Há 30 anos o Brasil conheceu o
maior garimpo de ouro que já se teve registro. Depois de muito sangue e suor, o
resultado foi a extração de toneladas de ouro e um buraco que ultrapassou 200
metros de profundidade. O Pará abrigou num curto espaço uma população de 80 mil
pessoas que saíram de todos os cantos do Brasil em busca de riqueza, deixando
famílias e sonhos atrás de uma oportunidade. A história se concentra em dois desses
homens, dois amigos, que deixaram São Paulo imaginando que encontrariam sucesso
nas terras do norte, sem saber que junto deles outras centenas seguiam pelo
mesmo caminho. No meio de tantos conflitos o filme centra na disputa por
território, dinheiro e poder, reverberando na ambição de se ter mais a qualquer
custo através de homens condenados à avareza infortuna.
Entre tantas histórias e sonhos
depositados naquela terra, acompanhamos os de Juliano (Juliano Cazarré) e
Joaquim (Júlio Andrade). O primeiro ganhava a vida em lutas de boxe enquanto o segundo
era um professor que não via grandes perspectivas para o futuro, especialmente
depois de sua esposa engravidar. A dupla segue junto para o norte do país
ambicionando retornar em breve e com os bolsos cheios. Algumas conquistas
chegam, até se acumulam e, observando de perto a chance de ganhar mais, ficam
mais tempo até serem consumidos pela cobiça e transformados em carrascos. Essa transformação
é repentina e previsível, a acompanhamos nas ações e expressões da dupla que se
distancia à medida que o dinheiro divide-os. Extremidades são delineadas pelo
roteiro. Um se arma como defesa ou ameaça, não importa. Mata. Em seguida diz te
gostado de matar.
O diretor Heitor Dhalia sempre
flertou com o comportamento humano dento do cinema através de seus
protagonistas. Se em Nina (idem,
2004) ele demonstrava profundo interesse em saúde mental, em O Cheiro do Ralo (idem, 2006) flerta
com neurose e obsessão. No lindíssimo À
Deriva (idem, 2009) trabalhou com a infância e suas descobertas enquanto
refletia sobre adicções. Nesse Serra
Pelada explana a grandeza humana e seu delírio frente a riqueza. Seus personagens
principais parecem carecidos de morais e regras, são alimentados pela presumível
conquista de algum degrau hierárquico no meio da extração. A liderança é
passada de mão em mão, com alguns bons personagens bem caracterizados, embora
caricatos: o coronel Carvalho (Matheus Nachtergaele) é perverso e torpe; já o
Lindo Rico (Wagner Moura, ótimo em cena) se serve de um humor ácido para compor,
como uma versão do coringa.
Nesse filme cujo um momento da história
do Brasil serve como plano de fundo para retratar conflitos, algumas cenas são
esplendidas: um plano abre mostrando a dimensão local das minas, revelando um autêntico
formigueiro humano com milhares trabalhando juntos em conformidade. A fotografia
escurecida colocando as minas a frente do homem lembra a realizada em Sangue Negro (There Will Be Blood,
2007). Assistimos uma combinação de cenas fictícias com imagens de arquivos,
servindo como apelo documental do início dos anos 80. Isso é algo que motivou
Wagner Moura, um dos produtores, a conceber o filme após leituras e vídeos,
fazendo-o recordar das matérias que lera na época. A narração em off compara um
conglomerado conjunto de homens modelando as pirâmides do Egito tal como
acontece em serra pelada estando a pirâmide invertida.
No meio da corrida pelo ouro,
ainda surge tempo para um romance manar como alusão a cobiça dos pretendentes
por riqueza. Aparece a ex prostituta Tereza vivida por Sophie Charlotte em seu
papel de estréia nas telonas. A morena empresta toda uma graça e luxúria a
personagem, tanto em cenas de sexo quanto nas que lhe exige sensualidade no
meio dos milhares de homens que desenterram o que julgam ser o futuro. Ela aparece
como troféu e é tratada com violência. Os atores de modo geral estão bem.
Dhalia sempre prezou isso. Juliano Cazarré segura o filme com sua agressividade
latente enquanto Júlio Andrade dá um teor mais crítico e ponderador a Joaquim,
sempre recordando da família, de sua mulher (Laura Neiva em sua segunda parceria
com o diretor), incerto se sua escolha realmente tenha valido a pena.
Um barranco desaba matando dois
homens. Após o acidente a amizade entre os amigos entra definitivamente em
conflito, desmoronando, enterrando os valores que a cobiça abateu. O tempo se
delonga de 1980 a 1984, ostentando tudo o que se fez no local, incluindo uma
cidadezinha onde tudo era liberado. Compreendemos bem essa passagem do tempo a
partir de algumas escolhas do diretor. O roteiro favorece a compreensão, é
simplório e pouco inventivo, mas coeso diante o que pretende mostrar. O problema
se dá na narração em off, a história é contada por Joaquim. Há um potencial
muito grande desperdiçado quando tal narração conta toda a série de eventos da
época. Facilita a compreensão, mas diminui o filme. A década de 80 é remontada
sem muito esforço, as aspirações dos viajantes atrás de dinheiro é bem narrada,
e toda a fortuna apoderada não parece ser o bastante. Nem tudo que reluz é ouro.
As conseqüências podem ser mortais.
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