Com um início avassalador,
“Gravidade” inicia com um plano único. É aparente! E é vibrante, dando o
indício do que provavelmente será a projeção toda centrada no espaço com o
planeta Terra de fundo. Lindíssimo. 3 astronautas flutuam em volta do
telescópio Hubble num clima amistoso enquanto um trabalha na manutenção.
Conversas com histórias cortam o silêncio total. Momentos de intimidade rompem
o mutismo no vácuo, expandem os personagens, trazendo traços humanos por parte
desses solitários diante a imensidão, contemplando uma vista incrível.
Igualmente incrível será a história que viverão. Um satélite explodiu e vem
formando uma cadeia de destruição que chegará até eles. A morte parece iminente
neste local absolutamente hostil.
A narrativa não chama
tanto a atenção num princípio, mas sua simplicidade empolga devido ao maniqueísmo
inexistente. As coisas acontecem por acidente. A sobrevivência fica em jogo e
constatamos a luta em benefício dessa, seja com devaneios ou delírios,
ponderações sobre a vida, distanciamento social, passado, fé, vivências e
finitudes. Poeticamente a história se desenrola a medida que destroços
definitivamente se chocam com o Hubble vitimando um astronauta e deixando
outros dois a deriva, a Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e Matt Kowalsky (George
Clooney). O oxigênio da Dra. está despencando rapidamente fazendo com que o tempo torne-se
antagonista.
A forma com a qual os personagens
são trabalhados pelo roteiro é algo a ser relevado. Há tão pouco recurso para
garantir alguma profundidade que os diálogos se tornam escolhas precisas para
alcançar um ponto ou outro de quem são. O estilo despojado e seguro de Kowalsky
contrapõe a euforia inexperiente da Dra. Stone. Faz valer a construção de
personagens por parte dos atores e o quanto uma sessão – como qualquer outra –
de “Gravidade” seria duramente comprometida numa cópia dublada. O desespero em
cada palavra seguida por uma respiração ofegante descontrolada que Bullock emprega tão
bem garante afeiçoamento, já que tomamos algumas informações ao longo desse
processo relativo a memória que ficou na Terra. E a corda que mantém sua
personagem presa a Kowalsky, igualmente aquela vista perto de sua barriga num
plano deslumbrante quando está dentro da nave, quase que despida, em posição
fetal, simboliza o cordão umbilical que não pode ser cortado. O renascimento fica para depois, igualmente simbólico.
Em "2001 – Uma
Odisséia no Espaço" a ideia do super homem nietzschiana vinha estruturar o pensamento de Kubrick. Em "Gravidade" há mais possibilidades hipotéticas. James Cameron disse que esse é o melhor filme ambientado no espaço já realizado. Um exagero para alguns, considerando obras primas como o já mencionado "2001", além de "Solaris" do Tarkovski e "Alien, O Oitavo Passageiro" do Ridley Scott.
Além de toda a propriedade
técnica, poética e estética, o longa de Alfonso Cuarón, diretor de belos filmes
como “E Sua Mãe Também” e “Filhos da Esperança”, busca realçar a humanidade em
sua rudimentar narrativa. O roteiro é assinado pelo diretor. Todas as escolhas
e decisões foram suas. A condução dos atores aos efeitos pontuais sem qualquer pressa para
acontecerem contribuem para que o filme torne-se sensorial. Os vários
movimentos de câmeras que, diante as condições do contexto, puderam ser utilizados
sem compromisso foram fundamentais para a experiência que “Gravidade”
proporciona ao final. Esse sim possui relevância em sua tridimensionalidade.
Há uma cena digna de entrar entre
as melhores já concebidas pelo cinema: a destruição de uma estação espacial. A assistimos atentos ao silêncio. Com o som da explosão ausente e a quase total falta de
percepção de um de seus personagens causa uma tensão angustiante no espectador
que vislumbra a beleza do ato ciente da magnitude descomunal. A cena perdura
por poucos minutos. Cena após cena o filme nos brinda com uma estética aguçada.
O cuidado da produção em recriar o espaço respeitando a física é de sensibilidade tocante, já que o
clima vagaroso – tal como manda obras similares – consegue nos passar a sensação do que os astronautas estão
vivenciando. E mais, planos subjetivos e objetivos intercalando nos coloca
dentro e fora da roupa do astronauta, somos observadores e fazemos parte do plano com a inexistência de paredes cinematográficas. Assistimos exatamente o que assistem. Sentimos o que sentem. E o cinema mais uma vez nos surpreende.
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