quarta-feira, 17 de abril de 2013

Proseando sobre... A Busca



Tratando substancialmente dos percalços do fim de um casamento e das conseqüências disso na vida de um adolescente testemunhando a ruína da relação entre os pais, esse “A Busca”, filme do estreante Luciano Moura, é infeliz em esboçar o arco dramático da história. Pouca coisa segura o drama arrastado que leva um pai de família, médico, a rodar o Brasil atrás do filho desaparecido, que saiu de casa voluntariamente e pegou a estrada com um cavalo. História estranha? O desenrolar dela é ainda mais. Também é previsível, dada as apresentações do roteiro em uma cena inicial. Me adiantei demasiado, toquei na essência desse longa focado na busca enquanto outras coisas se desconcertam caoticamente e se estruturam no desespero. Para manter a nossa atenção até o final, somente o desempenho de Wagner Moura.  

Um casal de médicos, Théo (Moura) e Branca (Mariana Lima) estão prestes a por um ponto final na união. Inevitavelmente, as conseqüências caem sobre Pedro (Brás Antunes), de 15 anos. O garoto é ótimo com desenhos, talento nunca notado por seu pai. Há ainda uma lacuna, o avô de Pedro, homem ignorado por Théo. Os motivos? Não importam. Em cima disso, fica no ar os fundamentos dessa relação, ou melhor, o que ocorrera que tão fortemente a comprometera. Para entrarmos na história, uma expressão artística arquitetada: uma casa escura, gritos e destruições. Foco nas cenas, em seus detalhes. O diretor preza minudências. O desenrolar se inicia dali. O portão é fortemente batido, porém se mantém aberto, simbolicamente apresentando uma possibilidade de retorno.  

Bons detalhes, mas há preocupação demais com eles. Essa atenção minuciosa atrapalha o desenvolvimento do filme, já que algumas cenas parecem episódicas, quase que deslocadas, às vezes extremistas. Temos ciência do que será o filme, e de suas prováveis conjunturas. Como é vendido é errôneo, apelo comercial barato. Até onde um pai pode ir para encontrar seu filho? As constatações vão além, não temos acesso a metade delas, a não ser lidar com hipóteses da boa cena inicial. A dinâmica é outra, já que não se trata de seqüestro, mas fuga. Isso nem deve ser encarado como spoiler, já que tal constatação acontece bem antes da primeira metade da projeção. Até onde é a função do pai? Ou o que é? Questão mais relevante, porém sem o mesmo impacto da indagação oficial. Há quem vai sentir falta de armas e carros explodindo.  

Como anteriormente mencionado, se há algo que merece ser destacado é atuação de Wagner Moura, um grande ator que convence vivenciando um tipo fragilizado – muito embora demonstre rispidez como defesa – pelas circunstâncias de um casamento desarranjado, culminando na aflição devido ao repentino desaparecimento de seu filho adolescente. A relação entre os dois é testada numa conversa que termina em briga. Nela compreendemos o distanciamento assistindo uma idealização compensatória: o intercâmbio até a Nova Zelândia oferecido pelo pai como garantia de um futuro promissor. Acompanhamos a tal busca interessados, não pela proposta do roteiro que se enreda em frações de desencontros, mas pela representação do ator em ascensão. O resto do elenco quase desaparece, restando um Lima Duarte cativando mais pelo carisma e respeito conquistado através dos anos do que pelo papel, já que pouco tempo lhe é reservado. Diante disso, o artista, tal como representado por Lima Duarte, parece ser vislumbrado transposto ao resto do mundo, apenas com seus livros e suas produções, e ouvindo Wagner. Mantém-se afastado da civilização como um refúgio.

“A Busca” torna-se um roadmovie a partir do momento que Théo sai de casa e adentra nas estradas desbravando pedaços do Brasil que não costumam ser visitados. Contemplamos os paraísos desta terra a partir de caminhos desconhecidos e povos silenciados. Há um clima de mistério balanceando a narrativa. Algumas cenas nos levam a lugar nenhum. O diretor busca o foco novamente, no desaparecimento e em suas obscuras razões. Gênero por gênero, tratando-se de roadmovie, nos faz lembrar o recente “Colegas”, do Marcelo Galvão, filme com um trio de adolescentes com síndrome de down que sai pelo sul do país chegando até a Argentina. De melhor, e ainda nesse âmbito, embora a ótica seja outra, vale ressaltar a obra de Charly Braun, “Além da Estrada”. Todas as três traz relações humanas desordenadas, endossando auto descobertas em outros rumos sob o sol. A praia, como em tantos outros filmes, sugere libertação. Truffaut chegou nela, Walter Salles e incontáveis outros também. Braum e Galvão passaram por ela. Luciano Moura não poderia perder o mergulho. 


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Proseando sobre... Os Croods



Depois do ótimo “Como treinar o seu Dragão”, o diretor Chris Sanders abandonou os vikings e se concentrou em outros povos, nos homens de Neandertal. Juntamente a Kirk De Micco, idealizou esse “Os Croods”. Vale evocar, apenas para delinear o contexto, de “Os Flintstones”, sucesso absoluto de público em dezenas de países, que trouxe um viés interessante sobre a idade da pedra, conquistando fãs pela crítica social imposta nos episódios. Uma menção honrosa a uma referência de gênero. Com esse “Os Croods”, a coisa é um pouco diferente, não observamos uma sociedade capitalista como a vista na séria da Hanna-Barbera, assistimos um grupo familiar que resiste as ameaças de feras extintas. A palavra ‘medo’ é o lema do patriarca e líder, Grug. Para ele, o medo garante a sobrevivência. A família inteira se esconde dentro de cavernas saindo apenas para caçar. O exterior é uma incógnita perigosa. Todos rechaçam qualquer novidade. 

Como um tradicional personagem da Dreamworks, a protagonista, a menina Eep, irá desafiar seu meio em benefício de uma conquista pessoal – ou coletiva, dentro da lógica dos projetos do estúdio. Mas aqui o argumento está assegurado pelas circunstâncias da sucessão de acontecimentos de tal época. A menina adolescente irá contra todos os preceitos duramente defendidos pelo pai, as tais ações que repelem ameaças. Fuga. Grug acredita que estes preceitos tradicionais são os responsáveis por garantir-lhes a vida, já que outras tribos foram dizimadas quando se expuseram sob a lua. 

O pavor ao novo ecoa em várias representações, fazendo coro com o mito da caverna de Platão, ilustrado na narrativa enquanto alusão ao desejo de descobertas tencionados pela heroína. O lado de fora, o desprendimento do passado – do que essencialmente são – em benefício da evolução, como a cena em que as mãos dos personagens soltam uma rocha para se arriscar no mundo, é um curtíssimo momento que edifica a obra, não se tratando unicamente de mais uma animação pra buscar mera recreação, mas ser minimamente relevante enquanto um registro histórico – embora esteja longe, longíssimo, de ser infimamente fiel. A cena se repete duas vezes com personagens distintos – geracionais –, demonstrando o quão difícil fora tal processo de libertação através do tempo. 

Vai ainda mais longe quando o herói grosseiro – um Shrek das cavernas – percebe que sua força bruta já não é o bastante, obrigando-se ao uso do raciocínio, fundamental para a salvação da espécie, encontrando ferramentas que possam ser usadas em vantagem. Acompanhamos o processo de seleção natural no meio do caos da separação continental. Todos saem em busca da luz, o sol como expoente, distante e inalcançável. Pensa-se no domínio sobre ele com a descoberta do fogo. Isto é representado por um outro personagem apresentado após conhecermos devidamente o universo Neandertal.  

A Dreamworks, mais do que nunca, investiu na concepção de seus personagens, caracterizando seus trejeitos e dicções, desde o modo de falar até o de se expressar, sem delicadezas. O modo como a família se movimenta, com as mãos tateando o chão, semelhante a um símio, refuta o modelo visto no garoto solitário – este já adaptado as condições terrestres –, o corajoso Guy, que os Croods encontram durante uma fuga inevitável, já que Pangeia estava rachando, comprometendo o refúgio nas montanhas. É Eep quem descobre o rapaz após decidir dar uma escapada noturna, imediatamente depois de perceber uma estranha luz dançando na escuridão. O romance logicamente acontece, porém sem tanta força para tirar o foco da luta por sobrevivência, funcionando com gags e boas piadas. Também é motivo para Grug, o paizão protetor, desgostar do estranho Guy. Conflitos sobram.   

