quarta-feira, 25 de julho de 2012

Proseando sobre... O Abrigo


Curtis é um homem trabalhador, além de um pai exemplar, afetuoso e protetor. Tem uma esposa dedicada, Samantha (Jessica Chastain, ótima) e uma filha com deficiência auditiva, Hannah (Tova Stewart), que está prestes a realizar uma cirurgia. Igualmente a todas as famílias, essa tem seus problemas, inclusive os financeiros. Todavia, o emprego de Curtis garante-lhes um bom plano de saúde que pode cobrir grandes despesas, entre elas a da cirurgia. Um alívio. Toda forma de defesa é bem vinda, e depositando no papel de pai a lógica do cuidado, eventos que oferecem risco logo devem ser quebrados. A psicanálise coloca que, diferente do animal, o homem tem a possibilidade de postergar instintos. Tal afirmação tem devida validade nessa obra de Jeff Nichols, ao constatarmos a função paterna, a função de Curtis e seu zelo.  

A história de O Abrigo (Take Shelter, 2011) se passa numa pequena cidade em desenvolvimento no estado de Ohio. Em tempos de resoluções e economias, Curtis começa a ter pesadelos acompanhados de ilusões sobre ameaças externas a sua família, especialmente à pequena Hannah. Essas ameaças dizem respeito a uma forte tormenta com conseqüências catastróficas. Tais visões são compreendidas como pressentimentos, presságio de um futuro próximo e sempre são veiculadas a pessoas, animais ou objetos de seu contexto. Algo precisa ser feito, e tudo sai às escondidas. Os conflitos formados por esse aspecto mental dá movimento a uma série de eventos cujas hipóteses de ordem simbólica, metafísica e social refletem um transtorno. Um abrigo subterrâneo precisa ser construído para garantir segurança. Tal fato quando realizado vai indubitavelmente contra o cenário paisagístico retratado pela fotografia de Adam Stone, aparentando não apresentar qualquer ameaça. A composição desse ato é outro artifício simbólico: em meio a retratação bucólica iluminando os campos esverdeados, Curtis abre um buraco, proposição de um caos fortuito originando naquela terra, em si.

O diretor e roteirista Jeff Nichols explana um assunto bastante utilizado no cinema, a saúde mental, de uma maneira bem enfocada num personagem e sua mutação, à medida que vai tomando consciência de sua condição. É alguém que questiona o que está lhe ocorrendo e assume ter necessidade de ajuda, indo em busca de psiquiatras e psicólogos. Porém, temente a realidade, não deixa de efetuar a construção demandada por sua crença, buscando recursos para montar um abrigo, um tipo de forte bem equipado que possa manter sua família segura. O traço obsessivo dessa realização é muito bem definido pelo ótimo Michael Shannon, inexplicavelmente esquecido nas premiações recentes.

A habilidade do ator em clarear seu desespero em virtude da possibilidade de seu feito é fascinante, através de um olhar temeroso e de uma dicção insegura. O drama é suficiente, bem equilibrado, sem buscar saída em pieguices ou em costumes comuns de comoção pungente. Nichols, que já trabalhou com Shannon em Shotgun Stories,  ainda se aventura num subgênero, com nuances de horror, aplicado nas visões sempre com retratação onírica cujas cores frias modelam um universo fantasioso, seja nas nuvens turvas se aproximando ou nos pássaros rondando em bando como se anunciassem um infortúnio. A afetação no protagonista leva a severos desconfortos tanto no âmbito familiar com a família questionando sua atitude excessiva quanto no social, prejudicando inevitavelmente seu trabalho.

O ideal desse personagem que merece um estudo mais profundo diz respeito ao cuidado como amparo e medo. Mais do que a angústia apocalíptica, há uma história proeminente de seu passado afligindo possibilidades, embora as negue. A tomada de consciência viabiliza a compreensão do fato particular, algo visto em determinado ato quando precisa abrir uma porta. No entanto, como defesa, lhe resta a segurança espantada. Circula-se nessa narrativa incitações psicológicas e questões de fé, esse segundo é um motivador para a elaboração de seu propósito como quem anuncia o juízo final exaustivamente, causando pânico. Não distante da história de Noé, que foi ordenado a montar uma barca para salvar sua família – Darren Aronofsky trará em breve esta história aos cinemas –, Curtis acredita ter um propósito, o que implica na realidade e dá forma a essa extasiante obra.  

* Esta crítica foi publicada primeiramente em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=2446



Nenhum comentário:

Postar um comentário