Existe um preconceito com
comédias românticas entre os cinéfilos de carteirinha. Isso é aceitável, se
levarmos em conta a qualidade da maioria destas e da falta de originalidade e
ousadia. Seguir a cartilha do felizes para sempre parece uma receita de
sucesso. Claro, depende do que estamos chamando de sucesso. É bom fazer um
filme e arrecadar alguma grana nas bilheterias, mesmo que esses nada digam e
pouco signifiquem para o cinema. Esquecíveis. A arte cinematográfica requer bem
mais do que um drama e um beijo ao final.
Eis que surge uma comédia
romântica estrelada por Meryl Streep e Tommy Lee Jones. A dupla é interessante.
E porque essa pode ser melhor que as outras estreladas por figurinhas teens? A
história no cinema de ambos é notável, e gente desse calibre costuma se preocupar
com os roteiros, não escolhendo qualquer bobagem. É gente que se dá o luxo de
dizer não. Naturalmente, bons atores não garantem bons filmes. Quanto a esse
“Um divã para dois”, como era suspeitado, é adorável!
O contexto do filme é um setting
terapêutico. Tem Streep, mas não é “Terapia do Amor”. Pensando bem, é uma
terapia que visa o amor – afirmação romântica e falsa demais –, visa a
reconciliação, o entendimento romântico e compreensão do que realmente se quer.
Um casal em crise após mais de 30 anos juntos. Ambos não se percebem, não se
tocam, não se beijam. Dividem uma casa, mas não a mesma cama. O afastamento
denunciado em cenas remetem o drama de vários casais pelo mundo afora que se vê
frente a resistências, defesas que são quebradas em sessões terapêuticas. O
terapeuta aqui é vivido pelo normalmente divertidíssimo Steve Carell. Algumas
cenas irão surpreender. A idéia é rir da desgraça, afinal, o tempo trouxe
problemas a esse casal. Resolve-lo em certa altura da vida é uma dificuldade
comum, urgencial para alguns. A retratação do roteiro estabelece uma visão
íntima sobre um relacionamento desgastado, sem força, sem tesão. O que resta
vem à tona num tratamento intensivo em clínica.
Arnold Soames (Lee Jones) é um
homem de negócios, sisudo, reclama de tudo e de todos e guarda um orgulho
tremendo esperando que suas atitudes movam sua esposa, Kay Soames (Streep). A
mulher percebe o afastamento do marido, procura aproximações, mas sem sucesso,
retorna a sua cama lamentando o casamento e suas investidas fracassadas. Um dia
encontra na livraria um livro aconselhando a salvar casamentos e, por conta
própria, paga o terapeuta que o escreveu e dá um jeito de arrastar o marido
para a terapia. A dinâmica entre Meryl Streep e Tommy Lee Jones é esplêndida,
suas dicções em embates, a separação física quando sentam no sofá do setting
dependendo de como fora a noite anterior são alguns detalhes excepcionais. Uma
cena específica é marcante, quando o psicólogo Bernie Feld lança uma pergunta
íntima para Kay e, Streep, desconcertada, começa a abotoar a blusa de uma
maneira tão natural, refletindo sua resistência em se guardar.
O filme dirigido por David
Frankel de “O Diabo Veste Prada” traça bem os tabus vivenciados pelo casal
quebrados diariamente segundo ordens do terapeuta. Nesse sentido, a comédia
toma conta com um humor maduro, sem pudores, ainda mais tratando da dupla de
atores central que se diverte nas mais distintas situações. A revelação de
algumas fantasias pode surpreender públicos mais recatados. Coisas da vida!
Relações com símbolos fálicos também garantem bons momentos. Várias das
questões tratadas são universais, casais certamente se projetarão em alguns
diálogos e nas experiências de vida narradas, ainda mais aqueles que estão há
muito tempos juntos, percebendo dias bons e ruins, sem saber, muitas vezes,
como lidar com esses períodos. Falar de Meryl Streep já se tornou
desnecessário, a questão é: o quão esplêndida ela está. Já Tommy Lee Jones
abraça o filme e cria um personagem dimensional, cheio de manias e defesas,
tanto no texto quanto em suas ações e olhares. É uma comédia romântica
diferenciada, crítica até certo ponto, capaz de agradar os mais variados
espectadores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário