“Colegas” procurou ser um filme
despretensioso, e sem pretensões tornou-se ufano. Conjuntamente pretendeu ser
leve, e tal leveza rendeu-lhe descomedida fragilidade narrativa. Inverossímil, consegue
ganhar o público graças – e unicamente – a um trio central pra lá de
carismático. Jovens com síndrome de Down, Stalone (Ariel Goldenberg), Aninha
(Rita Pokk) e Márcio (Breno Viola), fogem de uma instituição, roubam um carro e
seguem rumo a lugar nenhum, motivados por sonhos pessoais distantes de
resoluções devido as suas condições de aprisionamento numa clínica. O longa funciona
também como homenagem com teor socialmente crítico sem profundidade. Sobra
pouco: diversão que transita entre realidade e fabula, e estereótipos dissolvidos
em 100 minutos.
Os desejos do trio referem-se ao
passado, elaborações resultadas da ausência familiar, dos pais que não conheceram.
Um quer voar, outro deseja se casar no dia de São Judas Tadeu, e o último
tenciona conhecer o mar: cada um dos sonhos se liga em compreensões particulares
de vislumbres fantasiosos de encontrar os pais, realização idealizada que consagra
a série de acontecimentos. Essa concepção é, talvez, o que há de melhor neste
filme imerso em boas intenções, trabalhando com atores que detém a síndrome de
down e outros que vivenciam personagens ordinários, pouco críveis, como a dupla
policial – que diz perseguir bandidos – e outros profissionais concebidos em
sátira. O diretor não perde oportunidade de fazer piada em todas as situações. Inclui-se
ainda Lima Duarte que narra tudo sem qualquer razão a não ser justificar sua participação
e nome.
A história se desenrola com certa
naturalidade quando o diretor dá liberdade criativa aos atores que vivenciam os
protagonistas fujões, o comportamento destes chama a atenção pela espontaneidade.
Nesse âmbito é agradável perceber que os portadores da trissomia do cromossomo
21 não são expressados como indivíduos desventurados ou dignos de pena. Bom investimento
do roteiro que se desprende de solidariedade para salientar fugas, perseguições
e ambições inesgotáveis.
Para refutar o acerto, o mesmo
roteiro tenta ir longe, aspirando conquistas maiores. Quer até mesmo encantar
cinéfilos através de referências triviais. Praticamente todas as escolhas são
equivocadas. Passagens de obras clássicas do cinema foram lembradas, afinal, os
protagonistas são cinéfilos. Na instituição, cuidavam de uma videoteca e passaram
um bom tempo em frente a televisão. Irrompem menções a “Taxi Driver”, “Stallone
Cobra”, “Sociedade dos Poetas Mortos”, “O Poderoso Chefão” e “007”. Não
acontece unicamente durante os diálogos, os créditos artísticos já adiantavam. O
diretor ainda recria uma cena gratuita e constrangedora de “Psicose”. Tudo isso
pouco acrescenta ao filme. A citação a “Thelma & Louise”, todavia,
tem validade. A obra de Ridley Scott é adorada por Stalone. Motiva sua fuga num
Karman Ghia e dá arrebatamento a este roadmovie.
A viagem do grupo,
por assim dizer, contrasta bem com a ocorrida em “O Oitavo Dia” de Jaco van
Dormael. Lá o personagem do ator argeliano Daniel Auteuil encontra no meio da estrada um homem, Georges, sozinho. Este detém a
síndrome de down e tal como a trinca de “Colegas”, fugiu de uma instituição. Da
mesma forma este desejava encontrar a família. A ótica é completamente
diferente, igualmente abarrotada de sacadas e piadas, mas delineada
abstrusamente e com inquestionável relevância. Tornou-se um roadmovie com
comparações humanas. Já o deslize desta produção
brasileira cai nas mãos de seu diretor e roteirista, Marcelo Galvão, carente de
noções cênicas e sem cuidados quanto ao trabalho de câmera, filmando sem critério,
finalizando tudo desconjuntadamente. Falta senso temporal e espacial. Nem temos
certeza sobre qual período a história se passa.
Libertário em demanda,
ou melhor, como inspiração, acompanhamos outra referência aos personagens em
fuga com o cover de Raul Seixas, ídolo do trio que conhece as músicas de cor e
subtende a proposição das letras declinando do sistema. Algumas canções do
músico funcionam como trilhas, balanceando a sucessão de acontecimentos enquanto
um ensaio para novos horizontes, simbolizando o regime de internação. A
cena em que Aninha liberta um pássaro de um alçapão diz muito a respeito sua
condição junto aos amigos, como também de tantos outros aprisionados por aí. Faz
eco direto com o movimento antimanicomial. No entanto é pouco, um desperdício
quando se tinha bom material e atores engajados num projeto que mais do que
representar uma minoria, muito lhes dizia respeito.
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