Poderia ser caloroso o romance entre Silvestro (Michele Riondino) e Camilla (Isabella Ragonese) caso algumas escolhas não os tivesse impedido nos dias de inverno em Veneza. Gestos e olhares denunciavam o desejo de ambos, o encontro casual dotava de poetização, quando o rapaz resolveu desembarcar no mesmo local que a mulher, de baixo de chuva, no meio da noite, seguindo-a até sua casa clamando por algum abrigo a fim de espantar o rigoroso frio. O estranho foi aceito, acolhido, mas só... como um amigo. Ao menos é o que parecia. Ambos aguardavam do outro qualquer atitude, padeceriam esperando, e a noite frustrada prolongou-se até outros invernos.
O filme é belo, tem o charme veneziano, com a fotografia ressaltando tanto a cidade italiana quanto o passar dos anos em situações distintas, o envelhecimento dos personagens experienciando novidades e modernização. O tempo aqui é importante, 10 invernos, uma vida, uma história custosa amarrada ao primeiro passo não dado. O fruto do acaso que renderia um outro caminho foi atribulado pela ilusão do ideal almejado, e o roteiro é inteligente em revitalizar em pequenas passagens as conseqüências de um ato provocando nos protagonistas, vítimas da insegurança, uma mágoa hostil recalcada.
O diretor e roteirista Valerio Mieli atravessa o tempo refletindo sobre aqueles momentos que não fizemos o que queríamos, o que deixamos de falar, o orgulho como resistência, a timidez como tabu, a ação do outro como expectativa. Aí a vida toma outros rumos deixando como recordação o arrependimento. Mas ainda há tempo, ao menos para aquele casal. Michele Riondino e Isabella Ragonese tem boa química, mas é rapaz quem se destaca com trejeitos muito bem humorados contrastando a personalidade extrovertida e ingênua de Silvestro, ao contrário de Camilla, inibida e preservativa. Ambos se desejam, de início parecem estar num jogo de sedução, no entanto tendem para a imaturidade. Tão jovens, ganham mudanças no decorrer da narrativa através do choque dos anos e desolação por um amor fracassado.
Bem realizado e objetivado, o trabalho do estreante Valerio Mieli vem contrariar a dinâmica comumente vista em longas metragens românticos. “Dez Invernos” constantemente cai no dramalhão. Temendo o exagero, o diretor busca alívios em piadas, na arte ou em viagens, como o teatro e a passagem na Rússia. Mas o filme é maduro e real, se aproximando de “Namorados para Sempre” de Derek Cianfrance, pela originalidade do tema, muito embora o texto deste não tenha tanta força quando ao de Cianfrance. Também é um trabalho de fácil identificação, o que garante maior entusiasmo do público, crendo no que vê pelas próprias experiências, lembrando daquilo que uma vez não disse ou não fez, e como tudo poderia ser diferente.
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