segunda-feira, 28 de março de 2016

domingo, 19 de outubro de 2014

Proseando sobre... Annabelle

Quando escrevi sobre Invocação do Mal, havia colocado em um dos parágrafos a seguinte frase: “…subvertendo formas, o filme se desenrola com clareza surpreendente, já que não larga muita coisa em suspensão, resolvendo-se em suas limitações”. Essa mesma frase se aplica nesse Annabelle (Annabelle, 2014), filme que tem uma boneca possuída e que foi brevemente apresentada pelo diretor James Wan no mesmo Invocação do Mal. Com a oportunidade de estender o sucesso daquele bom filme, fizeram esse spin-off para colher os louros do êxito aterrador a partir de um aterrorizante objeto possuído nos moldes de Chucky, o brinquedo assassino. Uma tal de Annabelle Higgins, mulher envolvida com ocultismo, amaldiçoa a boneca de uma maneira próxima a que Charles Lee Ray fez, se é que alguém lembra desse personagem que reúne sobrenomes de assassinos da história.
Jovens casais geralmente tem sido no cinema os alvos prediletos das mais diferentes assombrações. Aqui não é diferente, já que acompanhamos John (Ward Horton) e Mia Gordon (Annabelle Wallis). Eles estão aguardando o nascimento do primeiro filho. Mia coleciona bonecas e fica encantada quando ganha Annabelle. Tudo ia divinamente bem até uma tragédia envolvendo os vizinhos atingi-los brutalmente e envolver diretamente a assustadora boneca. Daí os mais estranhos eventos começam a acontecer e uma espiral de sustos, sons diegéticos e sombras criam todo o climão de um autêntico filme de horror. No mar de clichês sobressaem algumas boas cenas, inclusive uma que pode ser inserida como uma das mais criativas e verdadeiramente apavorantes do gênero: a cena em que uma criança atravessa o corredor.
Sem maiores pretensões a não ser reaproveitar um objeto de cena de um eficiente filme de horror, este trabalho se aproxima de Invocação do Mal graças ao clima sinistro causado. James Wan não o dirige. O cargo ficou com John R. Leonetti, diretor de fotografia e parceiro de Wan. O cara tem um passado pouco admirável, esteve à frente de Mortal Kombat – A Aniquilação(Mortal Kombat: Annihilation, 1997) e de Efeito Borboleta 2 (The Butterfly Effect 2, 2006). Sua habilidade com a fotografia ao menos garante um bom uso dos espaços físicos e da elaboração da atmosfera ambiente. Leonetti não tem um grande roteiro em mãos, mas tem personalidade em assumir o ofício da câmera e transitar com ela nos pequenos espaços, evocando os objetos, tratando transições e investindo em sombras. Os sustos são consequências e acontecem com certa frequência, ainda que na maioria das vezes de maneira previsível. Um trovão aleatório, por exemplo, é uma investida para tal triunfo.
Annabelle é uma boa personagem. É naturalmente assustadora. Sua expressão implica na dúvida sobre o desejo de alguém de tê-la em casa, especialmente como ornamento principal de uma coleção especial num quarto infantil. A presença de crianças também garante o favorecimento da tensão da história, já que é sobre elas, aparentemente, que as maldições se debruçam. Num senso coletivo elas são fragilizadas e, desta forma, conquistam maior solidariedade por parte do público. É a questão do cuidado instintivo. A cena dos desenhos na escada é ótima do ponto de vista do clima – há uma óbvia manifestação de um potencial psicológico projetivo que acentua seu significado. No entanto, do ponto de vista do roteiro, está deslocado. Aos fãs de horror, taí um bom divertimento, especialmente quando não se é cético, ou se domina a habilidade de se permitir crer no que se vê dentro da sala escura. Ahhh, e como ingrediente extra, há referências ao clássico absoluto do terror, O Bebê de Rosemary(Rosemary’s Baby, 1968).



quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Proseando sobre... Hércules

Uma das coisas mais estimulantes quando se pensa no conceito de expectativa é a possibilidade de se surpreender, ainda mais quando essa origina-se de uma expectativa negativa sobre algo. Muitos filmes decepcionam quando esperamos demasiado por eles. Outros melhoram. Filmes que, por uma simples espreitada no trailer já são considerados potenciais fiascos. Quando vistos percebemos que não são bem assim. É o que aconteceu com esse Hércules, nova adaptação dirigida por Brett Ratner e estrelada pelo sempre carismático Dwayne Johnson. Diante a possibilidade de assistirmos uma verdadeira catástrofe cinematográfica tempos após termos visto seu trailer fanfarrão, eis a surpresa em perceber que a obra não é essa atrocidade toda. Hércules (2014) é apenas irrelevante. E durante sua existência passageira nas telonas, consegue divertir muito sem comprometer a história original. Aqui Hércules é outro, é baseado em uma história alternativa. É um legítimo mercenário. 

