terça-feira, 4 de setembro de 2012

Proseando sobre... Um Divã para Dois


 Existe um preconceito com comédias românticas entre os cinéfilos de carteirinha. Isso é aceitável, se levarmos em conta a qualidade da maioria destas e da falta de originalidade e ousadia. Seguir a cartilha do felizes para sempre parece uma receita de sucesso. Claro, depende do que estamos chamando de sucesso. É bom fazer um filme e arrecadar alguma grana nas bilheterias, mesmo que esses nada digam e pouco signifiquem para o cinema. Esquecíveis. A arte cinematográfica requer bem mais do que um drama e um beijo ao final. 

Eis que surge uma comédia romântica estrelada por Meryl Streep e Tommy Lee Jones. A dupla é interessante. E porque essa pode ser melhor que as outras estreladas por figurinhas teens? A história no cinema de ambos é notável, e gente desse calibre costuma se preocupar com os roteiros, não escolhendo qualquer bobagem. É gente que se dá o luxo de dizer não. Naturalmente, bons atores não garantem bons filmes. Quanto a esse “Um divã para dois”, como era suspeitado, é adorável!

O contexto do filme é um setting terapêutico. Tem Streep, mas não é “Terapia do Amor”. Pensando bem, é uma terapia que visa o amor – afirmação romântica e falsa demais –, visa a reconciliação, o entendimento romântico e compreensão do que realmente se quer. Um casal em crise após mais de 30 anos juntos. Ambos não se percebem, não se tocam, não se beijam. Dividem uma casa, mas não a mesma cama. O afastamento denunciado em cenas remetem o drama de vários casais pelo mundo afora que se vê frente a resistências, defesas que são quebradas em sessões terapêuticas. O terapeuta aqui é vivido pelo normalmente divertidíssimo Steve Carell. Algumas cenas irão surpreender. A idéia é rir da desgraça, afinal, o tempo trouxe problemas a esse casal. Resolve-lo em certa altura da vida é uma dificuldade comum, urgencial para alguns. A retratação do roteiro estabelece uma visão íntima sobre um relacionamento desgastado, sem força, sem tesão. O que resta vem à tona num tratamento intensivo em clínica.   

Arnold Soames (Lee Jones) é um homem de negócios, sisudo, reclama de tudo e de todos e guarda um orgulho tremendo esperando que suas atitudes movam sua esposa, Kay Soames (Streep). A mulher percebe o afastamento do marido, procura aproximações, mas sem sucesso, retorna a sua cama lamentando o casamento e suas investidas fracassadas. Um dia encontra na livraria um livro aconselhando a salvar casamentos e, por conta própria, paga o terapeuta que o escreveu e dá um jeito de arrastar o marido para a terapia. A dinâmica entre Meryl Streep e Tommy Lee Jones é esplêndida, suas dicções em embates, a separação física quando sentam no sofá do setting dependendo de como fora a noite anterior são alguns detalhes excepcionais. Uma cena específica é marcante, quando o psicólogo Bernie Feld lança uma pergunta íntima para Kay e, Streep, desconcertada, começa a abotoar a blusa de uma maneira tão natural, refletindo sua resistência em se guardar. 
  
O filme dirigido por David Frankel de “O Diabo Veste Prada” traça bem os tabus vivenciados pelo casal quebrados diariamente segundo ordens do terapeuta. Nesse sentido, a comédia toma conta com um humor maduro, sem pudores, ainda mais tratando da dupla de atores central que se diverte nas mais distintas situações. A revelação de algumas fantasias pode surpreender públicos mais recatados. Coisas da vida! Relações com símbolos fálicos também garantem bons momentos. Várias das questões tratadas são universais, casais certamente se projetarão em alguns diálogos e nas experiências de vida narradas, ainda mais aqueles que estão há muito tempos juntos, percebendo dias bons e ruins, sem saber, muitas vezes, como lidar com esses períodos. Falar de Meryl Streep já se tornou desnecessário, a questão é: o quão esplêndida ela está. Já Tommy Lee Jones abraça o filme e cria um personagem dimensional, cheio de manias e defesas, tanto no texto quanto em suas ações e olhares. É uma comédia romântica diferenciada, crítica até certo ponto, capaz de agradar os mais variados espectadores.



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