Acreditem, há quem diga que atuações não importam muito, que
o que vale é a historinha. É uma afirmação para se ignorar. “Albert Nobbs” é
uma prova substancial do quanto uma boa encenação faz diferença, o quanto a
direção de elenco é importante. Como seria acompanhar uma narrativa sem a
atuação? O cinema tem a possibilidade de agregar várias artes de uma maneira a
qual nenhuma outra é capaz. Sendo a arte do movimento, o cinema explana valores
e sentidos através de quem ou do quê está em cena: nessa obra de grandes
interpretações, a veterana atriz Glenn Close se reinventa com saliência e
dicção soberba. Neste caso, a narrativa fica em segundo plano ao acompanharmos
a sutileza de sua protagonista encarnando um homem.
Em cena uma mentira para a vida, algo que com o tempo
tornou-se tão enraizado atingindo no envelhecimento uma perspectiva restrita, o
futuro, ao menos o que resta dele. Para aproveitá-lo, as custosas economias de
anos abrem algumas possibilidades. E no contexto da trama, para realizar alguns sonhos, a presença de alguém
ao lado parece ser importante, e como é interessante notar o desejo pelo outro sem vínculos afetivos,
beijos ou afagos, há outro fundamento por trás da cobiça. Assim vive Albert Nobbs
(Close), um competente mordomo de hotel, solitário, insensível, sem paixão,
dormindo num quarto escuro juntando alguns trocados em baixo de uma madeira
destacada no piso. Ali deposita seu futuro, simbolicamente o enterra.
Passado na Irlanda do Século XIX, o filme é baseado numa
história de George Moore e mistura farsa com realidade. A idéia se estrutura na
composição de um personagem, Nobss, vivenciado por uma mulher. Ela simplesmente
se transforma no mordomo por décadas. O seu passado fica pra trás, sua escolha
toma a dianteira pela condição da mulher em comparação ao homem naquela
sociedade predominantemente machista. Os valores se sucumbem, tudo muda quando
é obrigado a dividir por uma noite o quarto com o Sr. Page que descobre seu
íntimo segredo. Tudo ocorre em meio a tantos e bons personagens com caras
conhecidas, entre elas está Jonathan Rhys Meyers, estranhamente sem função na
narrativa senão enfeitá-la em brevíssimos momentos. Já Aaron
Johnson e Mia Wasikowska se destacam como um casal com outros sonhos
inatingíveis e subjugados a miséria.
Extasiado pela performance de Glenn Close, me pergunto se
seu diretor, o colombiano Rodrigo García, não buscou ir além na proposta do
filme pelo deslumbramento de seu elenco. Sendo uma história de faces e farsas,
essas se corroboram exatamente com o papel do cinema, e assim feito, a obra se
estabelece com eficiência como um saudoso exemplar mimetista. É pouco sim no
que diz respeito ao universo recriado, bem trabalhado pela direção artística
modelando a civilização de Dublin em 1898. Nesse meio com a mulher considerada
inferior, meios de saída para elas inflamam enquanto os homens bebem e gozam de
sua mítica superioridade.
Seria injusto também não mencionar Janet McTeer que
igualmente Close atua com ímpeto, assumindo um papel com importância vital para
as conclusões. E se você não assistiu o filme e queira vê-lo, recomendo que não
leia o trecho a seguir: os sonhos padecem junto ao tempo, é saber lidar com o
que resta, com o que fica, seja lá o valor que tenha. Cada um atribui
diferentemente. Ao final, sobre a cama, resquícios de uma vida não vivida,
lembranças que não serão lembradas por ninguém.
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