O cinema está repleto de longas
cuja narrativa inclina sobre alguma doença, seus malefícios, as situações as
quais algumas pessoas são obrigadas a vivenciar. Costumeiramente, o assunto
rende lágrimas. Tratar dele é quase como ser obrigado a emocionar pela proposta
de superação, às vezes inalcançável. Representante francês no Oscar 2012 (este
não foi selecionado), "A Guerra está declarada" é mais do que um
filme que trata de uma enfermidade e da batalha contra ela. É um relato
biográfico, sem tanto sentimentalismo, enfrentado por seus realizadores e
contada por Valérie Donzelli que dirige, atua e assina o texto.
Um casal se conhece numa balada,
um encontro casual que rendeu uma noite juntos, encontros posteriores,
declarações e uma gravidez. Essa apresentação está imersa na cultura pop, com
músicas embalando e bebedeiras recorrentes entre jovens. Mas algo está estranho
meses após o nascimento, o bebê tem dificuldade para andar, vomita
constantemente e possui uma pequena deformidade facial. Motivo natural de
alarme, o jovem casal corre atrás de um médico especialista. Logo um
neurologista apresenta o diagnóstico: o pequeno Adam tem um tumor no cérebro e
precisa ser operado urgentemente.
A expectativa é de que esses pais
virem às costas para tudo, isolem-se e dediquem-se pessimistamente a essa
criança. A coisa toda não acontece assim e o roteiro de Donzelli demonstra uma
forma alternativa de lidar com a situação, desprendendo-se do sentimentalismo usual
e fixando num viés otimista, pretendendo aproveitar o que há de melhor na
situação, buscando forças nas minúcias. Honesto em sua proposta de representar
um drama familiar, o projeto não se prende ao maneirístico esquema emotivo
facilitador, isso é evidenciado em piadas de conotação discutível, mas que
funcionam como escape para aquela incessante aflição: destaca-se a cena em que
cogitam prováveis seqüelas após a cirurgia.
O filme oferece uma narração
branda, variável em momentos de terna melancolia – como o telefonema avisando
sobre o diagnostico e a reação de cada familiar – e outros de puro humor
descontraído, abstrato, por exemplo a sensatez do climão provocado pela
descoberta e as maneiras de abstraí-lo. É preciso tocar a vida. Outro acerto do
roteiro é a forma como apresenta a gravidez, a presença do bebê em casa. Longe do glamour
estampado em revistas, o nascimento de uma criança acarreta uma série de
problemas, estresses, noites mal dormidas, o que não faz sua presença perder o
brilho e o carinho de seus dedicados e humanos pais.
A diretora esclarece um ponto de
vista marcado pelas possibilidades de cuidado. Na França, são várias as
práticas de intervenções, os hospitais e médicos são aduzidos de uma maneira
lúcida, perspicaz e até cômica, rendendo bons momentos durante a projeção: como
a cena retratando a espera ansiosa dos pais em descobrir quem é o famoso
cirurgião de Paris, especulando-o como se este fosse invisível. Uma boa piada
envolvendo a comparação destes profissionais e Deus funciona perfeitamente num
ato. Mas e se estivessem em outros países, o que teriam em mãos? A guerra está
declarada contra a doença, o rádio contextualiza a época que se passa a
história quando uma guerra é anunciada. A alusão à ação.
Outra consideração é a
impossibilidade de realizações pessoais. Não só pela doença, ou pelo casamento,
mas pelas exigências diárias, cobranças. Os sonhos evaporam, e em troca ficamos
imunes à vida, suas turbulências e insatisfações. Nem todo mundo está feliz,
mas há maneiras de buscar, pelo menos, algum conforto e qualquer sorriso. É o
que parece querer mostrar Valérie Donzelli, trazendo uma mensagem otimista sobre
o que viveu, nesta experiência considerada por alguns um intento. Não é costume
do cinema explorar esse universo com um teor crítico, abrindo mão de emoção
contagiante. É justamente aí que reside à comoção do filme, em seu panorama e
resultado, em seu apresso pela realidade elegantemente estampada no rosto de
seus bons atores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário