segunda-feira, 18 de abril de 2011

Proseando sobre... Alexandria



A busca pelo conhecimento motivou atrocidades quando questionamentos iam contra dogmas religiosos. Duvidar da fé era considerado um crime. Soava estranho acreditar sem questionar, uma vez que a dúvida compreende a crença e somente fazendo-a podia-se (pode-se) escolher no que crer. Foi-se um tempo em que a fé religiosa era obrigação e relutâncias era heresia. “Alexandria” é o mais novo trabalho do ótimo cineasta Alejandro Amenábar que trata um passado violento e intolerante sobre conflitos religiosos enquanto fala também sobre o fim da considerada maior biblioteca da antiguidade em Alexandria. Nessa narrativa, destaca-se a história de Hypatia e suas contribuições para a filosofia e astronomia. Uma professora cuja fé residia nas pesquisas e na paz entre os homens, mas pagou por não se converter a obrigatoriedade da crença cristã.

Não considere o filme “Alexandria” unicamente como uma crítica religiosa. É um relato histórico de como várias obras se perderam em nome de um ídolo e de vidas condenadas graças ao fanatismo. Passado no Egito no séc. II d.C., iremos acompanhar a queda da biblioteca de Alexandria, obras pagãs queimadas publicamente, conflitos entre culturas judaicas e greco-romanas e o crescimento do cristianismo devastando e convertendo os homens e rejeitando as mulheres. O avanço da religião em cena é muito bem coordenado por Amenábar que se vale de um roteiro coeso. As cenas de violência nas praças são trunfos do diretor que filma normalmente numa tomada parecida com a plongée, revelando um vislumbre hierárquico do que se tornou aquela desordem. Numa suposição: Deus está olhando e não compreende o que fez.

Interessada quase que exclusivamente em astrologia, – o ímpeto em compreender as posições do sol em relação a terra é inspirador – Hypatia é uma personagem grandiosa. Ela é a única mulher no filme, uma professora dedicada, astróloga viril e filosofa influente. Diante essa imponência intelectual e doçura nas palavras, vê um de seus alunos, Orestes, – este mais tarde virá a ser prefeito – se apaixonar por ela. Davus, seu escravo pessoal, é outro que a ama, mas nunca se declara. Seu olhar contemplador por Hypatia e a necessidade do toque consolador quando esta está dormindo é sensorialmente arrebatadora, mas o conflito interno que o obriga a se afastar quando se percebe dividido entre sua crença e sua paixão predomina. Hypatia irradia luz e talvez seja a única personagem ilustre em todo o longa, entregando sua vida profundamente a busca pelo conhecimento. Rachel Weisz está deslumbrante enquanto protagonista.

“Alexandria” é um belíssimo projeto que não teve a atenção que merecia no Brasil. Encontrado em locadoras, é mais um grande trabalho na carreira de Alejandro Amenábar, diretor que já havia filmado maravilhas como “Mar Adentro” e “Os Outros”. Este, ao sutilmente discutir o politeísmo, fala de intolerância e embrulha o estômago quando em cena observamos covardias, apedrejamentos, violência e destruições de alguns patrimônios da humanidade. Fala também de amor, amor a fé e aos outros, e principalmente, amor pela sabedoria. Discute injustiças sociais, de acusações a condenações. Qual a moral das doutrinas que se enfrentam em Alexandria? A visão de mundo foi fragmentada a ideais impostos. Já a filosofia, no longa, abrange, acolhe e incendeia. Já Hypatia, esta teve seu trabalho impedido quando a religião se uniu a outra força, a política, e arruinou idéias, histórias, pessoas e a liberdade.  


Um comentário:

  1. Cara eu tô para assistir, até hoje. Eu vi com outro título, deve ser o original "Ágora".

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