Pode ser
considerado um daqueles filmes de fazer revirar o estômago. Alguns diriam que é
um soco nele. O filme não é dos mais digeríveis, pois apresenta violência
explícita contra a mulher. As motivações são machistas e provém de ordem
cultural e religiosa em um país onde a mulher continua subjugada ao homem em
nome de crenç... em nome da ignorância. No início o filme expõe que a história
a ser contada é baseada em histórias reais que acontecem em vários países.
Certamente não há qualquer exagero nesse adiantamento. O longa dirigido por
Barmak Akram é pesado, funciona tanto como um drama cultural quanto um filme
denúncia. E é daqueles mais brutais. “Wajma” é o representante do Afeganistão
no Oscar 2014. Não há qualquer garantia que chegue entre os cinco, mas seria
uma feliz escolha já que tem muito a dizer.
Há muito
a se dizer, mas pouco é mostrado. Não temos qualquer acesso a algumas cenas que
seriam fundamentais para o filme ganhar dimensão romântica, já que deseja e carrega
potencial para tal feito. A começar pela primeira metade da trama onde seguimos
o relacionamento entre Wajma e Mustafa se instaurando através de flertes interesseiros
e palavras impudicas. Eles riem, trocam declarações e transam – isso não vemos.
Foram contra ideais dispostos no país, feriram a honra da família da mulher,
mas não importa, ficarão juntos. Promessa! As promessas, por sua vez, feneceram
quando ela anunciou gravidez e ele a negou, crendo que não foi com ele que ela
perdeu a virgindade. Mustafa diz que não a viu sangrar. O terror toma conta do
filme através de clamores desesperados por um amor negado e as consequências
ríspidas as quais Wajma será submetida quando a notícia da gravidez chegar aos
ouvidos do patriarca.
Os atores
Wajma Bahar e Mustafa Abdulsatar que emprestam seus nomes aos personagens
demonstram delicadamente o interesse inerente pelo amor, contrariando dogmas e
a legislação do país para findarem o desejo. Acreditamos na relação e isso
serve para nos solidarizarmos a mulher que representa milhares de outras em
situação semelhante. Se o diretor não mostra claramente os atos românticos, não
economiza em exprimir a violência. Entram várias discussões no meio da
história, desde a possibilidade do aborto proibido no país; questões referentes
a medidas legais, bem como as sanções as quais o casal deverá ser submetido; o
papel da honra familiar que parece a cima da condição humana, religiosa e
moral; e a possibilidade de suicídio, frente a condenação social a qual Wajma
sofrerá caso tenha o filho e seja imediatamente rejeitada pela família. A morte
do nome sobrepõe outras mortes.
Com o
Afeganistão exposto como um país em reconstrução após a guerra, já que
comparado a outros de ordem islâmica se mostra absolutamente obsoleto em
distintos níveis, o filme de Barmak Akram, que também é roteirista, explana
criticamente uma realidade arcaica, assegurada por um conservadorismo regente. Direto
e linear, seguimos o desenvolvimento da história sem freios, é uma imersão na
cultura cujos pilares ideológicos equivocados se mantém com rachaduras. A
câmera em punho acompanha as ações como um observador que não toma partido.
Apenas testemunha. O direcionamento dos casos encontra um final breve e nada
sutil, o que certamente decepcionará o público esperançoso em assistir outras
soluções.
Nos
espanta ver tal situação e perceber que não é assim tão distante de outras
mulheres, não importa em qual parte do mundo. Se no Brasil mulheres são
violentadas a cada minuto, em outros ocorre o mesmo, e em alguns com uma
motivação que inocenta seus agressores. O filme é cru ao revelar o quanto a
mulher é vítima, o diretor até evita trabalhar o romance em cena talvez por
entender que ele é minúsculo frente às conseqüências posteriores as quais
nenhum romance aventureiro faria valer a pena. E pensar que a personagem que
acompanhamos buscando fazer diferente, ser diferente, acabara de ingressar numa
faculdade de direito após resistência familiar. Entendemos que direito é tudo
que ela(s) não têm.
Nenhum comentário:
Postar um comentário