Quisera fosse inabalável como tu és
Nem diante do solitário esplendor protelarias a noite
E observando com eterna indiferença
Como paciente da natureza, o insome eremita
O movimento das águas na sua religiosa tarefa
De purificar os confins dos mares, toldados pelos homens
Ou fixar-se sob a máscara suavemente caída
No cume das montanhas e da terra infértil
Não, mas ainda anabalável
Ainda imutável
Repousaria sobre o seio maduro do meu justo amor
Para sentir para sempre
A sua macia imensidão
E despertar para sempre
Em uma doce inquietude
Ainda, ainda a ouvir o seu suave respirar
E assim, vive-se para sempre ou agoniza-se até a morte.
John Keats - 1795-1821
John Keats foi um poeta romântico inglês reconhecido por influenciar postumamente outros importantes poetas. É sobre ele que o novo filme da cineasta Jane Campion trata ao retratar a íntima relação construída entre ele e sua vizinha, uma austera estudante que vive em plenos conflitos com Charles Brown, parceiro de Keats. O relacionamento gradual habita na interação cada vez mais próxima do casal, incitada pela oferta de cuidado da jovem Fanny Brawne que procura ajudar o irmão do poeta. O que era amizade se estreita com John agora ensinando poesia para a garota entregue a tarefa da literatura de seu mentor.
Em “Brilho de uma Paixão” somos levados para Londres em 1818, época cuidadosamente montada em cena por Campion, usando de recursos técnicos para compor um século distante. O figurino de seus personagens e a direção artística rebuscada amplia a aproximação nossa do que foi o período romântico inglês com suas particularidades artísticas e físicas. A narrativa também contribui com exploração do contexto, inserindo nele elementos proeminentes da geração, sobretudo ao exaltar características, como doenças da época condenáveis. O sentimentalismo toma conta nessa história dramática, pessimista e saliente do amor inacessível.
John Keats é vivido pelo ator inglês Ben Whishaw no que provavelmente seja uma das mais notáveis atuações de sua carreira. Não conhece o cara? Ele é o protagonista de “Perfume - A História de um Assassino”. Seu par romântico é a australiana Abbie Cornish que trabalhou com Heath Ledger em “Candy”. Os dois são conduzidos com competência considerável por Campion – as trocas de olhares e as tímidas aproximações são delineadas com sensibilidade marcante. O filme é cheio disso, também seria indigno se não fosse por ser de natureza poética e uma homenagem a uma figura importante da cultura inglesa.
A seu favor, Jane Campion tem a beleza paisagística da Inglaterra pré-vitoriana fazendo contraste ao charme natural da época com a poesia posta em tela, realçando um amor proibido. A proibição aqui acontece pela impossibilidade de Keats bancar um dote para Fanny uma vez que o poeta está começando a ter sua obra publicada, no entanto ainda é desconhecido e vive em crise financeira. Ao lado de Whishaw, o ator Paul Schneider traz um escárnio por vezes cômico a Charles Brown. Nesse conjunto, o que acaba sendo o grande destaque é o retorno de Campion ao cinema desde seu último e criticado trabalho “Em Carne Viva” de 2003. A diretora que concorreu a Palma de Ouro novamente, feito que não repetia desde sua vitória em 1993 pelo ótimo “O Piano”. Com “Brilho de uma Paixão” ela prova que está em plena forma e tem muito o que fazer pelo cinema.
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