quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Proseando sobre... O Amante da Rainha

Ambientado no Século XVIII, época em que vários países europeus vinham se desenvolvendo graças às propostas do iluminismo, a Dinamarca ia ficando pra trás devido à forte influência do conservadorismo do Estado e da igreja que ainda tomava as rédeas do país. Obsoleto, o regime foi caindo, sustentado unicamente por alguns nobres que tinham interesses por trás do modelo e que se colocavam a frente do comando do rei Christian XVII (Mikkel Boe Følsgaard, excelente). Este convivia com instabilidade de humor e era facilmente driblado politicamente por todos os líderes do conselho a sua volta. Prometido para Caroline Mathilde da Grã-Bretanha (Alicia Vikander), logo se casou e teve um primeiro herdeiro. A relação de ambos foi ligeiramente definhando graças ao afastamento do monarca, que não conseguia ter ereção com a mulher. O filme vem tratar desse episódio e, principalmente, ilustrar o adultério cometido nas costas do chamado rei louco: o caso romântico entre Caroline e um médico idealista, doutor Johann Struensee (Mads Mikkelsen), favorável aos preceitos iluministas vigentes.

Após uma longa viagem anunciada pela Europa, Christian XVII se percebeu com a saúde cada vez mais comprometida. Sua oscilação emocional rendia protestos e o povo temia pelo futuro obscuro que surgia a frente, assentindo a miséria da nação. Aconselhado, o rei passou a ser acompanhado de perto por um médico, Struensee, um homem que trabalha de uma forma pouco convencional, o que o beneficia, já que seu jeito conquistou rapidamente a simpatia do monarca que passou a considerá-lo um amigo próximo. Tal relação íntima ainda lhe rendeu um importante cargo. Daí o país sentiu uma notável mudança, assistida pelo conselho que ia contra as novas idéias, já que estavam fora da posição de conforto, e não demoraram pra tramar um plano a fim de derrubá-las.

O avanço do iluminismo, cujo potencial poderia se revelar como cerne do longa, é deixado de lado em prol do triângulo amoroso. É justificável, embora se arraste por mais de duas horas. Talvez o filme tenha perdido um pouco da força que teria caso trabalhasse melhor este movimento, já que exploraria um universo pouco visitado, tão interessante, sintetizando o período em que a Dinamarca saiu do limbo por conta das novas idéias que priorizavam a vontade do povo e a liberdade individual. Obviamente, o interesse é tratar do caso extraconjugal e como este se sucedeu. A narrativa inocenta a infidelidade pela naturalidade dos envolvidos que se amam sem culpa.

Poucos questionarão a atitude do médico e da rainha que comungam juntamente a reforma da sociedade, apoiados por intelectuais – Rousseau e Voltaire, por exemplo – e políticos visionários. O comportamento do rei frente à esposa favorece nossa solidariedade com a rainha e seu amante. Uma das cenas iniciais a qual Caroline Mathilde toca piano e é subitamente repreendida pelo marido é de inevitável pesar. Ela – e ninguém – pode apagar a luz de Christian XVII, como o próprio sentencia. O romance tem créditos, é roteirizado de maneira cuidadosa, focado em detalhes realistas bem filmados. Jamais se entrega a reviravoltas mirabolantes, talvez por estar engessado a um caso verídico de reconhecimento histórico.

Sobre a direção de Nikolaj Arcel, o cara que escreveu a adaptação Os Homens que Não Amavam as Mulheres (Män som hatar Kvinnor, 2009), o filme se desenvolve com sutilezas, abrigado por uma produção cautelosa, chamando a atenção para o figurino e a fotografia escurecida, vista em enquadramentos próximos do rosto de seus atores centrais. A fotografia dá sensação de opressão, impressão compartilhada com o povo nas ruas daquela nação. Ainda somos agraciados pela reconstituição do Século XVIII, uma bela Compenhague entregue à miséria em ruas divididas por pessoas e lixo. O mal cheiro por falta de saneamento básico exala na capital, tal como acontecia na idade média. O glamour social desfalece. O elenco é bom, encabeçado pela bela sueca Alicia Vikander; o dinamarquês Mads Mikkelsen, relativamente famoso por viver o vilão Le Chiffre em 007 - Cassino Royale (Casino Royale, 2006); e Mikkel Boe Følsgaard, que caracteriza muito bem o rei sem estereotipá-lo, dando uma carga dramática adequada à insanidade explícita em suas ações induzidas. Ele faturou o prêmio de melhor ator no Festival de Berlim.

Dentro de sua beleza clássica e do estilo querido por muitos e odiado por outros, O Amante da Rainha (En kongelig affære, 2012) finaliza como uma lição progressista num tempo de difíceis mudanças. Ele faz coro com muitos países curvados a poderes ideológicos precários que precisam de uma revitalização, de qualquer mudança que satisfaça a necessidade da população e seus direitos. A Dinamarca deve muito a um alemão, Struensee, e a sua gana por mudança. No filme ele é tratado como um mártir, vivendo sem pudor com sua ambição sonhadora até seus últimos dias. Também explicita-se sua paixão incontida por alguém que, como ele, foi essencial.


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