Depois do ótimo “Como treinar o
seu Dragão”, o diretor Chris Sanders abandonou os vikings e se concentrou em
outros povos, nos homens de Neandertal. Juntamente a Kirk De Micco, idealizou esse
“Os Croods”. Vale evocar, apenas para delinear o contexto, de “Os Flintstones”,
sucesso absoluto de público em dezenas de países, que trouxe um viés
interessante sobre a idade da pedra, conquistando fãs pela crítica social
imposta nos episódios. Uma menção honrosa a uma referência de gênero. Com esse
“Os Croods”, a coisa é um pouco diferente, não observamos uma sociedade
capitalista como a vista na séria da Hanna-Barbera, assistimos um grupo
familiar que resiste as ameaças de feras extintas. A palavra ‘medo’ é o lema do
patriarca e líder, Grug. Para ele, o medo garante a sobrevivência. A família
inteira se esconde dentro de cavernas saindo apenas para caçar. O exterior é
uma incógnita perigosa. Todos rechaçam qualquer novidade.
Como um tradicional personagem da
Dreamworks, a protagonista, a menina Eep, irá desafiar seu meio em benefício de
uma conquista pessoal – ou coletiva, dentro da lógica dos projetos do estúdio. Mas
aqui o argumento está assegurado pelas circunstâncias da sucessão de acontecimentos
de tal época. A menina adolescente irá contra todos os preceitos duramente
defendidos pelo pai, as tais ações que repelem ameaças. Fuga. Grug acredita que
estes preceitos tradicionais são os responsáveis por garantir-lhes a vida, já
que outras tribos foram dizimadas quando se expuseram sob a lua.
O pavor ao novo ecoa em várias
representações, fazendo coro com o mito da caverna de Platão, ilustrado na
narrativa enquanto alusão ao desejo de descobertas tencionados pela heroína. O
lado de fora, o desprendimento do passado – do que essencialmente são – em
benefício da evolução, como a cena em que as mãos dos personagens soltam uma
rocha para se arriscar no mundo, é um curtíssimo momento que edifica a obra, não
se tratando unicamente de mais uma animação pra buscar mera recreação, mas ser
minimamente relevante enquanto um registro histórico – embora esteja longe,
longíssimo, de ser infimamente fiel. A cena se repete duas vezes com
personagens distintos – geracionais –, demonstrando o quão difícil fora tal
processo de libertação através do tempo.
Vai ainda mais longe quando o
herói grosseiro – um Shrek das cavernas – percebe que sua força bruta já não é
o bastante, obrigando-se ao uso do raciocínio, fundamental para a salvação da
espécie, encontrando ferramentas que possam ser usadas em vantagem.
Acompanhamos o processo de seleção natural no meio do caos da separação
continental. Todos saem em busca da luz, o sol como expoente, distante e
inalcançável. Pensa-se no domínio sobre ele com a descoberta do fogo. Isto é
representado por um outro personagem apresentado após conhecermos devidamente o
universo Neandertal.
A Dreamworks, mais do que nunca,
investiu na concepção de seus personagens, caracterizando seus trejeitos e
dicções, desde o modo de falar até o de se expressar, sem delicadezas. O modo
como a família se movimenta, com as mãos tateando o chão, semelhante a um símio,
refuta o modelo visto no garoto solitário – este já adaptado as condições
terrestres –, o corajoso Guy, que os Croods encontram durante uma fuga
inevitável, já que Pangeia estava rachando, comprometendo o refúgio nas
montanhas. É Eep quem descobre o rapaz após decidir dar uma escapada noturna,
imediatamente depois de perceber uma estranha luz dançando na escuridão. O
romance logicamente acontece, porém sem tanta força para tirar o foco da luta
por sobrevivência, funcionando com gags e boas piadas. Também é motivo para Grug,
o paizão protetor, desgostar do estranho Guy. Conflitos sobram.
A elaboração grática da
Dreamworks Animation é outro ponto considerável. O filme é visualmente bonito,
caprichado e detalhado, tanto no cenário que trazem grandes florestas e cânions
até os distintos personagens. Alguns vícios narrativos se mantém, como a
fórmula de trazer um animal que garanta a simpatia do público, se
responsabilizando por 2 ou 3 cenas deslocadas e tornar-se querido pelas
crianças. Há ainda uma cena lindíssima de arte rupestre, quando Grug deixa
algumas marcas nas rochas contando sua história. Basicamente o filme é isso, uma
projeção da transição temporal e cultural de um determinado povo, de maneira
recreativa e criativa, atestando o tempo que, quando presos, julgavam o perigo da
inovação e se mantinham escondidos dentro da caverna, até testemunharem a
realidade, extinguindo a ilusão que os mantinha oprimidos. O grupo então segue
em progresso rumo a lucidez diante o obscurantismo.
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