A tragédia ocorrida em Vargas na Venezuela em 1999 é o plano de fundo desse drama sul americano dirigido por Frank Spano. O horror que as chuvas trouxeram vitimando centenas e varrendo o litoral do país explicita com certa ternura a dinâmica de seus sobreviventes, abandonando seus lares em busca de um solo seguro. O percurso narrativo se baseia no desastre natural e se delonga sobre duas mulheres de classes sociais diferentes, unidas pela morte e solidão. Os personagens de Spano, que também assina o roteiro, são pessoas sozinhas que exercem funções projetivas sobre os outros baseando-se em suas perdas familiares. Aí a comoção entra em cena com as mulheres em dedicação em pró do cuidado uma pela outra.
A espanhola Isabel (Rosana Pastor) mora na Venezuela e trabalha como enfermeira. Ela guarda uma forte amargura por um passado tão devastador quantos as enchentes, e agora precisa superar a perda do marido na tragédia. Em outro extremo está Yudeixi (Erika Santiago), uma jovem venezuelana pobre desesperada por carregar o filho nos braços, iludindo-se com a possibilidade deste estar apenas dormindo. O encontro entre as duas é inevitável quando são levadas até as Ilhas Canárias. No embarque, outra questão está vigente: a obrigatoriedade de ser espanhol ou descendente direto, caso que exclui Yudeixi – neste ato o apelo pelo desvelo se revela numa frase que nos é temporariamente obscura.
As funções representadas pelas duas personagens é bastante clara: mãe e filha. As confidências existem e as resistências também, principalmente com Yudeixi, desconfiada, quase incapaz de acreditar que alguém realmente possa querer lhe ajudar. Compreenderemos o passado de ambas através de planos registrando horas antecedentes a tragédia e o que o futuro – para quem crê em destino ou não – lhes reservou. O alcance do argumento da narrativa é longínquo, não só registra um acontecimento da história, mas permite discussões sobre como o relacionamento entre a dupla, anteriormente improvável, resistiu. E seria possível existir caso a tragédia não lhes tivesse atado? Nas perspectivas que o país lhes oferecia, uma amizade entre ambas suportaria as discrepantes diferenças?
De desenvolvimento simples e câmera sempre focada, “Hora Menos” é sutil ao levantar grandes questionamentos a respeito de eventos da vida e em quais situações o ser fragilizado encontra conforto. Ler notícias ou ouvir trovões causa um verdadeiro terror em ambas que se ressentem temerosas. Frank Spano tem total controle sobre seu elenco. Nunca exagerado, o diretor coloca seus personagens num cenário praiano e atenua com luz a melancolia. Algumas saídas do roteiro pervertem nossa crença quanto às sucessões de fatos, e a elaboração de suas conclusões às vezes nos parece precipitada. Felizmente essas escolhas não comprometem o resultado. Ainda há o fato do longa abrir através de um ato oculto, com uma criança sobre a chuva e uma dissimulada cena de violência. As mulheres não podem perdê-lo. Horas regridem e aguardaremos a continuação de seu prelúdio. É uma pela outra, embora estranhas. São pilares trincados, porém resistentes, de uma das maiores tragédias da história da Venezuela.
Nossa.. não tem como deixar de se lembrar de tragédias similares que aconteceram por aqui. Parece ser ótimo e terno;
ResponderExcluirVou conferir!
;D
Bem interessante, vou procurar o filme :)
ResponderExcluir***
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(Patrícia Araújo - Colaboradora)