terça-feira, 22 de outubro de 2013

Proseando sobre... Gravidade



Com um início avassalador, “Gravidade” inicia com um plano único. É aparente! E é vibrante, dando o indício do que provavelmente será a projeção toda centrada no espaço com o planeta Terra de fundo. Lindíssimo. 3 astronautas flutuam em volta do telescópio Hubble num clima amistoso enquanto um trabalha na manutenção. Conversas com histórias cortam o silêncio total. Momentos de intimidade rompem o mutismo no vácuo, expandem os personagens, trazendo traços humanos por parte desses solitários diante a imensidão, contemplando uma vista incrível. Igualmente incrível será a história que viverão. Um satélite explodiu e vem formando uma cadeia de destruição que chegará até eles. A morte parece iminente neste local absolutamente hostil.

A narrativa não chama tanto a atenção num princípio, mas sua simplicidade empolga devido ao maniqueísmo inexistente. As coisas acontecem por acidente. A sobrevivência fica em jogo e constatamos a luta em benefício dessa, seja com devaneios ou delírios, ponderações sobre a vida, distanciamento social, passado, fé, vivências e finitudes. Poeticamente a história se desenrola a medida que destroços definitivamente se chocam com o Hubble vitimando um astronauta e deixando outros dois a deriva, a Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock) e Matt Kowalsky (George Clooney). O oxigênio da Dra. está despencando rapidamente fazendo com que o tempo torne-se antagonista.

A forma com a qual os personagens são trabalhados pelo roteiro é algo a ser relevado. Há tão pouco recurso para garantir alguma profundidade que os diálogos se tornam escolhas precisas para alcançar um ponto ou outro de quem são. O estilo despojado e seguro de Kowalsky contrapõe a euforia inexperiente da Dra. Stone. Faz valer a construção de personagens por parte dos atores e o quanto uma sessão – como qualquer outra – de “Gravidade” seria duramente comprometida numa cópia dublada. O desespero em cada palavra seguida por uma respiração ofegante descontrolada que Bullock emprega tão bem garante afeiçoamento, já que tomamos algumas informações ao longo desse processo relativo a memória que ficou na Terra. E a corda que mantém sua personagem presa a Kowalsky, igualmente aquela vista perto de sua barriga num plano deslumbrante quando está dentro da nave, quase que despida, em posição fetal, simboliza o cordão umbilical que não pode ser cortado. O renascimento fica para depois, igualmente simbólico.

Em "2001 – Uma Odisséia no Espaço" a ideia do super homem nietzschiana vinha estruturar o pensamento de Kubrick. Em "Gravidade" há mais possibilidades hipotéticas. James Cameron disse que esse é o melhor filme ambientado no espaço já realizado. Um exagero para alguns, considerando obras primas como o já mencionado "2001", além de "Solaris" do Tarkovski e "Alien, O Oitavo Passageiro" do Ridley Scott.

Além de toda a propriedade técnica, poética e estética, o longa de Alfonso Cuarón, diretor de belos filmes como “E Sua Mãe Também” e “Filhos da Esperança”, busca realçar a humanidade em sua rudimentar narrativa. O roteiro é assinado pelo diretor. Todas as escolhas e decisões foram suas. A condução dos atores aos efeitos pontuais sem qualquer pressa para acontecerem contribuem para que o filme torne-se sensorial. Os vários movimentos de câmeras que, diante as condições do contexto, puderam ser utilizados sem compromisso foram fundamentais para a experiência que “Gravidade” proporciona ao final. Esse sim possui relevância em sua tridimensionalidade.

Há uma cena digna de entrar entre as melhores já concebidas pelo cinema: a destruição de uma estação espacial. A assistimos atentos ao silêncio. Com o som da explosão ausente e a quase total falta de percepção de um de seus personagens causa uma tensão angustiante no espectador que vislumbra a beleza do ato ciente da magnitude descomunal. A cena perdura por poucos minutos. Cena após cena o filme nos brinda com uma estética aguçada. O cuidado da produção em recriar o espaço respeitando a física é de sensibilidade tocante, já que o clima vagaroso – tal como manda obras similares – consegue nos passar a sensação do que os astronautas estão vivenciando. E mais, planos subjetivos e objetivos intercalando nos coloca dentro e fora da roupa do astronauta, somos observadores e fazemos parte do plano com a inexistência de paredes cinematográficas. Assistimos exatamente o que assistem. Sentimos o que sentem. E o cinema mais uma vez nos surpreende.



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