O ser diferente é um argumento
tratado com certa exaustão pelo cinema. O assunto amplo não deve ser deixado de
lado tão cedo, este ainda garante bons plots e nunca é ruim lembrar a
importância do bom convívio coletivo e aceitação pelo outro. É sobre essa idéia
que a animação em Stop Motion “ParaNorman” se desenrola centrando num pequeno
garoto que pode ver e conversar com espíritos, causando estranhamento por onde
passa e sendo ignorado na escola e até
mesmo em casa, negligenciado por seu poder inusitado. Tal don, por assim dizer,
lhe acarreta uma grande responsabilidade no longa, uma vez ter que reconciliar
um espírito antigo que sofreu com a ignorância de outrora e que, atualmente,
busca vingança aterrorizando o povo de uma pequena cidade.
Notavelmente delineado como uma
homenagem a filmes de horror do passado, marcando a demanda setentista e o
gore, esta obra introduz artifícios lógicos do gênero, desde a composição dos
personagens clichês em estilo até a preocupação pela estilização de cenário e
apresentação nos créditos. Perceba que o filme é esteticamente fascinante. O
texto escrito por Chris Butler – auxiliar de Tim Burton em “A
Noiva Cadáver” – é uma brincadeira
eficiente ao ressaltar parâmetros reconhecidos neste universo do horror. Alusões
a obras como “Poltergeist”, “Sexta Feira 13” e aos filmes de George Romero não
faltam. Com a presença de zumbis levantando das tumbas e uma dita bruxa
apavorando através de correntes elétricas no céu, a trama se desenvolve com
energia e humor através de caricaturas e acontecimentos dos mais bizarros. Tudo
isso sem o maniqueísmo prático, mas outras sugestões mais férteis em defesa das
minorias silenciosas.
Norman (voz de Kodi
Smit-McPhee) é uma criança que não tem amigos. Vaga sozinho pelas ruas
cumprimentando os mortos, como se estes já lhe fossem conhecidos. O trajeto
diário é o mesmo. Já os vivos olham o garoto com receio, não trocam nem um bom
dia, creditando a ele qualquer loucura por falar sozinho. A cena de abertura em
que o menino caminha de sua casa até a escola é emblemática, indício da
segregação social sofrida pelo que oferece de diferente. Ele sofre com deboches
e exclusão. Em casa, na sala enquanto assistes filmes de terror acompanhado
pelo espírito da avó, percebe a descrença de seus familiares a respeito de sua
condição. Abrem hipóteses de alguma discussão sobre saúde mental, logo isso é abandonado.
A temática assusta num primeiro
instante. Um cérebro é esmagado logo no início do filme. Seria de fato uma
animação para crianças? A absorção do tema talvez seja custosa para os
pequenos, todavia é divertido, seguro. Que mal pode fazer alguns sustos e um
clima mórbido? A exaltação disso pode ir ainda mais longe pela representação de
seus bons personagens. Os estereótipos aqui caem bem: a garota do corpo
perfeito desesperada, o rapaz musculoso tolo, o gordinho ignorado, o valentão
temeroso. Fora os zumbis com características horripilantes, a potencial vilã
monstruosa e o protagonista de cabelos arrepiados.
Produzido pelo estúdio Laika,
este responsável pelo belo “Coraline”, o filme sugere morbidez através de
figuras e significados explícitos em detalhes. Sam Fell de “O Corajoso Ratinho
Despereaux” é quem assume a direção ao lado do roteirista Chris
Butler. A dupla realiza um trabalho rebuscado no quesito técnico e corta
excessos, objetivando sem firulas a proposta da animação. Algumas piadas falam
de morte, e ao falar da morte, faz com bom humor. Há quem possa julgá-las de
mal gosto. E como não poderiam, uma vez a história da humanidade estar manchada
de ignorância com crenças e superstições. É inevitável não nos recordarmos da
santa inquisição em determinado ato. E esta lembrança não serve como ponta para
alguma piada.
Outra abordagem é o tom de sátira
com os filmes de terror. A seu favor, a idealização do bem e do mal
subvertidos. O perigo proposto a cerca dos zumbis se arrastando e a garota vingativa
como uma versão distante de “Carrie, a estranha” refere-se à falha humana
quanto sua moral. São os humanos os responsáveis pelos próprios atos. Neste
caso, os acontecimentos da animação são reações aos feitos equivocados do
passado. A compreensão dos valores e das diferenças dentro da lógica da
narrativa fortalece as sutis críticas feitas ao homem com ótimas piadas e sacadas
inspiradas.
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