terça-feira, 5 de novembro de 2013

Proseando sobre... Serra Pelada



Há 30 anos o Brasil conheceu o maior garimpo de ouro que já se teve registro. Depois de muito sangue e suor, o resultado foi a extração de toneladas de ouro e um buraco que ultrapassou 200 metros de profundidade. O Pará abrigou num curto espaço uma população de 80 mil pessoas que saíram de todos os cantos do Brasil em busca de riqueza, deixando famílias e sonhos atrás de uma oportunidade. A história se concentra em dois desses homens, dois amigos, que deixaram São Paulo imaginando que encontrariam sucesso nas terras do norte, sem saber que junto deles outras centenas seguiam pelo mesmo caminho. No meio de tantos conflitos o filme centra na disputa por território, dinheiro e poder, reverberando na ambição de se ter mais a qualquer custo através de homens condenados à avareza infortuna. 

Entre tantas histórias e sonhos depositados naquela terra, acompanhamos os de Juliano (Juliano Cazarré) e Joaquim (Júlio Andrade). O primeiro ganhava a vida em lutas de boxe enquanto o segundo era um professor que não via grandes perspectivas para o futuro, especialmente depois de sua esposa engravidar. A dupla segue junto para o norte do país ambicionando retornar em breve e com os bolsos cheios. Algumas conquistas chegam, até se acumulam e, observando de perto a chance de ganhar mais, ficam mais tempo até serem consumidos pela cobiça e transformados em carrascos. Essa transformação é repentina e previsível, a acompanhamos nas ações e expressões da dupla que se distancia à medida que o dinheiro divide-os. Extremidades são delineadas pelo roteiro. Um se arma como defesa ou ameaça, não importa. Mata. Em seguida diz te gostado de matar.

O diretor Heitor Dhalia sempre flertou com o comportamento humano dento do cinema através de seus protagonistas. Se em Nina (idem, 2004) ele demonstrava profundo interesse em saúde mental, em O Cheiro do Ralo (idem, 2006) flerta com neurose e obsessão. No lindíssimo À Deriva (idem, 2009) trabalhou com a infância e suas descobertas enquanto refletia sobre adicções. Nesse Serra Pelada explana a grandeza humana e seu delírio frente a riqueza. Seus personagens principais parecem carecidos de morais e regras, são alimentados pela presumível conquista de algum degrau hierárquico no meio da extração. A liderança é passada de mão em mão, com alguns bons personagens bem caracterizados, embora caricatos: o coronel Carvalho (Matheus Nachtergaele) é perverso e torpe; já o Lindo Rico (Wagner Moura, ótimo em cena) se serve de um humor ácido para compor, como uma versão do coringa. 

Nesse filme cujo um momento da história do Brasil serve como plano de fundo para retratar conflitos, algumas cenas são esplendidas: um plano abre mostrando a dimensão local das minas, revelando um autêntico formigueiro humano com milhares trabalhando juntos em conformidade. A fotografia escurecida colocando as minas a frente do homem lembra a realizada em Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007). Assistimos uma combinação de cenas fictícias com imagens de arquivos, servindo como apelo documental do início dos anos 80. Isso é algo que motivou Wagner Moura, um dos produtores, a conceber o filme após leituras e vídeos, fazendo-o recordar das matérias que lera na época. A narração em off compara um conglomerado conjunto de homens modelando as pirâmides do Egito tal como acontece em serra pelada estando a pirâmide invertida. 

No meio da corrida pelo ouro, ainda surge tempo para um romance manar como alusão a cobiça dos pretendentes por riqueza. Aparece a ex prostituta Tereza vivida por Sophie Charlotte em seu papel de estréia nas telonas. A morena empresta toda uma graça e luxúria a personagem, tanto em cenas de sexo quanto nas que lhe exige sensualidade no meio dos milhares de homens que desenterram o que julgam ser o futuro. Ela aparece como troféu e é tratada com violência. Os atores de modo geral estão bem. Dhalia sempre prezou isso. Juliano Cazarré segura o filme com sua agressividade latente enquanto Júlio Andrade dá um teor mais crítico e ponderador a Joaquim, sempre recordando da família, de sua mulher (Laura Neiva em sua segunda parceria com o diretor), incerto se sua escolha realmente tenha valido a pena.

Um barranco desaba matando dois homens. Após o acidente a amizade entre os amigos entra definitivamente em conflito, desmoronando, enterrando os valores que a cobiça abateu. O tempo se delonga de 1980 a 1984, ostentando tudo o que se fez no local, incluindo uma cidadezinha onde tudo era liberado. Compreendemos bem essa passagem do tempo a partir de algumas escolhas do diretor. O roteiro favorece a compreensão, é simplório e pouco inventivo, mas coeso diante o que pretende mostrar. O problema se dá na narração em off, a história é contada por Joaquim. Há um potencial muito grande desperdiçado quando tal narração conta toda a série de eventos da época. Facilita a compreensão, mas diminui o filme. A década de 80 é remontada sem muito esforço, as aspirações dos viajantes atrás de dinheiro é bem narrada, e toda a fortuna apoderada não parece ser o bastante. Nem tudo que reluz é ouro. As conseqüências podem ser mortais.

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