O diretor David O. Russell retoma parceria com Christian Bale e Amy Adams, com quem havia trabalhado no belo O Vencedor (The Fighter, 2010), e com o trio Bradley Cooper, Jennifer Lawrence e Robert De Niro, atores que dirigiu no aborrecido O Lado Bom da Vida
(Silver Linings Playbook, 2012). Com eles – e somo ainda a presença de
Jeremy Renner e Michael Peña – o diretor cria o seu filme mais
convencional. Em sua abordagem de trabalhar com máfias, o diretor parece
visitar alguns clássicos, buscar inspiração neles, enquanto delineia um
humor negro através de gags e diálogos expositivos, além de manejos de
câmeras característicos, com excesso de zooms. Me parece um Martin
Scorsese afetado pela cultura pop, extraindo em meio as suas
mirabolâncias boas atuações, tal como fizera em seus filmes anteriores.
A fita corre abarcada por escárnio, percebemos logo na primeira cena
quando observamos o personagem de Bale colando o próprio cabelo. Não só
esta, outras trazem a concepção de farsa, de mentira, direcionando-nos a
ideia de trapaça sugerida pelo título nacional. Vem reviravoltas,
corrupção, mentiras, roubos milionários. A inspiração de tudo isso é um
caso verídico lá dos anos 70, quando o FBI forjou uma operação para
capturar alguns políticos. David O. Russell investe pesado no tom da
ironia, alcança relativo sucesso em passageiros bons momentos, mas o
filme parece não se segurar, é raso demais, uma concepção equivocada de
longas com golpistas. Gostamos dos personagens, a situação toda já não
agrada tanto assim, talvez pelo viés de humor que o cineasta decidiu
trabalhar. É uma louvável e corajosa decisão, sem dúvidas.
Dois autênticos trapaceiros são obrigados a colaborar com um agente
do FBI, ambos entram no perigoso mundo da máfia envolvendo políticos e
bandidos, transitando entre culpados e inocentes. A história privilegia o
núcleo de relações estabelecido entre casais e amantes. Ações
individuais mudam os rumos da história inconclusiva e a dinâmica
enternece na dúvida dos resultados que a operação visa. Não só isso, as
decisões individuais chamam a atenção, foge a lógica, pois desconstrói
paradigmas que adotamos como verdadeiros. Hipocrisias englobam tantos
personagens que esses ganham profundidade à medida que os interesses
avolumam. Devido a essa concepção de personagens distintos e
caracterizados, a narrativa termina ficando em segundo plano. Os manejos
de câmeras e o roteiro se baseiam quase que unicamente na construção
dos intérpretes.
O filme encontra seu grande momento com Jennifer Lawrence dançando
“Live and let die” enquanto a sua volta desaba. Tem Christian Bale em
estado de graça, numa composição demasiada cômica. É certamente o melhor
personagem de Trapaça. As atuações são sem dúvidas o que nos
motiva a seguir acompanhando o filme, cada trejeito criado por seus
atores fundamentam o método de atuação, garantindo o apreço do público
pelos personagens. Na composição final temos o fato: O. Russell é um
diretor de atores. Grandes diretores tem que ser. É por isso que ele vem
sendo tão celebrado, mas seus últimos filmes não acompanham tal
potencial, terminando sem trato e ligeiramente rasteiros, embora
geralmente divertidos. Entre decotes e sarcasmo, o filme avança e pouco
oferta. Fomos trapaceados quando alguns disseram se tratar de uma obra
prima.
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