domingo, 25 de março de 2012

Proseando sobre... Jogos Vorazes



 “Jogos Vorazes” é uma ficção futurista, vista com um olhar de reprova por seu público quando este acompanha, abismado, a proposta dos jogos que unem humanos numa arena, caçando-se até restar apenas um sobrevivente. O clemente dito salvo pelos senhores. A América do Norte, agora nomeada Panem, tornou-se uma capital com 12 distritos. Um casal jovem é selecionado por cada um para se enfrentar num verdadeiro campo de batalha. Apenas um sairá vivo. O vencedor garante privilégios ao seu povo. A diversão sublinhada pelo projeto roteirizado por Suzanne Collins a partir de seu Best-Seller é uma obra pessimista com o futuro, com as pessoas, com o que poderão se tornar. Estamos nos tornando, sejamos sensatos. Vivemos num ambiente próximo, devoramos o que nos é imposto e constantemente somos manipulados por artifícios midiáticos alcançando uma lógica de consumo movimentada e devoradora. E que a sorte esteja sempre a seu favor, é o que sugere o lema dos jogos, frisando o azar fatal.

O palco está montado, a distopia inflamada é bem coordenada pelo diretor Gary Ross (“Seabiscuit”). Trata-se de uma nova adaptação literária com óbvias intenções de alcançar o público mais jovem. Isso explica a censura. Se alguns filmes direcionados a eles buscam o entretenimento sem profundidade e questionamentos, este “Jogos Vorazes” destoa do lugar comum e vai além do aparato visual, exigindo de uma compreensão crítica do que está posto em cena, discutindo liberdade, política, conceitos morais e éticos, refletindo sobre o ser humano, seu papel social e sua responsabilidade com o mundo. Tudo isso divide espaço com a criatividade de seus realizadores, que, com uma direção artística corajosa, concebe um porvir luxuoso e vazio.  

De cara, percebe-se a natureza daquele universo. As tomadas na floresta, a beleza bucólica e a sensação de liberdade – até aparecer uma primeira cerca – remetem a um ideal perdido, um retorno ao passado primitivo. A caça indicada por armadilhas e arco e flecha explana o contexto que vive Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence), moradora do Distrito 12, o mais ordinário, apresentando suas habilidades para conseguir mantimentos para a família, evitando sempre partilhar de auxílios do governo, o que lhe custaria uma chance a mais de ser um dos escolhidos para participar dos Jogos Vorazes. 

A narrativa é determinada por críticas sociais, centrando, de início, num ofertório mortal. Jovens são sorteados para defender seu distrito, como se ofertassem a alma a uma entidade divina, porém longe disso, divindades não cabem nesse universo. A vida tributada é unicamente em prol da diversão dos incautos. A forma com que estes assistem passivamente esse conflito bárbaro e hostil explicita a extinção do respeito pelo próximo, exaltando a vaidade individual egoica. Este futuro trabalhado em cena é magnânimo e já fora especulado antes em obras primas da literatura, como em 1984 de “George Orweel”. Podemos ver tipos de teletelas em vários locais, observando tudo o que acontece bem de perto.

A ideação de Gary Ross é plenamente crítica do ponto de vista urbano, com a confraria burguesa, representada de um modo futurista debochado com figurinos, penteados e maquiagens extravagantes, numa ótica sobre a alienação de um povo com cultura subvertida, alimentado por uma lógica de mercado amoral. As pessoas assistem e se divertem, e o que está em cena é um retrato do apogeu da violência, a arena do coliseu encaixotada em telas, marcada pela diferença social de 12 distritos se enfrentando em nome da sobrevivência e de um glamour absurdo. Traços desse futuro proposto pelo longa já são diagnosticados em nosso presente, com a sociedade do espetáculo notada na televisão, nas revistas, na internet; é a materialização humanitária como objeto a ser consumido, extirpado e descartado, substituído. Para despertar a atenção, vale abusar da violência.

Lawrence, ótima, representa a fragilidade e introspecção de sua personagem, crente quanto sua dificuldade em se socializar. A conversão de sua Katniss é intrínseca, frágil num início – sua estremecida segundos antes de ser lançada em combate é marcante – torna-se resistente, buscando se impor frente aos riscos ao redor. O romance é outro atributo significativo, longe dos imaginários compartilhados em super produções, ficam suas intenções em aberto ao lado do jovem Peeta Mellark (Josh Hutcherson). Essa é uma subtrama engenhosa do roteiro.  

Com um figurino cafona, o que o torna interessantíssimo e engraçadíssimo, a composição dos vindouros é cômico, ficando melhor quando representado por seus envolvidos personagens. O produtor Seneca Crane (Wes Bentley de “Beleza Americana) – vale ressaltar aqui a sociedade das aparências – com sua barba desenhada, é aberto a qualquer possibilidade de tornar seu show mais atrativo, valendo-se até de exorbitâncias. Elizabeth Banks como Effie Trinket  com sua moda indiscreta é um auxílio cômico, ao passo que Stanley Tucci compõe, talvez, o personagem mais mirabolante como o apresentador Caesar Flickerman. Ainda surgem, de uma maneira mais contida, no entanto com importância inestimável atores como Woody Harrelson vivendo o tutor Haymitch, Lenny Kravitz interpretando o gentil Cinna e Donald Sutherland, com notável excelência, encarnando o Presidente Snow. Alguns nomes, notadamente, reporta a um caráter romano, como Sêneca, Caesar. Afinal, o que são os participantes senão juvenis gladiadores?

Unindo atributos de grandes blockbusters sem abrir mão de uma boa história, “Jogos Vorazes” se revela uma próspera surpresa, acarretando um mundo arquitetado sem belezas, senão a gana pela sobrevivência e por justiça. Questões vencidas pelo ser humano através da história, conquistadas com sangue em guerras, novamente almejadas numa segregação social futura, cega pelo poder. Gary Ross convence com uma narrativa sóbria, cheia de detalhes, entretanto otimamente conduzida e relativamente bem explicada durante sua longa duração. O trabalho do montador viabiliza o progresso da história sem nos cansar, abrigando valores e referências durante as duas saudosas metades: a preparação e a ação. As duas se equivalem.





2 comentários:

  1. O filme é bom, mas não é tudo o que dizem. A mensagem é bem apresentada, e as cenas de ação são boas, mas o roteiro é apressado, mal desenvolvido em certos pontos e com diversos clichês (ainda que esses sejam bem escondidos).

    http://cinelupinha.blogspot.com.br/

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  2. Esse foi o melhor filme que vi no cinema esse ano! surpreendente e genial! Sou fã de bons dramas e sobretudo histórias ambientadas num futuro pessimista mas não tão impossível de aconteçer.. Jogos vorazes me lembrou livros como o citado "1984" e "admirável mundo novo", e tambem filmes como "V de Vingança" e "Laranja Mecânica". o enredo futurista é palco para uma série de críticas sociais e discussões filosóficas. O figuro e maquiagem dos personages é muito extravagante e divertido, ri muito com as cores e formatos dos penteados, muito bom. O cenário, como por exemplo a mobília do apartamento, tambem é bastante inventivo e rico em detalhes. Trilha sonora melancólica e excelente *.* as cenas de ação são bem feitas, mas na minha opinião as lutas e carnificina é secundária numa história tão interessante e instigante. O romance ficou implicito e em aberto para as continuações, creio eu. Enfim, imperdível. Comprarei o dvd quando sair! :) Além da trilogia de Jogos Vorazes, que será leitura de férias com certeza! rsrsrs

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