A elaboração grática da Dreamworks Animation é outro ponto considerável. O filme é visualmente bonito, caprichado e detalhado, tanto no cenário que trazem grandes florestas e cânions até os distintos personagens. Alguns vícios narrativos se mantém, como a fórmula de trazer um animal que garanta a simpatia do público, se responsabilizando por 2 ou 3 cenas deslocadas e tornar-se querido pelas crianças. Há ainda uma cena lindíssima de arte rupestre, quando Grug deixa algumas marcas nas rochas contando sua história. Basicamente o filme é isso, uma projeção da transição temporal e cultural de um determinado povo, de maneira recreativa e criativa, atestando o tempo que, quando presos, julgavam o perigo da inovação e se mantinham escondidos dentro da caverna, até testemunharem a realidade, extinguindo a ilusão que os mantinha oprimidos. O grupo então segue em progresso rumo a lucidez diante o obscurantismo.       


terça-feira, 2 de abril de 2013

Proseando sobre... G.I. Joe: Retaliação



John Chu, diretor de “Se ela dança eu danço 2 e 3” e de “Justin Bieber: Never Say Never” – ?????? – pegou as rédeas da franquia “G.I. Joe” que começou com o fracassado “A Origem de Cobra” em 2009. Agora temos uma segunda parte renovada, intitulada “Retaliação”, que muda totalmente seus protagonistas, mantendo unicamente Channing Tatum, Byung-hun Lee e Ray Park. Grandes nomes como Dwayne Johnson e Bruce Willis chegam para reforçar com seus prestígios. Já a história não é lá um reforçador. O foco é a destruição megalomaníaca e as pirotecnias, coisas costumeiras. Entra também a comédia pastelão, um tempero como alívio a abundância de violência. Nada de extraordinário ou de ordinário. Mera diversão.  Mero mero.

As organizações Cobra continuam querendo destruir o mundo com armas de imenso poder de dizimação. Dessa vez ela se alia ao governo dos Estados Unidos de modo cruel. Como estratégia para o sucesso, a organização destrói os G.I. Joe numa emboscada, e faz parecer que os caras na verdade eram traidores da pátria. Sem oponentes, dominam a Casa Branca. No entanto alguns sobrevivem a armadilha e não ficam apenas para contar a história, mas para desmascarar os envolvidos no plano e restabelecer o poder do país para finalmente salvar o mundo. Paralelamente rolam mais duas tramas: a amizade entre Duke (Tatum) e Roadblock  (Johnson) destruída; e o embate particular entre os ninjas Storm Shadow e Snake Eyes. As razões para esse conflito? Não será nessa parte que saberemos.

“Retaliação” deveria ter saído em 2012, mas decidiram converte-lo em 3D e atrasou o lançamento. Algumas cenas extras com os personagens de Tatum e Johnson foram acrescentadas nesse tempo, já que imaginaram após sessões fechadas que talvez essa amizade fosse uma das únicas coisas relativamente interessantes do longa. O fato é que o insucesso da primeira empreitada não pode ser repetido, renderia o enterro da franquia. Então tentam de tudo, mesmo que precisem seguir a fórmula usual e já insuportável. Também restam absurdos exibicionistas: o arsenal engenhoso surpreendente, a prisão subterrânea com os presos e a escapada de um dos ninjas que consegue fazer parar os próprios batimentos cardíacos. Feito desmedidamente para demonstrar o poderio da produção, o melhor acaba ficando por conta do clichê habitual, porém nunca desinteressante: a garota vestida com um vestido vermelho apertado que arrebata os homens por perto. E o
público também.

Bruce Willis surge num papel cômico e solta algumas frases para o deleite de seus fãs. A ação acontece o tempo inteiro, a narrativa é enérgico. Tem seu grande momento quando os ninjas se enfrentam, culminando numa fuga por montanhas, algo verdadeiramente atraente. Os bonecos da Hasbro, ou melhor, os comandos em ação como são conhecidos pelos brasileiros, tiveram com essa sequência maior dignidade comparado ao fiasco horrendo que fora o primeiro filme. Ainda assim terminou medíocre como outras adaptações parecidas – por exemplo, “Battleship” – vem terminando. 


quinta-feira, 28 de março de 2013

Proseando sobre... Colegas



“Colegas” procurou ser um filme despretensioso, e sem pretensões tornou-se ufano. Conjuntamente pretendeu ser leve, e tal leveza rendeu-lhe descomedida fragilidade narrativa. Inverossímil, consegue ganhar o público graças – e unicamente – a um trio central pra lá de carismático. Jovens com síndrome de Down, Stalone (Ariel Goldenberg), Aninha (Rita Pokk) e Márcio (Breno Viola), fogem de uma instituição, roubam um carro e seguem rumo a lugar nenhum, motivados por sonhos pessoais distantes de resoluções devido as suas condições de aprisionamento numa clínica. O longa funciona também como homenagem com teor socialmente crítico sem profundidade. Sobra pouco: diversão que transita entre realidade e fabula, e estereótipos dissolvidos em 100 minutos. 

