sexta-feira, 21 de março de 2014

Proseando sobre... Trapaça

O diretor David O. Russell retoma parceria com Christian Bale e Amy Adams, com quem havia trabalhado no belo O Vencedor (The Fighter, 2010), e com o trio Bradley Cooper, Jennifer Lawrence e Robert De Niro, atores que dirigiu no aborrecido O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook, 2012). Com eles – e somo ainda a presença de Jeremy Renner e Michael Peña – o diretor cria o seu filme mais convencional. Em sua abordagem de trabalhar com máfias, o diretor parece visitar alguns clássicos, buscar inspiração neles, enquanto delineia um humor negro através de gags e diálogos expositivos, além de manejos de câmeras característicos, com excesso de zooms. Me parece um Martin Scorsese afetado pela cultura pop, extraindo em meio as suas mirabolâncias boas atuações, tal como fizera em seus filmes anteriores.

A fita corre abarcada por escárnio, percebemos logo na primeira cena quando observamos o personagem de Bale colando o próprio cabelo. Não só esta, outras trazem a concepção de farsa, de mentira, direcionando-nos a ideia de trapaça sugerida pelo título nacional. Vem reviravoltas, corrupção, mentiras, roubos milionários. A inspiração de tudo isso é um caso verídico lá dos anos 70, quando o FBI forjou uma operação para capturar alguns políticos. David O. Russell investe pesado no tom da ironia, alcança relativo sucesso em passageiros bons momentos, mas o filme parece não se segurar, é raso demais, uma concepção equivocada de longas com golpistas. Gostamos dos personagens, a situação toda já não agrada tanto assim, talvez pelo viés de humor que o cineasta decidiu trabalhar. É uma louvável e corajosa decisão, sem dúvidas.

Dois autênticos trapaceiros são obrigados a colaborar com um agente do FBI, ambos entram no perigoso mundo da máfia envolvendo políticos e bandidos, transitando entre culpados e inocentes. A história privilegia o núcleo de relações estabelecido entre casais e amantes. Ações individuais mudam os rumos da história inconclusiva e a dinâmica enternece na dúvida dos resultados que a operação visa. Não só isso, as decisões individuais chamam a atenção, foge a lógica, pois desconstrói paradigmas que adotamos como verdadeiros. Hipocrisias englobam tantos personagens que esses ganham profundidade à medida que os interesses avolumam. Devido a essa concepção de personagens distintos e caracterizados, a narrativa termina ficando em segundo plano. Os manejos de câmeras e o roteiro se baseiam quase que unicamente na construção dos intérpretes.

O filme encontra seu grande momento com Jennifer Lawrence dançando “Live and let die” enquanto a sua volta desaba. Tem Christian Bale em estado de graça, numa composição demasiada cômica. É certamente o melhor personagem de Trapaça. As atuações são sem dúvidas o que nos motiva a seguir acompanhando o filme, cada trejeito criado por seus atores fundamentam o método de atuação, garantindo o apreço do público pelos personagens. Na composição final temos o fato: O. Russell é um diretor de atores. Grandes diretores tem que ser. É por isso que ele vem sendo tão celebrado, mas seus últimos filmes não acompanham tal potencial, terminando sem trato e ligeiramente rasteiros, embora geralmente divertidos. Entre decotes e sarcasmo, o filme avança e pouco oferta. Fomos trapaceados quando alguns disseram se tratar de uma obra prima.


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