segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Proseando sobre... Os Suspeitos



Quando assisti Seven - Os Sete Crimes Capitais (Se7en, 1995) pela primeira vez, por volta de 1997 ou 1998, lembro, felizmente, da sensação, embora fosse bastante novo para compreender toda a dimensão do filme. Lembro de ter ficado preso no sofá avaliando o que estava assistindo, percebendo que o clima de tensão proposto por David Fincher me causava profunda tensão. Assisti o filme muitas outras vezes depois e o impacto nunca diminuiu. Poucas vezes numa obra do gênero tal sensação se repetiu. Há meses conferi Incêndios (Incendies, 2010), filmaço de um tal canadense Denis Villeneuve, diretor de um outro bom longa, Polytechnique (idem, 2009). Incêndios trazia uma trama longa e engenhosa, recheada de coincidências que se fundamentava numa experiência obscura deixando o espectador atento a detalhes, mesmo com sua longa duração. Acontece a mesma coisa e talvez com maior vigor nesse Os Suspeitos, filme de estreia de Villeneuve em Hollywood. O diretor mantém todo seu estilo num terreno onde esses costumam se perder. 

Semelhante a seu filme anterior, o indicado ao oscar Incêndios, Villeneuve retrata um desaparecimento. É um mote para o roteiro desenhar diversos caminhos. Não à toa, o filme tem como símbolo um labirinto, esse que irá aparecer em diversos momentos com destaque ao pingente de um indigente e o desenho a lápis num papel. Há uma profunda ligação entre eles que se intercala a diversas pontas da história atando-se num caminho rumo a uma única saída, permitindo uma ambigüidade magistral quando se conclui. Até a conclusão, muito foi-se observado através de nossa imersão na atmosfera de suspense tenebrosa fortalecida pela técnica: a fotografia predomina paletas castanhas e a câmera traz os personagens para perto em cômodos pequenos. É claustrofóbico e desesperador! Sensorialmente funciona, já que estamos inseridos juntamente num contexto de constante perigo que o desaparecimento de duas crianças oferece com os pais pouco tendo o que fazer. A chuva seguida pelo gelo, as sombras, os vultos e a frieza que o tempo concede são artifícios calculados que condizem a proposta da trama e soma a interpretação de um elenco primoroso.

Tem-se o policial empenhado, o detetive Loki (Jake Gyllenhaal), frente a um pai desesperado, Keller Dover (Hugh Jackman), e ambos se opõem não por suspeitas, mas por perspectivas. A construção dos personagens é algo feito com especial cuidado pelo roteiro de Aaron Guzikowski. A diligência de Loki, personagem solitário e dedicado, cheio de memórias atormentadas de seu passado – mencionadas em detalhes breves – corroboradas por um tique de piscar nervosamente lhe dá uma dinâmica de inquietação; enquanto Keller vive um dilema moral, fazendo justiça conforme acredita, sem medir custo ou conseqüência de suas escolhas, ainda sendo um personagem árduo e agressivo. Jackman consegue lhe dar perfeito brio. Secundariamente e não menos importante está Alex Jones (Paul Dano em mais um grande momento) como principal suspeito do desaparecimento, um jovem cuja idade mental é compatível ao de um menino de 10 anos incapaz de realizar um sequestro sem que ninguém perceba.  

Envolvente, a trama nunca deixa claro o que aconteceu e pende para reviravoltas, assumindo o risco de nos fazer dispersar pela confusão estabelecida durante a longa projeção. Não nos dispersamos, o roteiro transita por uma progressiva e contínua cadeia de informações, esclarecendo pouco a pouco os fatos relativos ao desaparecimento das duas crianças. Centra-se em Alex Jones, mergulhamos em possíveis motivações, entre elas oriundas de ordem religiosa, da recusa da crença. Personagens até então deslocados vão ganhando mais atenção e um emaranhado de desalinhos narrativos se acentuam deixando o espectador com uma interrogação em mente, certificando se não deixou passar nenhum detalhe. Reforço o desempenho dos atores, já que a empatia garante nosso interesse. Melissa Leo está especialmente grandiosa ao lado de Viola Davis, Maria Bello e Terrence Howard. Esse último devia uma grande atuação desde Ritmo de um Sonho (Hustle & Flow, 2005). 

Os filmes de detetive andam precários, parte das produções são lançadas diretamente em DVD devido às limitações. Ver um exemplar sobressair-se bem em todos os quesitos clássicos sem beber de clichês habituais é uma surpresa empolgante, já que assistimos o cinema respirar ofegante com alguma liberdade (sem intervenção de produtores e estúdio). O cinema vive um marasmo criativo, as produções para televisão estão em maior evidência com maior possibilidade – e oportunidade – de criar e investir com ousadia. 

As surpresas do longa residem na dúvida, nos questionamentos que invariavelmente fazemos a medida que o filme avança, perguntando aqui e ali sobre o que de fato aconteceu e quem verdadeiramente consideramos inocentes. O título nacional nem faz jus a história. Prisioneiros, traduzido do título original, diz respeito ao que o filme essencialmente é. Todos os personagens são prisioneiros de seus comportamentos, ações e emoções, lesando a moral e senso em troca de respostas que poderão não vir. Sem maniqueísmo, assistimos atos seqüenciais de hipóteses sem a luz da verdade. Bem narrado e contado, Os Suspeitos é um legítimo suspense, um thriller que manterá o espectador atento do início ao fim. É cinema autoral, Denis Villeneuve deixa sua marca em Hollywood! E que esta seja influência para muitos outros realizadores que certamente virão.


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