O universo estabelecido por Julia
Leigh é no mínimo atraente. Dito isso, vale acrescentar sobre essa atração inúmeras
perspectivas: a filosófica, que reflete o corpo de uma jovem como objeto de
prazer; a metáfora, relacionada ao conto de fadas, sobrepondo aquela construção
fantástica a realidade infeliz; o sensorial, nitidamente arrastado, contrapondo
a vagarosa angústia de viver em circunstâncias despudoradas; a perversão nos
atos, algo estabelecido no fetiche de homens com suas manias e sensos; e pela arte,
implícita nos manejos fílmicos da roteirista e diretora, exprimindo uma
idealização desejosa sobre uma bela jovem nua e frágil entre quatro paredes.
Mais do que assistir e acompanhar
a narrativa, parece ser preciso senti-la, por mais custoso que possa ser. Não é
difícil se flagrar incomodado em alguns instantes, vários deles cadenciados,
mostrando o dia a dia de uma jovem que precisa pagar os estudos. Numa gráfica,
sobrevive a um vazio particular, um tempo aturdido e humilhante, e não sendo o
bastante tal malogração, seu salário não paga o que deve. É preciso de mais.
Sem nada a perder, se interessa por um anúncio no jornal. Aí, talvez, podemos
compreender a inserção dela em solo estranho, num lugar em que ela deve servir
homens usando lingerie. Mas isso é real.
O filme passa, se delonga e menos
informações nos são dadas. A narrativa atravessa um período sumo sobre seu
tempo, numa vida em que nada, ou pouquíssima coisa, realmente acontece. O
acúmulo de serviços demonstra uma vida rasa, cujo sentido propagado emana solidão.
E o que importa nesse meio? O que realmente quer sua protagonista? Não temos
esse acesso. Parece não ser o interesse. A vida passa, simplesmente passa e
Lucy não vive, é vivida. Acontece que seu trabalho de servir era apenas uma
porta de entrada para uma outra e incomum prática: ela precisa ser sedada
durante um chá, e durante seu sono, homens passam a noite com ao seu lado. Há uma
regra, sem penetração.
A prostituição dessa jovem
pequena e delicada é evidenciada através de takes longos em que não só seu
corpo é mostrado, mas o cenário inteiro, funcionando como um complemento
artístico, como se fosse uma pintura moderna. A direção artística é fecunda ao
explorar a palidez de sua estrela naquele contexto. O corpo nu da bela atriz
australiana Emily Browning parece remeter a uma idéia de tratar-se de uma jovem
ainda não desenvolvida em sua plenitude. É um desespero silencioso, nos adentramos
nesse âmbito indolente, com um olhar distante sobre o que acontece entre as
quatro paredes de um quarto luxuoso, entre homens ricos e idosos cujos corpos
envelhecidos apavoram. E nós fazemos parte, testemunhamos como voyeurs, afinal,
estamos em um dos lados do cubo projetado.
Indicado a Palma de Ouro, esta
obra pode ser compreendida como retrato moderno, cujos valores deturpados
atingem a sociedade e sua individualidade, sua serenidade inerte ao ser, aos
outros. Tem boa técnica, a diretora faz uso de elipses como adornos a sua
vagarosidade. Aí reside a beleza do filme não acontecido, não concretizado, como
atributo significativo ao que a sociedade vigilante é, especialmente quando uma
câmera é instalada por Lucy, por curiosidade, para saber o que acontece durante
seu sono. Tudo fica em aberto e passível de discussões. É de beleza marcante,
porém sem vida, que a primeira incursão de Julia Leigh no cinema transcorre,
numa contemplação artisticamente vivaz e de simbolismos atordoantes.
eu esperei mais desse filme =/
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