O filho de Zeus, detentor de uma força imensurável, ganhou novamente as telonas. É natural que um personagem tão importante apareça mais frequentemente em épocas de tantas adaptações. Em seu início conhecemos aspectos de sua história. Os seus 12 trabalhos nos são apresentados brevemente através de uma narração que exprime a maior virtude do roteiro: questionar fatos e papeis. Os deuses parecem vencidos nessa obra, existindo como citações enquanto a epopeia de Hércules transcorre no cenário bem desenhado com tonalidades amareladas. Redescobrir seu valor enquanto um semideus desconsiderando intervenções divinas parece ser seu desafio. Vem corroborar a máxima: duas mãos trabalhando fazem mais que milhares rezando! 

É bem por aí. E olha só, Hércules não trabalha sozinho. Vem auxiliado por uma série de seguidores, alguns poucos soldados que ele colheu durante seus feitos. Insere-se aí estereótipos e uma arqueira feérica. Com o time, o semideus passa a servir o rei da Trácia (John Hurt) que prometeu como recompensa seu peso em ouro. O roteiro se agarra a esse serviço, levantando seus fundamentos a partir de uma liderança questionável, sem nunca revelar verdadeiramente ao espectador quais as intenções por trás de cada um daqueles rostos cansados de guerra e em constante busca por riqueza. Há uma série de flashbacks – por vezes insuportáveis – que deixam no ar uma dúvida sobre o passado do filho de Zeus. A ação retratada vem quase sempre acompanhada por muito humor, o que condensa a trama tornando-a um entretenimento divertido, um pipocão carente de substância suficiente para honrar dignamente a representação do mito de seu herói. 

Alan Moore fez campanha para o filme ser boicotado, pois lembrou de seu amigo ignorado, Steve Moore, morto em março desse ano, autor da HQ Hercules: The Thracian Wars, a qual este filme foi baseado. O cara mal foi consultado e antes de morrer demonstrou todo seu descontentamento com o que sua obra estava se transformando. É fácil entender tal queixa através do viés da narrativa filmada calorosamente por Brett Ratner. O diretor tem experiência em equilibrar ação e humor, vide a franquia A Hora do Rush. Formulaica tal como a maioria absoluta das grandes produções, Hércules é enérgico, engraçado, descerebrado e tem um grande nome envolvido como isca. O personagem está definitivamente mais humanizado, ainda que se eleve enquanto um ser sobre-humano beneficiando o deleite de seus fieis apreciadores. É para se ver, se divertir e naturalmente esquecer. Ahhh, Dwayne Johnson, que já foi o Escorpião Rei, funciona bem como Hércules apesar de suas expressões afetadas. 

Esse ano ainda foi lançado um outro filme baseado no personagem, Hércules (Legend of Hercules, The, 2014), dirigido por Renny Harlin e estrelado por Kellan Lutz. Não vi. Ninguém que conheço gostou. 


Proseando sobre... Os Mercenários 3

Com Os Mercenários, Stallone propôs reunir vários astros dos filmes de ação, a maioria oriunda da década de 80 e 90, e criar uma franquia que os eternizasse, trazendo ainda alguns nomes da nova geração. No segundo, a brincadeira residia na decorrência do tempo que resultou dificuldades físicas aos heróis, ainda que não impedisse atos heróicos de caras que não aceitaram o natural envelhecimento. Aqui nesse terceiro parece encontrar um equilíbrio entre gerações, considerando-as igualmente importantes, o que fundamenta a perspectiva do futuro dos velhos e novos mercenários. Têm-se o filme menos badalado da trilogia, o menos empolgante, no entanto ainda atrativo simplesmente pelas grandes personalidades em cena que dificilmente se encontrarão dentro das telonas novamente. 

Vemos muita energia acumulada, a virilidade enternece a trama modelando a ação com a viral comédia. O filme revela-se afetado por tanto humor. Formulaico, tem uma cena inicial colossal como um cartão de visitas do que virá em sequência. E essa ação convulsiva consegue despertar um comportamento comum entre os espectadores: bocejos. Este cinema definitivamente perdeu a graça. A trama que poderia inflar o nosso interesse desgastado não convence, se arrasta dentro do clichê mais odiável: o maniqueísmo tradicional proposto unicamente como válvula de escape de um roteiro ineficaz. 

Há uma cena de reunião, de diversão, celebração de um fim. Ela faz todo o sentido, pois abriga os semelhantes deste contexto maluco elaborado e que funcionou brilhantemente pela sensação de nostalgia proporcionada. Essa cena, realizada num bar, acaba sendo a melhor de todo o filme, já que ampara o valor da fita: a memória do pretérito de pessoas que tiveram absoluta relevância para a constituição de um gênero. 