Os desejos do trio referem-se ao passado, elaborações resultadas da ausência familiar, dos pais que não conheceram. Um quer voar, outro deseja se casar no dia de São Judas Tadeu, e o último tenciona conhecer o mar: cada um dos sonhos se liga em compreensões particulares de vislumbres fantasiosos de encontrar os pais, realização idealizada que consagra a série de acontecimentos. Essa concepção é, talvez, o que há de melhor neste filme imerso em boas intenções, trabalhando com atores que detém a síndrome de down e outros que vivenciam personagens ordinários, pouco críveis, como a dupla policial – que diz perseguir bandidos – e outros profissionais concebidos em sátira. O diretor não perde oportunidade de fazer piada em todas as situações. Inclui-se ainda Lima Duarte que narra tudo sem qualquer razão a não ser justificar sua participação e nome. 

A história se desenrola com certa naturalidade quando o diretor dá liberdade criativa aos atores que vivenciam os protagonistas fujões, o comportamento destes chama a atenção pela espontaneidade. Nesse âmbito é agradável perceber que os portadores da trissomia do cromossomo 21 não são expressados como indivíduos desventurados ou dignos de pena. Bom investimento do roteiro que se desprende de solidariedade para salientar fugas, perseguições e ambições inesgotáveis. 

Para refutar o acerto, o mesmo roteiro tenta ir longe, aspirando conquistas maiores. Quer até mesmo encantar cinéfilos através de referências triviais. Praticamente todas as escolhas são equivocadas. Passagens de obras clássicas do cinema foram lembradas, afinal, os protagonistas são cinéfilos. Na instituição, cuidavam de uma videoteca e passaram um bom tempo em frente a televisão. Irrompem menções a “Taxi Driver”, “Stallone Cobra”, “Sociedade dos Poetas Mortos”, “O Poderoso Chefão” e “007”. Não acontece unicamente durante os diálogos, os créditos artísticos já adiantavam. O diretor ainda recria uma cena gratuita e constrangedora de “Psicose”. Tudo isso pouco acrescenta ao filme. A citação a “Thelma & Louise”, todavia, tem validade. A obra de Ridley Scott é adorada por Stalone. Motiva sua fuga num Karman Ghia e dá arrebatamento a este roadmovie. 

A viagem do grupo, por assim dizer, contrasta bem com a ocorrida em “O Oitavo Dia” de Jaco van Dormael. Lá o personagem do ator argeliano Daniel Auteuil encontra no meio da estrada um homem, Georges, sozinho. Este detém a síndrome de down e tal como a trinca de “Colegas”, fugiu de uma instituição. Da mesma forma este desejava encontrar a família. A ótica é completamente diferente, igualmente abarrotada de sacadas e piadas, mas delineada abstrusamente e com inquestionável relevância. Tornou-se um roadmovie com comparações humanas.  Já o deslize desta produção brasileira cai nas mãos de seu diretor e roteirista, Marcelo Galvão, carente de noções cênicas e sem cuidados quanto ao trabalho de câmera, filmando sem critério, finalizando tudo desconjuntadamente. Falta senso temporal e espacial. Nem temos certeza sobre qual período a história se passa. 

Libertário em demanda, ou melhor, como inspiração, acompanhamos outra referência aos personagens em fuga com o cover de Raul Seixas, ídolo do trio que conhece as músicas de cor e subtende a proposição das letras declinando do sistema. Algumas canções do músico funcionam como trilhas, balanceando a sucessão de acontecimentos enquanto um ensaio para novos horizontes, simbolizando o regime de internação. A cena em que Aninha liberta um pássaro de um alçapão diz muito a respeito sua condição junto aos amigos, como também de tantos outros aprisionados por aí. Faz eco direto com o movimento antimanicomial. No entanto é pouco, um desperdício quando se tinha bom material e atores engajados num projeto que mais do que representar uma minoria, muito lhes dizia respeito.