“Drive” tem a seu favor a possibilidade de agradar distintos
públicos, é eficiente em abordar elementos mais sérios, servindo como estudo de
personagens, centrando num autêntico homem sem nome que encheria de orgulho
Clint Eastwood. Sua habilidade não está nas armas, mas no volante, na
velocidade, na fuga. Tem um código de ética, o segue com rigor. Somos
apresentados a esse no ótimo prólogo, na abertura antecedendo os créditos em
que, rapidamente, nos insere no universo hostil do protagonista, dirigindo para
bandidos, seguindo restritamente normas, sem colocar a mão no fogo por ninguém.
Para enfeitar a historia, modelos tradicionais de filmes do gênero dos anos 80
com muito sangue e violência.
O que o longa apresenta é uma história de amor longe das
convencionais. Ela é quase hipotética, uma menção nas entrelinhas promovida por
Irene (a sempre espetacular Carey Mulligan) e o motorista sem nome (Ryan
Gosling). Ela ainda tem um filho e é casada – seu marido voltou recentemente da
prisão. Juntam-se os 4 numa mesa e o relacionamento entre ambos que num
primeiro instante imaginaríamos como passível de intrigas converte-se em
altruísmo recíproco, cujos motivos são discutíveis.
Dirigido pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn, “Drive” é um
exercício de estilo, articulado, cheio de referências e com visíveis aspirações
oitentistas, seja nas inspirações fílmicas quanto nas músicas, um atributo que
a princípio nos deixa curioso para logo se estabelecer e embelezar sonoramente.
A saliência das cenas bem econômicas contribuem com as intenções, não há cenas
descartáveis, não há o que poderia ter ficado fora da edição final, há o
bastante e o essencial para a obra ser grande. Simples e indispensável. Ainda
conta com uma fotografia límpida, mostrando a exuberante Los Angeles noturna.
É para se apreciar visualmente
juntamente a tantas outras coisas. Outro exemplo de esplendor visual é a luz
ofuscada na cena do elevador, intencional, com objetivo estético expondo um
beijo.
Famoso pela trilogia “Pusher”, Refn coordena bem cenas de
ação. Ele parece buscar se adequar ao real a todo instante, priorizando a
observação de sua estrela, analisando as possibilidades com o carro parado para
depois dar a devida injeção de adrenalina. O absurdo é descartado. Isso apenas
revela a necessidade de grandes produções em se auto afirmarem enquanto grandes
filmes de ação para mascarar o tradicional vazio que a permeia. É possível ir
além de uma perseguição com explosões fetichistas, priorizando a complexidade
dos personagens. Desta forma, a magnitude do protagonista, vivido seriamente e
laconicamente por Gosling, é constatada em detalhes. O ator vem em grande
ascensão e cria aqui um icônico e silencioso personagem. Ao seu lado, a doce e
carismática Carey Mulligan dá a fragilidade e insegurança necessária a uma mãe
de família tendo que se virar num fast-food.
Os bons diálogos propostos pelo roteiro viabilizam a
compreensão dos fundamentos da trama, robustecendo as personalidades de seus
bons personagens. Nesse meio Ron Perlman, Albert Brooks, Christina Hendricks e Bryan
Cranston são talentos bem explorados, estando esse último a assumir uma função
paternal zelosa. Ninguém está jogado ao léu, não há desperdícios ou excessos de
recursos durante a narrativa. O exagero se dá na violência, tudo proposital,
como interlocução às obras análogas. Uma cena em especial fará o espectador
recordar “Irreversível” de Gaspar Noé. Enfim, “Drive” conta a história de um
homem sozinho, de fragilidades humanas e de relações com o mundo. Não é de muitos
diálogos, é quase um exercício de observação, de contemplação. Seu seguimento é
óbvio e bem caracterizado, uma espécie de homenagem intrínseca ao passado
originado de filmes B. Ganhará fama Cult pelo que é e consolidará Ryan Gosling
como um dos melhores atores em atividade, tornando-se neste um mito das ruas
escuras com sua jaqueta ensangüentada levando nas costas uma imagem de um
escorpião.
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