Poderia-se fazer uma série de
apontamentos entre a história de Clark Kent de Snyder com a de Jesus Cristo. Se
para alguns isso pode soar uma afronta religiosa, ou um desrespeito ou qualquer
outra coisa que possa neuroticamente parecer ofensivo a algum fundamentalista,
para o diretor parece ser um grande argumento em pró do desenvolvimento do arco
dramático de “O Homem de Aço”, visando aprofundar o herói e explicitar seu
papel nos planetas Krypton e Terra. O Super Homem está mais maduro do ponto de
vista da noção antropológica, ganhou ênfase na infância com seu proibido nascimento,
o deslocamento até a Terra como fertilidade de seu desenvolvimento e finalmente
os 33 anos, idade a qual se assume um extraterrestre com incríveis poderes em
benefício da humanidade. O espaçamento temporal da infância até a idade adulta
foi totalmente ignorado. Temos acesso a alguns dizeres que salientam algo sobre
seu passado sem maiores e melhores aprofundamentos. A partir daí o filme
explode em ação quase que ininterrupta, convulsiva e gratuita.
Seu início passasse em Krypton,
toda elaborada em CGI. Uma
guerra vem dividindo o planeta opondo o general Zod (Michal Shannon) e Jor-El (Russell
Crowe). O primeiro termina preso enquanto o segundo consegue mandar seu filho
Kal-El – que mais tarde ganharia a identidade de Clark Kent – para um planeta semelhante.
O destino é a Terra. Krypton fora completamente arruinada. Zod sobrevive
juntamente a uma equipe desejosa em salvar sua espécie considerada superior. Eis
o mote para uma série de vários acontecimentos envolvendo o pequeno kryptoniano
com os terráqueos. Como este chegou e deparou-se com seus novos pais Jonathan
Kent (Kevin Costner) e Martha (Diane Lane) é algo que o roteiro de David S.
Goyer e Christopher Nolan (diretor da ótima trilogia “O Cavaleiro das Trevas”) não
faz a menor questão de explicar. O que parece importar é que Clark cresceu
apesar dos pesares e venceu suas dificuldades para se tornar o salvador do
mundo num percurso de descrenças.
O esgotamento de Krypton devido a
devastação desenfreada dos recursos naturais ocasionada por seus habitantes rima
com as condições atuais terrestres, nos fazendo aproximar daquele universo
minado, não tão distante do que poderia acontecer no futuro da Terra. A maneira
com a qual é mostrado o nascimento das crianças kryptonianas e a razão desse
curioso investimento é uma aposta criativa do roteiro. Chegaríamos a tal ponto?
O filme não se contextualiza basicamente em apenas um local no espaço como fora
tratado nas obras anteriores. A coisa toda é mais megalomaníaca e ousada, expondo
outros mundos visando dimensionar a responsabilidade do Super Homem e seu papel
revolucionário. Andando contra o vento em busca da identidade que lhe falta,
Kent atravessa os Estados Unidos a procura de emprego e de respostas. Encontra
um OVNI congelado numa época de descobertas científicas, o que lhe aproxima de
Lois Lane (Amy Adams em um de seus mais desinteressantes desempenhos na telona),
salvando-a numa primeira oportunidade.
Junto com a descoberta do OVNI, o
mundo descobre também um extraterrestre, o próprio Clark que tenta provar que
está ao lado da humanidade imediatamente após a repetina chegada ameaçadora de
Zord. Tudo acontece demasiadamente rápido e logo assistimos uma guerra de
imensas proporções encolhida num ponto em Metrópolis, o que nos levanta a
dúvida sobre a noção espacial de seu diretor. Algumas escolhas são risíveis – o
fim do personagem de Kevin Costner, por exemplo – e há diálogos constrangedores
juntamente a cenas de incrível beleza técnica com um vazio descomunal. Essas nada
significam a não ser demonstrar o quanto Zack Snyder segue atento ao visual
deixando questões substanciais a cargo da interpretação dos espectadores. Henry
Cavill é o super-homem da vez demonstrando vigor físico na mesma proporção que
exprime falta de talento dramático. Nesse ponto, vale observar o bom elenco
envolvido com grandes nomes desperdiçados. Snyder é talentoso e criativo, mas é
fraco quando dirige atores. Neste meio se sobressai um Costner contido e Michal
Shannon que vive Zod. Sua interpretação é certamente o que há de melhor no
filme.
Os passos deste Jesus heróico, ou
melhor, de Kal-El ou Clark Kent são narrados sem muita emoção. Quase não nos
inteiramos sobre quem de fato é o protagonista. Se ele começa perdido, parece
terminar igualmente desorientado. Outra questão comprometedora diz respeito ao
excesso de flashbacks que não consegue moldar a persona Clark Kent, nos
distaciando de seu âmago. A sacada é exibir feitos tornando-o importante e
distanciado num padrão social humano. Exploração fortuita que não chega a
nenhum lugar, a não ser ao que verdadeiramente interessa: o heroísmo do
salvador. Pra ficar ainda mais claro a fixação religiosa da trama, fora filmado
uma cena grotesca numa igreja onde Clark pede conselhos a um padre. No fundo,
no vitral, a imagem de Jesus resplandece. Soa bonita e até romântica a
referência, mas ela é demasiada expositiva e sem qualquer profundidade
dramática. Está ali por estar. Zack Snyder realiza seu pior filme, muito abaixo
de grandes obras como “300”
e principalmente “Watchmen”. Dispensou slow motion e assumiu a câmera de
maneira convulsiva, insegura tal como o filme, transformando-o num exemplar de
destruição ao melhor estilo grotesco de “Transformers” numa direção burra como
a de Michael Bay. Bastante decepcionante!
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