Segundo trabalho entre o diretor
inglês Steve McQueen com o talentoso Michael Fassbender – o primeiro foi o
sórdido “Fome” que arrancou elogios por onde passou – “Shame” é um drama
intenso, pesado e difícil. Vai muito além de um protagonista sofrendo por seu desejo,
é uma ratificação ao prazer insuportável, custoso. Não foge ao padrão da
adicção, da constatação do gozo como maldição, acarretando-lhe danos, pois
sugere, inteligentemente, uma persona condenada à dependência sexual, como
poderia ser a qualquer outra coisa, sofrendo continuamente. O mundo retratado é
o pesar de um sujeito viciado em sexo, ou melhor, no orgasmo, e suas duras
investidas para nutri-lo.
Brandon Sullivan (Michael
Fassbender) é um executivo de sucesso, bem vestido, saudável e dono de um
bonito apartamento. Bem sucedido na vida profissional, seu demônio é o social
que, embora aparente ser um sujeito notório, demonstra total falta de calor
humano, conservado na frieza de sua cobiça enquanto observa mulheres – como um
fumante olhando um cigarro ansiando por consumi-lo. Prostitutas, casos nada
românticos, incitações e pornografia fazem parte de seu dia a dia. Na jornada
de trabalho é acrescentada transas furtivas e masturbações escondidas. Nas
manhãs, acorda solitário com os lençóis bagunçados na cama de casal.
McQueen é um cineasta que visa o
poder sensorial de seus filmes, priorizando longos diálogos e silêncios
marcados pela aflição. Os detalhes mínimos são impactantes, como o flerte no
metrô, ou a canção “New York, New York” – uma das mais marcantes cenas do filme
– em que reporta ao passado de seus protagonistas. O diretor ainda explora a
veemência de seu elenco, apostando na capacidade destes, tão bem escolhidos, em
expressar sentimentos indizíveis. Michael Fassbender faz isso como poucos
atualmente, ao lado da excepcional Carey Mulligan, igualmente ativa. É quando
sua personagem surge que os conflitos emergem.
Sissy Sullivan surge
repentinamente no apartamento de Brandon numa cena que revela, de imediato, a
relação entre ambos enquanto esta toma banho e seu corpo aparece nu. O caos se
estabelece. Tempos seguintes acessamos um pouco de suas histórias e características,
entre sorrisos e constrangimentos. Ambos também são marcados pelo contraste de
suas personalidades: enquanto ele denota toda sua frieza numa espécie de
imponência inatingível, com trajes escuros ressaltando sua individualização, a
moça se apresenta extrovertida, calorosa, cujas volúpias denunciam sua
extravagância. A composição desses personagens é esplêndida, enriquecendo o
paradigma de seu público testemunhando as ações.
A solidão recorrente nos irmãos é
coesa às pretensões da narrativa. Tudo soma a tristeza dos traços de ambos,
dignificando suas buscas incessantes. A fotografia turva explana o contexto
sem vida que reside Brandon, este que, ao tomar consciência de sua disposição,
lança-se a mudanças influenciadas por estímulos externos. O ato em que uma
mulher lhe desperta interesse no metrô não só pelo que esta pode lhe oferecer
sexualmente é genial, pois atestamos em cena posterior sua incapacidade sexual
quando o foco de sua cobiça se transforma por não estar buscando unicamente o gozo.
Indo mais longe à medida que sua
narrativa cadenciada delonga, o filme traz laços afetivos de outros personagens: o chefe de
Brandon, por exemplo, mantendo distanciamento da família, se aventurando nas
noites atrás de mulheres. Tal fato ocasiona uma confusão maior na vida do
protagonista, amigo íntimo do chefe, assistindo de perto uma vida familiar
certa posta em risco de desmanchar. As divagações do roteiro assinado por Abi
Morgan e pelo próprio McQueen se arriscam em outros núcleos compondo um
universo hostil a liberdade desejada pelo ser humano, o que garante a afinidade
de muito espectador. “Shame” é um filme poderoso, intenso, cuja melancolia
expressa no olhar de Michael Fassbender denuncia o inferno de seu personagem: a
adicção pelo sexo, o desejo pelo objeto (fonte de prazer sem importar gênero).
Belíssimo estudo de personagem!
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