quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Proseando sobre... O Lobo de Wall Street



É preciso ser claro: o filme ultrapassa limites, inspira ultrajes e arruína valores. Não a toa, bateu record do uso da palavra “fuck”. Trata-se de um submundo mundano o qual muitos gostariam de participar, apesar de suas duríssimas consequências. As testemunhamos abismados. Nessa perspectiva – e devo mencionar, estamos falando de drogas, sexo e muito dinheiro –, o novo filme do genial Martin Scorsese é um soco no estômago da realidade e da bonança, da luxuria e seu terror procrastinado. O passo a passo marcado pela direção esplendorosa nos leva a realidade dos anos 80 em Wall Street, atravessa a década e culmina na alçada absoluta do poder de um único homem que encontrou o caminho da fortuna e colheu seus saborosos frutos. 

A megalomania de Jordan Belfort, um promissor corretor da bolsa de valores de Nova Iorque, é estudada por Scorsese em um de seus filmes mais calorosos e dinâmicos. Nem sua duração, 180 minutos, comprometeu o ritmo que é alucinante, tal como as viagens chapadas de seus protagonistas predispostos ao prazer sem receios. Nessa caminhada, acompanhamos a narração do próprio Belfort contando suas experiências naqueles anos onde o sedutor poder lhe alcançou e bradou. A intersecção do real e imaginário faz parte do filme como um acerto do roteiro que metaforiza a ótica de seus personagens e a coordenação de seu diretor, imponente trabalhando com bons atores, exterioriza sua fase deixada nos anos 90 em Cassino (Casino, 1995).

O cinema filma sonhos e de sonhos as vidas se movimentam. Jordan Belfort cultiva os seus à medida que toma consciência de seus desejos mais pérfidos e vorazes, negligenciando aqueles que lhe esperam em casa. O que é real não importa. A sensação do ilusório compensa o prazer. As drogas lhe bastam. Todas elas. Levam ao delírio de uma vida de regalias conquistada de maneira colossal, mas difícil de ser domada. Belfort se revela uma versão engravatada de Baco e sua esbórnia é vista em distintos momentos no filme e, tal como uma ópera, um ritmo se harmoniza: droga, sexo, gozo, sexo, drogas, piadas, drogas, sexo, gozo, piadas, drogas, sexo e gozo. 

A disciplina de seu realizador em coordenar diferentes cenas é irrepreensível. Passamos do drama de situação ao delírio de ocasião, tudo fluindo devidamente graças ao roteiro coeso, conciso e maduro, falando de imaturidade através de um humor grosseiro, mas perfeitamente funcional. Acompanhamos outra parceria entre Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio, estrela que vive Jordan Belfort. Não seria nenhum exagero dizer que essa é, sem dúvidas, um dos mais notáveis papéis da carreira do ator. DiCaprio dá toda uma aura juvenil ao protagonista, doa carisma e credulidade a sua figura desprezível, mas que não condenamos por aprendermos, ao longo do filme, a gostar dele, mesmo cientes do quão ordinário ele é. O elenco ainda traz Jonah Hill como um alívio cômico sem exageros habituais hollywoodianos, o ascendente Matthew McConaughey roubando várias cenas, o oscarizado Jean Dujardin numa ponta e a belíssima Margot Robbie, vivendo com glória um papel que outrora poderia ser de Sharon Stone – vale recordar de Cassino novamente. 

O Lobo de Wall Street trata de pessoas desprezíveis que pouco se importam com os outros, vendem mentiras, nos seduz com elas. Dessa maneira Jordan Belfort trata o espectador, vendendo sua maneira de vida, nos contando com cuidado seus delitos e delícias, nos deixando quase incapazes, num primeiro instante, de julgá-lo. O filme permite essa interação com o público, Scorsese é hábil em promover tal relação e o longa cresce nesse panorama de situação. Aí entendemos a sacada: tudo é comprável! O anão que se deixa ser lançado num alvo em prol de risadas; os advogados que encobrem esquemas de desvio de dinheiro; a mulher que deixa sua cabeça ser raspada para o deleite das pessoas em volta. Diante todo um universo de corrupção, mentiras e escárnio, felizmente compreendemos que existem exceções. Scorsese demonstra sua crença no homem e cria um herói convencional em busca do que acredita ser correto, embora sua ética e moral jamais lhe dará o luxo que observa no outro.  Ainda o vemos ponderando suas escolhas em determinado instante no metrô. Terá valido a pena? Em nome da honra, certamente.  



Um comentário:

  1. Vi o filme e gostei! Tá certo, confesso que fiquei esperando o momento trágico em que alguém teria uma overdose, uma doença fatal ou uma condenação significativa, mas não. O filme tá ali pra pintar com cores fortes o ridículo da sede ensandecida de dinheiro e de poder e é brilhante por isso.

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