É preciso ser claro: o filme
ultrapassa limites, inspira ultrajes e arruína valores. Não a toa, bateu record
do uso da palavra “fuck”. Trata-se de um submundo mundano o qual muitos gostariam
de participar, apesar de suas duríssimas consequências. As testemunhamos
abismados. Nessa perspectiva – e devo mencionar, estamos falando de drogas,
sexo e muito dinheiro –, o novo filme do genial Martin Scorsese é um soco no
estômago da realidade e da bonança, da luxuria e seu terror procrastinado. O
passo a passo marcado pela direção esplendorosa nos leva a realidade dos anos
80 em Wall Street, atravessa a década e culmina na alçada absoluta do poder de
um único homem que encontrou o caminho da fortuna e colheu seus saborosos
frutos.
A megalomania de Jordan Belfort,
um promissor corretor da bolsa de valores de Nova Iorque, é estudada por
Scorsese em um de seus filmes mais calorosos e dinâmicos. Nem sua duração, 180 minutos,
comprometeu o ritmo que é alucinante, tal como as viagens chapadas de seus
protagonistas predispostos ao prazer sem receios. Nessa caminhada, acompanhamos
a narração do próprio Belfort contando suas experiências naqueles anos onde o
sedutor poder lhe alcançou e bradou. A intersecção do real e imaginário faz
parte do filme como um acerto do roteiro que metaforiza a ótica de seus
personagens e a coordenação de seu diretor, imponente trabalhando com bons
atores, exterioriza sua fase deixada nos anos 90 em Cassino (Casino, 1995).
O cinema filma sonhos e de sonhos
as vidas se movimentam. Jordan Belfort cultiva os seus à medida que toma
consciência de seus desejos mais pérfidos e vorazes, negligenciando aqueles que
lhe esperam em casa. O que é real não importa. A sensação do ilusório compensa
o prazer. As drogas lhe bastam. Todas elas. Levam ao delírio de uma vida de
regalias conquistada de maneira colossal, mas difícil de ser domada. Belfort se
revela uma versão engravatada de Baco e sua esbórnia é vista em distintos
momentos no filme e, tal como uma ópera, um ritmo se harmoniza: droga, sexo, gozo,
sexo, drogas, piadas, drogas, sexo, gozo, piadas, drogas, sexo e gozo.
A disciplina de seu realizador em
coordenar diferentes cenas é irrepreensível. Passamos do drama de situação ao
delírio de ocasião, tudo fluindo devidamente graças ao roteiro coeso, conciso e
maduro, falando de imaturidade através de um humor grosseiro, mas perfeitamente
funcional. Acompanhamos outra parceria entre Martin Scorsese e Leonardo
DiCaprio, estrela que vive Jordan Belfort. Não seria nenhum exagero dizer que
essa é, sem dúvidas, um dos mais notáveis papéis da carreira do ator. DiCaprio
dá toda uma aura juvenil ao protagonista, doa carisma e credulidade a sua
figura desprezível, mas que não condenamos por aprendermos, ao longo do filme,
a gostar dele, mesmo cientes do quão ordinário ele é. O elenco ainda traz Jonah
Hill como um alívio cômico sem exageros habituais hollywoodianos, o ascendente Matthew
McConaughey roubando várias cenas, o oscarizado Jean Dujardin numa ponta e a
belíssima Margot Robbie, vivendo com glória um papel que outrora poderia ser de
Sharon Stone – vale recordar de Cassino
novamente.
O Lobo de Wall Street trata de pessoas desprezíveis que pouco se
importam com os outros, vendem mentiras, nos seduz com elas. Dessa maneira Jordan
Belfort trata o espectador, vendendo sua maneira de vida, nos contando com
cuidado seus delitos e delícias, nos deixando quase incapazes, num primeiro
instante, de julgá-lo. O filme permite essa interação com o público, Scorsese é
hábil em promover tal relação e o longa cresce nesse panorama de situação. Aí entendemos
a sacada: tudo é comprável! O anão que se deixa ser lançado num alvo em prol de
risadas; os advogados que encobrem esquemas de desvio de dinheiro; a mulher que
deixa sua cabeça ser raspada para o deleite das pessoas em volta. Diante todo
um universo de corrupção, mentiras e escárnio, felizmente compreendemos que existem
exceções. Scorsese demonstra sua crença no homem e cria um herói convencional
em busca do que acredita ser correto, embora sua ética e moral jamais lhe dará
o luxo que observa no outro. Ainda o
vemos ponderando suas escolhas em determinado instante no metrô. Terá valido a
pena? Em nome da honra, certamente.
Vi o filme e gostei! Tá certo, confesso que fiquei esperando o momento trágico em que alguém teria uma overdose, uma doença fatal ou uma condenação significativa, mas não. O filme tá ali pra pintar com cores fortes o ridículo da sede ensandecida de dinheiro e de poder e é brilhante por isso.
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