Barney Ross (Sylvester Stallone) tem um novo e poderoso adversário, Conrad Stonebanks (Mel Gibson). Para poupar possíveis danos a sua velha equipe devido a uma falha ressentida durante uma missão infeliz, decide convocar uma legião de jovens para enfrentar o oponente. Inevitavelmente isso causa chateação nos velhos parceiros. Um transtorno visível nos olhares tristonhos daqueles homens cujo talento em expressar emoções se equipara a de manequins. Aí vira um filme de médias e discussões a respeito de valores, coragem e parceiragem. Por conveniência, Os Mercenários 3, filme dirigido pelo desconhecido Patrick Hughes, traz toda a truculência e as piruetas enérgicas esperadas de um filme desse gênero, especialmente envolvendo tantos astros. Termina divertido. Termina sem querer terminar.


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Proseando sobre... Guardiões da Galáxia

Há uma queixa bastante corriqueira sobre a quantidade de produções baseadas em heróis que vem sendo lançadas ano após ano. Para se ter uma ideia, há datas reservadas para filmes que serão lançados somente daqui 5 anos. Nunca se produziu tanto e a onda, ao que parece, tende a aumentar. O problema não diz respeito às produções em si, aos temas abordados, costumeiramente repetidos e pouco inventivos; a crítica reside na qualidade da obra, na qualidade de seu argumento que afugenta o ideal artístico cinematográfico para tornar-se, quase que unicamente, um produto, um produto facilmente vendido que faça parte de uma moda que não tem hora ou tempo para acabar. A Marvel encontrou essa mina e vem investindo pesado ao passo que outros estúdios acompanham devagar. Consolidada, até se dá ao luxo de arriscar, conforme esse seu novo filme, Guardiões da Galáxia, obra que para alguns já é a melhor de todas suas apostas.

Parte de uma linhagem rentável, este filme com personagens pouco conhecidos comparado aos outros, – Capitão América, Thor, Hulk e Homem de Ferro – se mostrou uma surpresa graciosa pela temática independente ao projeto Vingadores que tantos frutos lhe rendeu. Ela funciona a parte, uma realidade paralela estilizada na forma e estrutura de um universo distante que flerta, até mesmo, com Star Trek. Intencional ou não, pouco importa. Os heróis retratados são muitos, 5 novas figuras que seguramente ganharão a atenção do público, tornando-se uma franquia autônoma com potencial econômico e fãs espalhados que consumirão copos, bonecos, camisetas e qualquer outra coisa que diz respeito aos heróis mais anti-heróis desse universo composto pela Marvel Studios. 

Os protagonistas são outros, eles fogem a regra dos bons moços, do altruísmo. Modelam-se sobre uma metalinguagem a respeito de seus interesses e isso dá dinâmica ao roteiro absolutamente descompromissado, sem qualquer megalomaníaca pretensão narrativa. Não se levam a sério. Isso faz bem ao filme, refutando tentativas análogas vistas em Thor: O Mundo Sombrio (Thor: The Dark World, 2013) ou em Homem de Ferro 3 (Iron Man 3, 2013). Os Guardiões da Galáxia já nasceram erroneamente, nasceram no beco, são renegados, são ordinários. Tais características os faz dar certo juntos com suas diferenças. Nós rimos de suas presunções heroicas, de seus equívocos e interesses por vezes ambíguos. É quase um filme de comédia com ação. O humor não é regrado, existe por excelência, sem vergonha, descarado, tolo, imbecil e delicioso. É a proposta da obra. E ela funciona. 

A trama gira em torno de 5 renegados que precisam se juntar devido uma série de circunstâncias para sobreviver e evitar que uma criatura se fortaleça e tome as rédeas da galáxia. Algumas boas surpresas ainda virão, essas sim com ligação direta a proposta de Os Vingadores e a concepção do todo acaba sendo magnânimo, uma investida satisfatória, apesar da história pitoresca e banal. Melhor ainda é a trilha, embalando um soft rock dos anos 80 que liga passado e futuro de uma maneira notoriamente nostálgica. De simples desconhecidos, os 5 heróis foram a glória numa obra simplória e muito bem realizada, dirigida por James Gunn, um cara que flerta bem com a característica do bizarro até o filme b. Guardiões da Galáxia é um enlatadão, sem sombra de dúvidas, mas um enlatado que traz um sabor diferente. Muito embora não signifique nada ao espectador ao final, ao menos dessa vez a recreação objetivada tem função narrativa com seus divertidos anti-heróis à frente fazendo estardalhaços dos erros sem qualquer compromisso em ser impreterivelmente sério. Conveniente e convencional, agrada especialmente por ser honesto. 

Gostaria ainda de ressaltar a habilidade da atriz Zoe Saldana com sua Gamora, seus trejeitos e traços estilizados se equivalem em alguns instantes ao que fez com sua Neytiri em Avatar (Avatar, 2009).