Woody Allen rompe
outra vez com a parede cinematográfica. Um de seus personagens, um guarda de
trânsito, olha para o espectador e dialoga com ele de um modo semelhante ao
feito por Larry David em “Tudo pode dar certo”. Nós somos convidados a
apreciar o que virá. Esse guarda serve como introdução as histórias e também a
exuberante Roma, cidade que irá inspirar os personagens e permitir que esses
vivam grandes experiências. Banhado pelo humor intelectual do diretor e de
críticas sobre celebridades banais, “Para Roma, com Amor” é uma dedicatória
romantizada aos casais que passam pela cidade e vivenciam seus encantos
irresistíveis.
De início, veículos andam bagunçados
atravessando ruas tentando ganhar ordem por um guarda. De maneira análoga as
pessoas invariavelmente se cruzam ou se chocam com outras. No entanto a ordem
não se estabelece com o amor. É o que Allen parece querer provar. Vários contos
se desenrolam pela narrativa escrita pelo próprio diretor. Atentem-se que este
também é o retorno de Allen frente às câmeras, algo que não ocorria desde “Scoop”.
Nesse cenário rico em arquitetura, acompanharemos uma expedição sobre famosos
pontos turísticos numa terra em que Federico Fellini, um
dos diretores mais influentes da carreira de Allen, viveu.
Uma das várias histórias contadas
durante a narrativa diz respeito ao estudante Jack (Jesse Eisenberg) que,
segundo o próprio, inexplicavelmente se interessa pela retórica Monica (Ellen
Page), uma turista americana. Outra história relaciona-se ao casal Antonio (Alessandro
Tiberi) e Milly (Alessandra Mastronardi) que em locais diferentes, são levados
a vivenciarem distintas confusões: o rapaz é obrigado a fingir que a prostituta
Anna (Penélope Cruz, novamente bela) é sua esposa, enquanto a moça se encontra
com um famoso galã do cinema italiano no meio da rua durante filmagens.
Essas são duas histórias que não
se colidem, mas que coexistem na mesma cidade, igualmente a tantas outras, como
em qualquer outro lugar. O charme, por sua vez, distingue-se aqui. É notável a sugestão
da maturação pessoal por parte desses perdidos e frágeis seres se reconhecendo
e aprendendo enquanto se permitem experienciar a paixão – mesmo que essa se
refira, por vezes, ao adultério. É uma pulsão sexual irresistível a qual, aparentemente,
a cidade inspira. Com tantos personagens em cena – o diretor parece retomar um
pouco a idéia do esplêndido “Meia Noite em Paris” – essa empreitada não atinge
o nível de sua realização na capital francesa. É bastante vago em alguns atos e
pouco inspirado em algumas piadas, sobretudo quando essas não são ligadas ao
personagem de seu diretor, o megalomaníaco Jerry.
Há um identificável trato pessoal
de seu realizador com Jerry, seu alter ego. Algumas sentenças soam como
confissões do próprio Allen. Uma produção por ano, é uma média ousada que o
diretor mantém. Mas tal média acarreta
um problema, o nível variado entre uma produção comparada com a outra. Embora
raramente faça filmes ruins, ele não consegue manter a excelência de suas grandes
obras. Por exemplo, resta na memória dos cinéfilos belezas como “Noivo
Neurótico, Noiva Nervosa” e “Manhattan”. Já num passado recente, “Meia Noite em
Paris” e “Vicky Cristina Barcelona” são preciosidades incomparáveis. “Para
Roma, com Amor” está, infelizmente, bem a baixo das citadas.
A obra sofre com ritmo e com uma
montagem que não dá sintonia as várias histórias. Cortes secos nos direcionam a
outro contexto. É um intercalamento estranho, como de cenas com romance emergente
se estendendo as que se destinam a críticas cômicas atribuídas as celebridades.
Nesse âmbito, Allen trabalha com o ótimo comediante italiano Roberto Benigni
que representa um homem comum que subitamente vira famoso, despertando
interesse da mídia para questões cretinas – como que tipo de cueca ele usa. Este
sai distribuindo autógrafos sem entender qual seu feito. Aí entra a contradição
da experiência quando a fama deixa de existir, restando a melancolia de uma
fantasia sobre importância. Reais sucessos estão adormecidos em pessoas que se
julgam simples demais para serem vistas. Caso do cantor de ópera que consegue
ser excepcional somente de baixo do chuveiro, ato que nos leva a um finalmente ridiculamente
divertido.
Diante de tantos personagens,
romances e sentidos de existência empregados, chegamos ao arquiteto John (Alec
Baldwin), o mais interessante em toda a trama. A poesia oferece uma licença
poética para fugir das tradicionais normas, o cinema também pode usufruir de
tal auxílio. John interage com os personagens, mas ele não existe, ao menos não
fisicamente. Ele é, em suma, um retorno ao passado do jovem Jack, mas desta vez
vivido, compreendendo melhor os assuntos e aconselhando segundo as próprias experiências.
Lembra de “A Rosa Púrpura do Cairo”? O absurdo é poético e muitas vezes divino,
algo que engrandece o cinema de Allen. E o conceito de experiência de vida parece ser algo forte nesta trama que explana
vivências e o pós destas, como se concedesse a prática do experimento os
resultados de satisfação ou decepção pessoal, sendo positivo pela maturidade ganhada
graças as escolhas e consequências. Através disto, os personagens de Woody
Allen crescem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário