Quando o primeiro “Homem-Aranha”
surgiu, a novidade vista em tela logo tomou grandes proporções chegando a
vários públicos com o charme e a aventura fantástica contagiante, cujos
recursos cinematográficos davam um gás nunca visto até então no cinema
convencional. Era sensacional para a época. Desta obra dirigida por Sam Raimi,
originaram outras duas constituindo uma boa trilogia. Eis que agora tudo se
renova, ao menos na produção. Outros rostos por trás e em frente à tela conceberam
este “O Espetacular Homem-Aranha”, um reboot que está mais para uma revisitação
do primeiro filme, algo que, de imediato, causa estranheza. É o mesmo com outra
vertente. Comparações são inevitáveis, porém desnecessárias. Franquias desse
tipo sempre irão se renovar. O risco é a graça do gênero se perder. Aliás, já
está se perdendo.
A agraciada comédia romântica “(500) Dias com Ela”
rendeu bons frutos ao diretor Marc Webb. Ele fora chamado para
assumir a nova trilogia do aracnídeo. O que se vê então de contraste com essa e
aquela primeira versão lançada em 2002? A paixão de Sam Raimi, fã dos quadrinhos
frente à perspectiva de Webb que está prestes a se firmar em Hollywood. A
ideologia sobre responsabilidades de seu protagonista segue pregada, no entanto
o ideal germinado toma outros rumos sobre a persona Peter Paker. O ator Andrew
Garfield que vive o herói já demonstrava talento lá em “Leões e Cordeiros”,
esteve em “O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus” e fez sucesso em “A
Rede Social”, mas foi no ótimo “Não me abandone
jamais” que comprovou habilidade dramática. Garfield é, sem dúvidas, o melhor Peter Parker do cinema. Ele entrega
todo o universo desse personagem com facetas de um autêntico nerd sofrendo na
escola e nos relacionamentos. O roteiro viabiliza oportunidades para o ator trabalhar
o protagonista, entre eles alguns apoios visuais enlaçados a direção artística: por exemplo a composição de seu quarto com aparatos tecnológicos e o pôster de “Janela
Indiscreta” estampando o personagem vivido por James Stewart representando tão
bem seu hobbie, a fotografia.
Essa noção de personagem é bem
conduzida por Webb que trabalha igualmente bem com Emma Stone que encarna Gwen
Stacy, o primeiro amor de Peter; e Rhys Ifans que empresta o corpo ao cientista
Dr. Curt Connors. O trio bem trabalhado tem motivações esclarecidas, embora
algumas coisas ignoradas pelo roteiro – com intenções óbvias de se trabalhar
futuramente – se mantenha, às vezes comprometendo o desenvolvimento do texto.
Por exemplo a história relacionada ao desaparecimento dos pais de Peter Parker.
A narrativa é mal amarrada, é acelerada embora o filme conte com uma longa duração.
Ao menos nada é gratuito, temos tempo de conhecer trajetórias, os medos e
inseguranças convertidas em fundamentos e princípios tornando o herói
suficientemente complexo. A identidade escondida, algo essencialmente
introduzido na trilogia de Raimi, não é uma preocupação aqui. Parker tem a face
exposta em vários momentos enquanto traja o uniforme.
Filmado em 3D, algo que
aparentemente Marc Webb não tem tanta prática, o que se destaca no
longa são os bons efeitos sem a tridimensionalidade. Já nem vale tanto elogiar os efeitos
especiais. São melhores que nos filmes anteriores,
claro, no entanto parecem pequenos comparados a novidade de outrora. Hoje este artifício
já não é tão exaltado por ser demasiado comum e notadamente obrigatório em
produções semelhantes. O mérito é exclusivamente da história, de seus bons
personagens. Emma Stone, carismática e com uma voz inconfundível, é rejuvenescida
para viver Gwen Stacy aos 17 anos. Ao lado de Garfield, um casal
mais comovedor do que Tobey Maguire e Kirsten Dunst é formado. Martin
Sheen nos entrega um ótimo Tio Ben ao passo que Sally Field, que teve o grande
momento da carreira estacado nos anos 80, faz uma Tia May pouco
verossímil.
A ótica desse início de franquia
abraça novos contextos e se fixa na ciência, na possibilidade de criação, da
perfeição. Desta maneira, o ótimo Duende Verde vivido idoneamente por Willem
Dafoe dialoga com Dr. Curt Connors num aspecto mental, estando Rhys Ifans edificando o bom antagonista com suas contradições e privações. “O Espetacular
Homem-Aranha” é filme de caracterizações cuja força se mantém nos seus bons
personagens, mas que se perde no desenrolar da história quando restringe-se a
uma rede de coincidências. O cara que gosta da moça vai travar um duelo com o
mentor dessa enquanto escapa da perseguição do policial que, naturalmente, tem
vínculo direto com a mesma mocinha. Basicamente é isso. O tempero da trama, por
sua vez, é o humor dos personagens e as caras e bocas destes. Não faltam piadas
e gags inflamando risadas. É de fato um filme divertidíssimo, pequeno perante a
representação de quem é o “Homem-Aranha” de Stan Lee, mas convincente,
descompromissado e leve. Um ar da graça para uma geração que não acompanhou o
que Sam Raimi realizou.
Mais um excelente texto, Marcelo!
ResponderExcluirE eu também gostei do filme, sendo que eu não esperava nada dele. A repetição da trama decepciona, mas a direção do Webb é muito boa, consegue dar uma cara diferente ao filme, além de que Andrew Garfield me fez esquecer de que Tobey Maguire já havia, um dia, interpretado Peter Parker. No geral, um filme muito bom e acima da média.