A vida dos Peixes (La vida de los peces,
2010) refere-se ao distanciamento, ao deslocamento, ao afastamento das
origens. Refere-se à lembrança, aos elos, à saudade. O filme é um drama
romântico chileno que trata as conjunturas cotidianas da vida, bem como
reflete o que temos de abrir mão para ser feliz; ou nos convencer
através de uma fantasia de que algumas escolhas, de fato, são para nosso
bem. No entanto, algumas coisas são inesquecíveis e irrevogáveis.
Durante uma festa, o desencadeamento de lembranças refaz passos e
desorienta, é o que acomete Andrés (Santiago Cabrera), chileno morador
de Berlim. Ele é funcionário de uma revista de turismo, o que lhe obriga
a ficar muito tempo fora, lhe impossibilitando vínculos mais estreitos.
Como peixes presos num reservatório constatando limitações de uma vida
imutável pelas circunstâncias, o filme simboliza o dia a dia de seu
protagonista turista transitando sobre próprias emoções.
Sua vida passageira lhe traz prejuízos. Resiste a um
vazio existencial que outrora não sentia, e percebe tal incômodo quando
revê velhos amigos, alguns casados, outros almejando sedentos seu posto,
causando uma inversão de valores na narrativa, sempre muito bem
conduzida pelo diretor Matías Bize. O tempo, ao final, não parece ser um
bom amigo do protagonista. Este guardou lembranças não concretizadas, o
que lhe acarreta introspecção – percebemos Santiago Cabrera
representar isso muito bem –, e passa a procurar idealizar em silêncio
como seria se tivesse seguido outro rumo, percebendo-se sozinho diante
um ciclo de novidades românticas que levou uma década para testemunhar.
Soma-se a esse desalento a lembrança de um amor abandonado, Beatriz
(Blanca Lewin), que ainda lhe sufoca.
E são ótimos os momentos nos quais Andrés divaga
questões de crianças durante um jogo de vídeo-game; outro interessante
momento ocorre quando ele encontra a jovem Carolina (María Gracia
Omegna), menina que vira pela última vez quando esta ainda era criança. É
uma cena que abre perspectivas do tempo e suas ações. A percepção de
escolhas enobrece o longa. Como poderia este protagonista, ao seu modo,
orgulhar-se de uma profissão que lhe acarreta solidão embora proporcione
luxo e mulheres? Essa impressão melancólica, realçada pela fotografia
cheia de cores, trilha pulsante e luzes cintilantes manifesta realidades
quase insuportáveis, denunciando a covardia diante a possibilidade
custosa de mudar. A trajetória da história se inclina em repetições,
algo que a paixão súbita ocasiona naturalmente sobre qualquer um.
Passado quase que inteiramente num único local, o
filme é narrado vagarosamente e tem força nos bons diálogos evocativos,
com Andrés abraçando tempos enquanto caminha por corredores e aposentos
encontrando pessoas que outrora fizeram parte de seu passado. O núcleo
da narrativa se vincula à memória. Sensorial e equilibrado
emocionalmente – não há excessos na exploração sentimental dos
personagens –, o filme de Matías Bize nos sensibiliza pelo apresso
reconfortante de seus bons diálogos e seguras atuações, essas são ao
menos o bastante pra compor um universo de significados indizíveis
através de olhares e expressões. Possibilidades ficam em aberto, o
público completa como crê, em sintonia com a atmosfera coesa e
delicadamente desenvolvida por Bize.
* Crítica publicada primeiramente em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2462
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