quarta-feira, 5 de junho de 2013

Proseando sobre... Faroeste Caboclo



René Sampaio, diretor estreante, assumiu um grande desafio quando decidiu filmar uma das mais célebres canções de Renato Russo. A história composta em versos tinha cara de cinema, seus ouvintes por vezes se pegaram imaginando a saga do tal João de Santo Cristo e inevitavelmente idealizaram a história como se lessem um livro de memórias. Felizmente o cinema é uma arte capaz de fotografar. Os personagens então ganharam forma e “Faroeste Caboclo” passou a existir de fato nas telonas, sendo um filme simples, correto, crítico e cativante. Esses são atributos suficientes para garantir a simpatia dos ferrenhos fãs da banda brasiliense e dos cinéfilos que foram à procura de um bom filme. E mais, esse é um feliz exemplar do cinema comercial nacional. 

A liberdade narrativa do roteirista Marcos Bernstein dá dinamismo ao longa metragem já que este fundamenta-se na história original não seguindo-a inerentemente. Constatamos na abertura um duelo. Vem na mente o final da canção. A composição de cena é característica do bom e velho faroeste, com menções a John Ford e Sergio Leone, longe do oeste selvagem, mas num campo deserto de um local qualquer em Brasília. Um salto no tempo e o filme se enche de harmonia. Brevemente somos apresentados ao passado do protagonista ainda criança, vivenciando injustiças e assistindo trágica morte do pai. Crescido, sentia que era diferente e que o sertão não era o seu lugar. Da Bahia para Brasília. O filme se expande.

Fabrício Boliveira assume o papel central com tamanha dignidade que orgulha. Encarna um João de Santo Cristo marginalizado, esquecido em terras usurpadas por governantes, dominada pelo militarismo e torneada com preconceitos. Igualmente competente, Isis Valverde exprime uma delicada e melancólica Maria Lúcia, ressentida obscuramente na capital brasileira. Por último Felipe Abib dá entonação distinta ao vilão Jeremias, adequada ao contexto social, um mauricinho traficante com a polícia na mão. Quando João surge traficando para seu primo Pablo, os negócios de Jeremias ficam ameaçados. O duelo se delonga para gangues locais armadas, criando o clima de faroeste belamente fotografado, referenciado com o sol radiante e cruel de Brasília. 

Lançado comercialmente em todo o Brasil, o filme vem ser uma faísca de esperança para o cinema comercial brasileiro acostumado a lotar salas com comédias banais. Um sopro de originalidade num cruel cenário de ignorância artística, onde grandes obras não têm merecidas oportunidades. O elenco é promissor, tecnicamente a obra é eficiente por, principalmente, manter o espírito de Western e caracterizar a capital segundo os anos 80, num trabalho oportuno da direção artística combinada a elementos cênicos. Buscando instalar as críticas contidas na longa canção, o diretor lança tudo sem centrar em algo especificamente, já que tudo que acontece soa orgânico com problemas existentes e perdurantes tanto na época retratada quanto nos dias de hoje. Tudo é bem regido por René Sampaio que, convicto, se entrega a paixão artística do cinema de gênero, encontrando tempo para sutis críticas sociais sem maiores aprofundamentos.

Não faltam bons momentos que inexistem nas canções. Vale mencionar o período em que o protagonista está preso. Temos acesso a passagem de tempo através de fotografias diárias em retratos com jornais. Este é um elemento que não só funciona como transição temporal, mas explicativo quanto às motivações de alguns personagens. E estes estão admiravelmente interessantes, vividos por um elenco bem escolhido. No apoio o filme ainda conta com nomes como Antonio Calloni e Marcos Paulo em um de seus últimos trabalhos.

E em relação à música e a história? O cinema tem outra linguagem e faz a adaptação com suas mudanças e nuances necessárias para fazer sentido. A série de acontecimentos narrados na canção tomam forma encontrando outros rumos, amenamente distanciados daqueles tratados nos versos. No entanto identificamos cada um. “Faroeste Caboclo” revela-se um filme realista e empolgante. Realista por tratar de um problema político-social, com a epopéia de um jovem negro pobre sem rumo – e apesar de ser contextualizado nos anos 80, no Planalto Central, funciona indubitavelmente nos dias de hoje. E empolgante, ainda mais para os fãs do Legião Urbana, já que abre com os acordes da música e a sensação nostálgica, quase que inevitável para quem viveu os anos 80 e 90, fica ternamente a favor da obra.

 

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