terça-feira, 4 de outubro de 2011

Proseando sobre... Elvis & Madona


O filme dispensa polêmica, seu tema já é tratado com certa espontaneidade, embora ainda encontre aversões. Há algum tempo “Transamérica” de Duncan Tucker foi agraciado, chegou em boa hora trazendo uma viagem de um travesti junto ao filho. Agora, “Elvis & Madona”, que rodou o mundo ganhando prêmios, finalmente chegou aos cinemas do Brasil. O longa explora um relacionamento inusitado, uma lésbica que se apaixona por um travesti. O diretor Marcelo Laffitte escreveu o roteiro logo após assistir num programa da TV Americana um transexual pai de família tentando se reconciliar com os filhos. A inspiração levou-o a concluir esse trabalho rodado desde 2008, com histórico de crises financeiras. O resultado é morno, exibe com sutileza um encontro impensável de modo trivial, similar a proposta de “Além do Desejo” de Pernille Fischer Christensen, mas aqui referente a um caso de amor súbito.   

Elvis, codinome escolhido por Elvira (Simone Spoladore), é uma fotógrafa gay apreciadora de Copacabana, mas que não consegue se manter apenas com esse trabalho. Fã de motos, decide trabalhar como entregadora de pizza, escolha que a leva ao apartamento de Madona (Igor Cotrim), uma cabeleireira travesti frustrada por ter sido extorquida por um antigo caso amoroso. De imediato a relação entre as duas se estreita, com o vislumbre da primeira projetando uma idealização conceitual sobre a outra, o que garantirá uma afeição íntima e de cumplicidade entre ambas.

A ambientação carioca se condensa nas ruas onde Elvis percorre com sua moto ou na orla, local escolhido para fotografar. Neste ofício, um registro acidental colocará energia na trama, um estímulo para testar a relação do casal. O contexto indubitável explana possibilidades de encontros, de paixões – a angústia, tolerância e aceitação –, sonhos – um espetáculo de drag queens, a contratação num jornal local –, a obrigatoriedade de conseguir algum dinheiro exclamado em vários diálogos, e o futuro. Dentro desse olhar que Laffitte sutilmente dá sobre estes típicos elementos da vida, às vezes esquecemos do romance e de sua singularidade a partir do momento que notamos dificuldades iguais a de qualquer um. Uma constatação: todos somos iguais, embora desiguais.

Igor Cotrim doa simpatia e autenticidade ao seu personagem através de meneios bem construídos ao passo que Simone Spoladore investe em flertes, seduzindo com olhares desejosos, assumindo um papel masculinizado. O desempenho e química da dupla é um dos maiores trunfos do longa que não satiriza os papéis de seus protagonistas, mas desenvolve com sinceridade a relação que a princípio nos soa estranha, chegando a questionar num determinado ato o que é o normal. No elenco, ainda se destacam Maitê Proença assumindo uma persona dual e picaresca, e José Wilker numa ponta, impagável, revelando um papel anteriormente omisso, mas presente em toda a trama.

O relacionamento disposto capaz de afugentar alguns espectadores ganha status de comédia romântica pelas situações empregadas, tornando, por vezes, a narrativa problemática, quando a seriedade de algumas conjunções são ignoradas a troco de piadas, como aparente defesa do diretor em não propor uma reflexão ampla sobre o assunto da identidade sexual. Mas tal reflexão existe, e questionamentos são cabíveis nessa dinâmica proposta cujo roteiro não transfere opiniões particulares, mas trata tudo esbanjando bom humor. Fica só nisso, com a dupla central roubando todas as cenas e uma jornada em busca de felicidade, para com o mundo e para com o outro, numa atmosfera claramente inspirada nos trabalhos de Almodóvar.

Um comentário:

  1. Eu amei o filme e todo o elenco. É uma história curiosa, considerando os tempos, este estreante fita de Marcelo Laffitte poderia ser enquadrada mais como uma comédia romântica do que drama. Fiquei surpreso ao ver no elenco Simone Spoladore que está estrelando uma série altamente controversa chamada Magnífica 70, finalmente, voltar para o elenco deve dizer foram chave para o sucesso deste filme. Elvis & Madona é uma grata surpresa e faz jus aos prêmios que tem recebido. Conta uma boa história de amor possível (com seus percalços) e é ousado, abusado e angraçado. Não subestima a inteligência do espectador e muito menos provoca qualquer constrangimento sexo-sócio-cultural.

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