sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Proseando sobre... Hora Menos


 A tragédia ocorrida em Vargas na Venezuela em 1999 é o plano de fundo desse drama sul americano dirigido por Frank Spano. O horror que as chuvas trouxeram vitimando centenas e varrendo o litoral do país explicita com certa ternura a dinâmica de seus sobreviventes, abandonando seus lares em busca de um solo seguro. O percurso narrativo se baseia no desastre natural e se delonga sobre duas mulheres de classes sociais diferentes, unidas pela morte e solidão. Os personagens de Spano, que também assina o roteiro, são pessoas sozinhas que exercem funções projetivas sobre os outros baseando-se em suas perdas familiares. Aí a comoção entra em cena com as mulheres em dedicação em pró do cuidado uma pela outra.

A espanhola Isabel (Rosana Pastor) mora na Venezuela e trabalha como enfermeira. Ela guarda uma forte amargura por um passado tão devastador quantos as enchentes, e agora precisa superar a perda do marido na tragédia. Em outro extremo está Yudeixi (Erika Santiago), uma jovem venezuelana pobre desesperada por carregar o filho nos braços, iludindo-se com a possibilidade deste estar apenas dormindo. O encontro entre as duas é inevitável quando são levadas até as Ilhas Canárias. No embarque, outra questão está vigente: a obrigatoriedade de ser espanhol ou descendente direto, caso que exclui Yudeixi – neste ato o apelo pelo desvelo se revela numa frase que nos é temporariamente obscura.

As funções representadas pelas duas personagens é bastante clara: mãe e filha. As confidências existem e as resistências também, principalmente com Yudeixi, desconfiada, quase incapaz de acreditar que alguém realmente possa querer lhe ajudar. Compreenderemos o passado de ambas através de planos registrando horas antecedentes a tragédia e o que o futuro – para quem crê em destino ou não – lhes reservou. O alcance do argumento da narrativa é longínquo, não só registra um acontecimento da história, mas permite discussões sobre como o relacionamento entre a dupla, anteriormente improvável, resistiu. E seria possível existir caso a tragédia não lhes tivesse atado? Nas perspectivas que o país lhes oferecia, uma amizade entre ambas suportaria as discrepantes diferenças?

De desenvolvimento simples e câmera sempre focada, “Hora Menos” é sutil ao levantar grandes questionamentos a respeito de eventos da vida e em quais situações o ser fragilizado encontra conforto. Ler notícias ou ouvir trovões causa um verdadeiro terror em ambas que se ressentem temerosas. Frank Spano tem total controle sobre seu elenco. Nunca exagerado, o diretor coloca seus personagens num cenário praiano e atenua com luz a melancolia. Algumas saídas do roteiro pervertem nossa crença quanto às sucessões de fatos, e a elaboração de suas conclusões às vezes nos parece precipitada. Felizmente essas escolhas não comprometem o resultado. Ainda há o fato do longa abrir através de um ato oculto, com uma criança sobre a chuva e uma dissimulada cena de violência. As mulheres não podem perdê-lo. Horas regridem e aguardaremos a continuação de seu prelúdio. É uma pela outra, embora estranhas. São pilares trincados, porém resistentes, de uma das maiores tragédias da história da Venezuela. 


2 comentários:

  1. Nossa.. não tem como deixar de se lembrar de tragédias similares que aconteceram por aqui. Parece ser ótimo e terno;
    Vou conferir!

    ;D

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  2. Bem interessante, vou procurar o filme :)

    ***
    Escrevo pro: http://cafedefita.blogspot.com/
    (Patrícia Araújo - Colaboradora)

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