Ambientado no Século XVIII, época em que vários
países europeus vinham se desenvolvendo graças às propostas do
iluminismo, a Dinamarca ia ficando pra trás devido à forte influência do
conservadorismo do Estado e da igreja que ainda tomava as rédeas do
país. Obsoleto, o regime foi caindo, sustentado unicamente por alguns
nobres que tinham interesses por trás do modelo e que se colocavam a
frente do comando do rei Christian XVII (Mikkel Boe Følsgaard,
excelente). Este convivia com instabilidade de humor e era facilmente
driblado politicamente por todos os líderes do conselho a sua volta.
Prometido para Caroline Mathilde da Grã-Bretanha (Alicia Vikander), logo
se casou e teve um primeiro herdeiro. A relação de ambos foi
ligeiramente definhando graças ao afastamento do monarca, que não
conseguia ter ereção com a mulher. O filme vem tratar desse episódio e,
principalmente, ilustrar o adultério cometido nas costas do chamado rei
louco: o caso romântico entre Caroline e um médico idealista, doutor
Johann Struensee (Mads Mikkelsen), favorável aos preceitos iluministas
vigentes.
Após uma longa viagem anunciada pela Europa,
Christian XVII se percebeu com a saúde cada vez mais comprometida. Sua
oscilação emocional rendia protestos e o povo temia pelo futuro obscuro
que surgia a frente, assentindo a miséria da nação. Aconselhado, o rei
passou a ser acompanhado de perto por um médico, Struensee, um homem que
trabalha de uma forma pouco convencional, o que o beneficia, já que seu
jeito conquistou rapidamente a simpatia do monarca que passou a
considerá-lo um amigo próximo. Tal relação íntima ainda lhe rendeu um
importante cargo. Daí o país sentiu uma notável mudança, assistida pelo
conselho que ia contra as novas idéias, já que estavam fora da posição
de conforto, e não demoraram pra tramar um plano a fim de derrubá-las.
O avanço do iluminismo, cujo potencial poderia se
revelar como cerne do longa, é deixado de lado em prol do triângulo
amoroso. É justificável, embora se arraste por mais de duas horas.
Talvez o filme tenha perdido um pouco da força que teria caso
trabalhasse melhor este movimento, já que exploraria um universo pouco
visitado, tão interessante, sintetizando o período em que a Dinamarca
saiu do limbo por conta das novas idéias que priorizavam a vontade do
povo e a liberdade individual. Obviamente, o interesse é tratar do caso
extraconjugal e como este se sucedeu. A narrativa inocenta a
infidelidade pela naturalidade dos envolvidos que se amam sem culpa.
Poucos questionarão a atitude do médico e da rainha
que comungam juntamente a reforma da sociedade, apoiados por
intelectuais – Rousseau e Voltaire, por exemplo – e políticos
visionários. O comportamento do rei frente à esposa favorece nossa
solidariedade com a rainha e seu amante. Uma das cenas iniciais a qual
Caroline Mathilde toca piano e é subitamente repreendida pelo marido é
de inevitável pesar. Ela – e ninguém – pode apagar a luz de Christian
XVII, como o próprio sentencia. O romance tem créditos, é roteirizado de
maneira cuidadosa, focado em detalhes realistas bem filmados. Jamais se
entrega a reviravoltas mirabolantes, talvez por estar engessado a um
caso verídico de reconhecimento histórico.
Sobre a direção de Nikolaj Arcel, o cara que escreveu a adaptação Os Homens que Não Amavam as Mulheres (Män som hatar Kvinnor,
2009), o filme se desenvolve com sutilezas, abrigado por uma produção
cautelosa, chamando a atenção para o figurino e a fotografia escurecida,
vista em enquadramentos próximos do rosto de seus atores centrais. A
fotografia dá sensação de opressão, impressão compartilhada com o povo
nas ruas daquela nação. Ainda somos agraciados pela reconstituição do
Século XVIII, uma bela Compenhague entregue à miséria em ruas divididas
por pessoas e lixo. O mal cheiro por falta de saneamento básico exala na
capital, tal como acontecia na idade média. O glamour social desfalece.
O elenco é bom, encabeçado pela bela sueca Alicia Vikander; o
dinamarquês Mads Mikkelsen, relativamente famoso por viver o vilão Le
Chiffre em 007 - Cassino Royale (Casino Royale,
2006); e Mikkel Boe Følsgaard, que caracteriza muito bem o rei sem
estereotipá-lo, dando uma carga dramática adequada à insanidade
explícita em suas ações induzidas. Ele faturou o prêmio de melhor ator
no Festival de Berlim.
Dentro de sua beleza clássica e do estilo querido por muitos e odiado por outros, O Amante da Rainha (En kongelig affære,
2012) finaliza como uma lição progressista num tempo de difíceis
mudanças. Ele faz coro com muitos países curvados a poderes ideológicos
precários que precisam de uma revitalização, de qualquer mudança que
satisfaça a necessidade da população e seus direitos. A Dinamarca deve
muito a um alemão, Struensee, e a sua gana por mudança. No filme ele é
tratado como um mártir, vivendo sem pudor com sua ambição sonhadora até
seus últimos dias. Também explicita-se sua paixão incontida por alguém
que, como ele, foi essencial.
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