tenho vontade de aprofundar mais...

    Esse parece um bom começo...

    Parabéns pelo Post.

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