Quando assisti Seven - Os Sete Crimes Capitais (Se7en,
1995) pela primeira vez, por volta de 1997 ou 1998, lembro, felizmente, da
sensação, embora fosse bastante novo para compreender toda a dimensão do filme.
Lembro de ter ficado preso no sofá avaliando o que estava assistindo,
percebendo que o clima de tensão proposto por David Fincher me causava profunda
tensão. Assisti o filme muitas outras vezes depois e o impacto nunca diminuiu.
Poucas vezes numa obra do gênero tal sensação se repetiu. Há meses conferi Incêndios (Incendies, 2010), filmaço de
um tal canadense Denis Villeneuve, diretor de um outro bom longa, Polytechnique (idem, 2009). Incêndios trazia uma trama longa e
engenhosa, recheada de coincidências que se fundamentava numa experiência
obscura deixando o espectador atento a detalhes, mesmo com sua longa duração.
Acontece a mesma coisa e talvez com maior vigor nesse Os Suspeitos, filme de estreia de Villeneuve em Hollywood. O
diretor mantém todo seu estilo num terreno onde esses costumam se perder.
Semelhante a seu filme anterior,
o indicado ao oscar Incêndios, Villeneuve
retrata um desaparecimento. É um mote para o roteiro desenhar diversos caminhos.
Não à toa, o filme tem como símbolo um labirinto, esse que irá aparecer em
diversos momentos com destaque ao pingente de um indigente e o desenho a lápis num
papel. Há uma profunda ligação entre eles que se intercala a diversas pontas da
história atando-se num caminho rumo a uma única saída, permitindo uma ambigüidade
magistral quando se conclui. Até a conclusão, muito foi-se observado através de
nossa imersão na atmosfera de suspense tenebrosa fortalecida pela técnica: a
fotografia predomina paletas castanhas e a câmera traz os personagens para
perto em cômodos pequenos. É claustrofóbico e desesperador! Sensorialmente
funciona, já que estamos inseridos juntamente num contexto de constante perigo
que o desaparecimento de duas crianças oferece com os pais pouco tendo o que
fazer. A chuva seguida pelo gelo, as sombras, os vultos e a frieza que o tempo
concede são artifícios calculados que condizem a proposta da trama e soma a
interpretação de um elenco primoroso.
Tem-se o policial empenhado, o
detetive Loki (Jake Gyllenhaal), frente a um pai desesperado, Keller Dover (Hugh
Jackman), e ambos se opõem não por suspeitas, mas por perspectivas. A construção
dos personagens é algo feito com especial cuidado pelo roteiro de Aaron
Guzikowski. A diligência de Loki, personagem solitário e dedicado, cheio de
memórias atormentadas de seu passado – mencionadas em detalhes breves –
corroboradas por um tique de piscar nervosamente lhe dá uma dinâmica de
inquietação; enquanto Keller vive um dilema moral, fazendo justiça conforme
acredita, sem medir custo ou conseqüência de suas escolhas, ainda sendo um
personagem árduo e agressivo. Jackman consegue lhe dar perfeito brio. Secundariamente
e não menos importante está Alex Jones (Paul Dano em mais um grande momento)
como principal suspeito do desaparecimento, um jovem cuja idade mental é
compatível ao de um menino de 10 anos incapaz de realizar um sequestro sem que
ninguém perceba.
Envolvente, a trama nunca deixa
claro o que aconteceu e pende para reviravoltas, assumindo o risco de nos fazer
dispersar pela confusão estabelecida durante a longa projeção. Não nos
dispersamos, o roteiro transita por uma progressiva e contínua cadeia de
informações, esclarecendo pouco a pouco os fatos relativos ao desaparecimento
das duas crianças. Centra-se em Alex Jones, mergulhamos em possíveis
motivações, entre elas oriundas de ordem religiosa, da recusa da crença. Personagens
até então deslocados vão ganhando mais atenção e um emaranhado de desalinhos
narrativos se acentuam deixando o espectador com uma interrogação em mente,
certificando se não deixou passar nenhum detalhe. Reforço o desempenho dos
atores, já que a empatia garante nosso interesse. Melissa Leo está
especialmente grandiosa ao lado de Viola Davis, Maria Bello e Terrence Howard.
Esse último devia uma grande atuação desde Ritmo
de um Sonho (Hustle & Flow, 2005).
Os filmes de detetive andam
precários, parte das produções são lançadas diretamente em DVD devido às
limitações. Ver um exemplar sobressair-se bem em todos os quesitos clássicos
sem beber de clichês habituais é uma surpresa empolgante, já que assistimos o
cinema respirar ofegante com alguma liberdade (sem intervenção de produtores e
estúdio). O cinema vive um marasmo criativo, as produções para televisão estão em
maior evidência com maior possibilidade – e oportunidade – de criar e investir
com ousadia.
As surpresas do longa residem na
dúvida, nos questionamentos que invariavelmente fazemos a medida que o filme
avança, perguntando aqui e ali sobre o que de fato aconteceu e quem verdadeiramente
consideramos inocentes. O título nacional nem faz jus a história. Prisioneiros,
traduzido do título original, diz respeito ao que o filme essencialmente é. Todos
os personagens são prisioneiros de seus comportamentos, ações e emoções, lesando
a moral e senso em troca de respostas que poderão não vir. Sem maniqueísmo,
assistimos atos seqüenciais de hipóteses sem a luz da verdade. Bem narrado e
contado, Os Suspeitos é um legítimo
suspense, um thriller que manterá o espectador atento do início ao fim. É cinema
autoral, Denis Villeneuve deixa sua marca em Hollywood! E que esta seja
influência para muitos outros realizadores que certamente virão.
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