quinta-feira, 19 de abril de 2012

Proseando sobre... A Guerra está Declarada


O cinema está repleto de longas cuja narrativa inclina sobre alguma doença, seus malefícios, as situações as quais algumas pessoas são obrigadas a vivenciar. Costumeiramente, o assunto rende lágrimas. Tratar dele é quase como ser obrigado a emocionar pela proposta de superação, às vezes inalcançável. Representante francês no Oscar 2012 (este não foi selecionado), "A Guerra está declarada" é mais do que um filme que trata de uma enfermidade e da batalha contra ela. É um relato biográfico, sem tanto sentimentalismo, enfrentado por seus realizadores e contada por Valérie Donzelli que dirige, atua e assina o texto.

Um casal se conhece numa balada, um encontro casual que rendeu uma noite juntos, encontros posteriores, declarações e uma gravidez. Essa apresentação está imersa na cultura pop, com músicas embalando e bebedeiras recorrentes entre jovens. Mas algo está estranho meses após o nascimento, o bebê tem dificuldade para andar, vomita constantemente e possui uma pequena deformidade facial. Motivo natural de alarme, o jovem casal corre atrás de um médico especialista. Logo um neurologista apresenta o diagnóstico: o pequeno Adam tem um tumor no cérebro e precisa ser operado urgentemente.

A expectativa é de que esses pais virem às costas para tudo, isolem-se e dediquem-se pessimistamente a essa criança. A coisa toda não acontece assim e o roteiro de Donzelli demonstra uma forma alternativa de lidar com a situação, desprendendo-se do sentimentalismo usual e fixando num viés otimista, pretendendo aproveitar o que há de melhor na situação, buscando forças nas minúcias. Honesto em sua proposta de representar um drama familiar, o projeto não se prende ao maneirístico esquema emotivo facilitador, isso é evidenciado em piadas de conotação discutível, mas que funcionam como escape para aquela incessante aflição: destaca-se a cena em que cogitam prováveis seqüelas após a cirurgia.

O filme oferece uma narração branda, variável em momentos de terna melancolia – como o telefonema avisando sobre o diagnostico e a reação de cada familiar – e outros de puro humor descontraído, abstrato, por exemplo a sensatez do climão provocado pela descoberta e as maneiras de abstraí-lo. É preciso tocar a vida. Outro acerto do roteiro é a forma como apresenta a gravidez, a presença do bebê em casa. Longe do glamour estampado em revistas, o nascimento de uma criança acarreta uma série de problemas, estresses, noites mal dormidas, o que não faz sua presença perder o brilho e o carinho de seus dedicados e humanos pais.

A diretora esclarece um ponto de vista marcado pelas possibilidades de cuidado. Na França, são várias as práticas de intervenções, os hospitais e médicos são aduzidos de uma maneira lúcida, perspicaz e até cômica, rendendo bons momentos durante a projeção: como a cena retratando a espera ansiosa dos pais em descobrir quem é o famoso cirurgião de Paris, especulando-o como se este fosse invisível. Uma boa piada envolvendo a comparação destes profissionais e Deus funciona perfeitamente num ato. Mas e se estivessem em outros países, o que teriam em mãos? A guerra está declarada contra a doença, o rádio contextualiza a época que se passa a história quando uma guerra é anunciada. A alusão à ação.

Outra consideração é a impossibilidade de realizações pessoais. Não só pela doença, ou pelo casamento, mas pelas exigências diárias, cobranças. Os sonhos evaporam, e em troca ficamos imunes à vida, suas turbulências e insatisfações. Nem todo mundo está feliz, mas há maneiras de buscar, pelo menos, algum conforto e qualquer sorriso. É o que parece querer mostrar Valérie Donzelli, trazendo uma mensagem otimista sobre o que viveu, nesta experiência considerada por alguns um intento. Não é costume do cinema explorar esse universo com um teor crítico, abrindo mão de emoção contagiante. É justamente aí que reside à comoção do filme, em seu panorama e resultado, em seu apresso pela realidade elegantemente estampada no rosto de seus bons atores.

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